Em fevereiro de 2025, Tulsi Gabbard tomou posse na Casa Branca como chefe de inteligência dos EUA indicada por Donald Trump em sua nova administração que estava apenas começando. No dia 25 de março, Tulsi Gabbard em audiência pública no senado, afirmou que o Irã não está construindo armas atômicas:
“A Comunidade de Inteligência (CI) continua avaliando que o Irã não está construindo uma arma nuclear, e o Líder Supremo Khamenei não autorizou o programa de armas nucleares que suspendeu em 2003. A CI continua monitorando de perto se Teerã decide reautorizar seu programa de armas nucleares”, informou a chefe da inteligência nomeada pelo presidente Donald Trump (Agência Brasil).
Mesmo assim, após forte pressão política e ameaças dos EUA, o Irã aceitou começar as conversas sobre seu programa nuclear. No dia 12 de abril, tanto a Casa Branca como o governo Iraniano, publicaram comunicados, cujo conteúdo indicava que as conversas entre as partes mediada por Omã estavam sendo negociações construtivas e positivas. Aconteceram então cinco encontros, sendo o último na embaixada de Omã na Itália, no dia 23 de maio. A sexta rodada de negociações estava marcada para o dia 15 de junho.
No dia 10 de junho, Tulsi Gabbard, a chefe da inteligencia norte americana de Trump, publicou na sua conta do X (Twitter) um vídeo que denuncia, sem citar nomes, as elites que querem levar o mundo para uma guerra nuclear.
Na noite do dia 12 para o dia 13 de junho, o Estado sionista de Israel executou a operação “Leão Ascendente – Operation Rising Lion”. Uma campanha militar de alta complexidade contra a República Islâmica do Irã. Não foi um simples ataque aéreo, mas uma ofensiva que combinou ataque aéreo massivo com operações secretas de sabotagem em solo iraniano contra o sistema de defesa aérea do país. Decapitando a cúpula da liderança militar e científica do Irã, como também atingindo parte de sua infraestrutura nuclear e de mísseis.
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A agressão sobre o Irã foi devastadora. Resultando na morte confirmada do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, do Comandante-em-Chefe do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC), do chefe do programa de mísseis balísticos e de proeminentes cientistas nucleares. Entre os cientistas iranianos mais importantes que foram assassinados pelo estado de Israel, está o Dr. Mohammad Mehdi Tehranchi, físico renomado, defensor da soberania científica do Irã e figura central no avanço científico iraniano. Essa perda simultânea de capital humano estratégico infligiu um golpe sem precedentes na cadeia de comando do Irã.
Um dia após os ataques das forças militares de Israel contra o Irã, Donald Trump foi explícito:
“… os Estados Unidos fabricam o melhor e mais letal equipamento militar do mundo, DE LONGE, e que Israel tem muito dele, com muito mais por vir – e eles sabem como usá-lo. Certos radicais iranianos falaram bravamente, mas não sabiam o que estava prestes a acontecer. Estão todos MORTOS agora, e a situação só vai piorar! Já houve muita morte e destruição, mas ainda há tempo para pôr fim a esta carnificina, com os próximos ataques já planejados sendo ainda mais brutais. O Irã precisa fechar um acordo, antes que não reste nada, e salvar o que antes era conhecido como o império iraniano. Chega de morte, chega de destruição, SIMPLESMENTE FAÇAM, ANTES QUE SEJA TARDE DEMAIS. Deus abençoe a todos!”
