
O juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro, que autorizou a progressão de regime do bolsonarista condenado por destruir o relógio histórico no 8 de Janeiro, apesar de se mostrar favorável à soltura do réu, já se posicionou contra medidas que facilitam a liberação de presos.
Em artigo de 2018, publicado no ConJur, ele criticou reformas na Lei de Execuções Penais que previam a antecipação da progressão de regime como forma de combater a superlotação carcerária.
Na época, Ribeiro apontava que o uso de tornozeleiras eletrônicas e medidas cautelares previstas na Lei 12.403/2011 causavam aumento da criminalidade ao gerar “sensação de impunidade” com liberações logo após flagrantes.
“O que se viu na prática foi o aumento da criminalidade, em face da crescente sensação de impunidade gerada pela, quase, imediata soltura após a prisão em flagrante”, escreveu.
Leia o artigo de Migliorini na íntegra:
Quem ficará preso?
A pergunta é sugestiva, porque vivemos um momento em que a manutenção de alguém no cárcere é uma das questões mais complicadas para os operadores do Direito.
Esta situação começou a acontecer com a elaboração da Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, que inverte o paradigma daqueles presos em flagrante pelas autoridades policiais: a partir da entrada em vigor de referida lei, a prisão passa a ser a exceção e somente será mantida por uma decisão motivada do juiz justificando a necessidade de sua manutenção ou, caso contrário, a colocação em liberdade com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, previstas pelo artigo 319 do CPP.
A intenção ao se implementar tal medida era retirar, ou ao menos postergar, a responsabilidade do Poder Executivo na construção de estabelecimentos prisionais, vez que se menos pessoas ficam presas em decorrência de flagrante delito, a tendência seria a diminuição da superlotação dos estabelecimentos prisionais. Contudo, o que se viu na prática foi o aumento da criminalidade, em face da crescente sensação de impunidade gerada pela, quase, imediata soltura após a prisão em flagrante.
E a situação tende a piorar, caso o anteprojeto de reforma da Lei de Execução Penal seja levado a votação nos moldes em que está redigido.
Isto porque o item 58 da Exposição de Motivos, fundamento para o artigo 66, inciso V do texto final, indica que serão realizados mutirões carcerários sempre que os estabelecimentos penais estiverem com a capacidade superior à lotação. Ora, hoje em dia são poucos os estabelecimentos com capacidade inferior a lotação, e, na maior parte das vezes, não por falta de atuação dos Juízes da Execução Penal, mas sim pela absoluta e completa inexistência de vagas, e pelo aumento da criminalidade. Não digo que inexistam casos de pessoas presas indevidamente e com benefícios vencidos (progressão, comutação, indulto). Há sim, mas não a ponto de se justificar tamanha intervenção e mobilização, com a falsa justificativa da superlotação.
Além desse ponto, há outro, ainda mais grave, e previsto no artigo 41, inciso XXII do texto final a ser encaminhado para votação, e que está assim redigido: “Constituem direitos do preso: …XXII: obter progressão antecipada de regime quando estiver em presídio superlotado”.
Como dito acima, raros os estabelecimentos penais que não possuem lotação superior à capacidade. Assim, até que se alcance a capacidade do estabelecimento penal, todos aqueles sentenciados com pena a cumprir, e que ainda deveriam ficar mais algum tempo preso, deverão começar a ser colocados em liberdade.
Entretanto, em momento algum há preocupação, por parte de quem determinou a elaboração deste Anteprojeto, da construção de mais estabelecimentos penais, de fomento a boas práticas já adotadas em Minas Gerais, como as APAC´s, as tornozeleiras eletrônicas, a parceria público-privada para construção de estabelecimentos penais, dentre outras. O que existe é um desejo, quase incontrolável e inconsequente, de esvaziamento dos estabelecimentos penais, às custas da insegurança da população.
E aí, quem ficará preso? Se aprovado como está o projeto, quase ninguém.
Quem é Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro
Natural de Minas Gerais, Lourenço Migliorini é juiz desde 2006 e atua na Vara de Execuções Penais de Uberlândia desde 2013. É especialista em Direito Civil e atualmente cursa mestrado em Direito das Relações Econômicas. Também já trabalhou como professor e assessor judicial, além de ter coordenado o Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário do TJMG.
O juiz atua como formador na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e na Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF/MG), além de já ter participado de cursos em escolas da magistratura em diferentes estados. Ele foi membro titular da 2ª Turma Recursal de Uberlândia.
Coautor de duas publicações na área jurídica, Ribeiro adota postura reservada nas redes sociais. Seu perfil no Instagram é fechado e traz na descrição apenas: “Casado. Pai. Apaixonado por vinhos, viagens e boa comida”.
Decisão de soltar bolsonarista preso
Lourenço Migliorini determinou a soltura, sem tornozeleira eletrônica, de Antônio Cláudio Alves Ferreira, condenado por participação nos atos de 8 de Janeiro.
Na ocasião, o bolsonarista foi flagrado destruindo um relógio histórico trazido pela família real portuguesa em 1808.
🚨🕰 Momento da destruição do relógio de Balthazar Martinot no ataque golpista em Brasília
Relógio de pêndulo do Século XVII, foi dado de presente a Dom João VI. Martinot era o relojoeiro de Luís XIV e existem apenas dois relógios deste tipo feitos por Martinot.
— Pablo (@pablommachado) January 16, 2023
Por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, Ferreira foi condenado a 17 anos de prisão pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e dano ao patrimônio tombado.
Especialistas avaliam a atitude do juiz como política e uma tentativa de afronta ao Supremo.