Em menos de 24 horas do primeiro ataque de Israel, as forças armadas iranianas deram inicio a operação “Promessa Verdadeira III”, exercendo o seu direito de resposta aos ataques iniciados pelas forças israelenses. Uma chuva de mísseis balísticos e hipersônicos cruzaram o céu do oriente médio viajando cerca de 1500 km de distância em poucos minutos, conseguindo acertar alvos em várias cidades de Israel, desmoralizando o famoso sistema de defesa chamado “Domo de Ferro”. As cenas de destruição de prédios, refinarias, sistemas elétricos, escombros espalhados pelas ruas e pessoas em pânico escondidas em bunkers todas as vezes que sirenes de alertas de mísseis tocavam circulou em todas as mídias do mundo. O Irã surpreendeu a maioria dos analistas, sustentando por dias um confronto que está impondo baixas sem precedentes a Israel que tem preocupado todo o imperialismo ocidental. Em artigo anterior sobre esse tema, já apontávamos que o Irã poderia surpreender, por conta das relações de cooperação que acumulou com China e Rússia no ultimo período.
Ao perceber a escalada do conflito e a relativa dificuldade atravessada por Israel, no dia 17/06, Trump abandona repentinamente a reunião do G7 no Canadá e posta na sua rede social um alerta para que a população iraniana deixe imediatamente Teerã, exigindo rendição incondicional ao Irã. Ao mesmo tempo, toda a imprensa internacional noticiou que o Pentágono deu ordens para porta aviões se movimentarem para próximo do Golfo Pérsico, dando a entender um envolvimento direto dos EUA no conflito. Na viagem de volta para Casa Branca, ainda dentro do seu avião oficial, quando Trump foi perguntado por uma repórter sobre a posição da chefe de inteligência dos EUA que declarou que o Irã não estava construindo armas nucleares, Donald Trump respondeu que a opinião de Tulsi Gabbard “não importa!”.
O governo do Irã respondeu publicamente que só voltaria às negociações sobre o seu programa nuclear se Israel parasse os ataques e que iria seguir bombardeando Israel para se defender. Os combates já duram uma semana, ambos os países têm conseguido promover baixar um ao outro, sem nenhum sinal de cessar fogo ou retomada de negociações. O governo de Israel tem como alvo principal toda a infraestrutura do programa nuclear iraniano e tem solicitado apoio militar dos EUA para conseguir atingir plataformas nucleares subterrâneas do Irã. Além disso, toda a movimentação militar de Israel e declarações públicas de Benjamin Netanyahu indicam que derrubar o regime iraniano também está entre os objetivos de Israel.
Líderes Europeus reunidos no Canadá na ocasião da cúpula do G7, fizeram uma declaração unitária em apoio a Israel, contra o programa nuclear iraniano, mas manifestando o desejo de que o conflito seja resolvido por negociação, e não por vias militares. Emmanuel Macron, primeiro ministro francês, foi mais explícito em se posicionar publicamente contra qualquer tentativa de derrubada pela força do regime iraniano.
Nesta Quinta Feira, dia 19 de junho, com o seu governo dividido sobre o tema, e sem consenso entre os países que compõem a OTAN sobre uma ação militar direta contra o Irã. Donald Trump em entrevista a jornalistas na Casa Branca disse que vai decidir em duas semanas se entrará diretamente na guerra contra o Irã ou não. Trata-se claramente de uma tentativa de ganhar tempo para que as polêmicas e divisões internas em sua administração possam evoluir para uma posição mais unitária. Trump é pressionado por alas radicais que são influenciadas pelas mega empresas do complexo industrial militar, pelo lobby sionista e setores que pensam ser uma oportunidade única de derrubar o regime iraniano definitivamente.
Por outro lado, há também uma parte significativa de frações do movimento MAGA completamente contra uma intervenção direta dos EUA nessa guerra. Segundo esse setor, contraria o discurso de campanha que criticou fortemente as guerras que o governo democrata se envolveu. Esse setor avalia que a participação dos EUA em guerras como no Iraque e Afeganistão no último período gerou alto desgaste político e econômico, desestabilizando toda a região, com pouco retorno vantajoso para os americanos. Assim, uma guerra nesse momento contra o Irã, tiraria completamente o foco da atual administração Trump, que tem como prioridade alavancar a economia do país via reindustrialização, sob o signo da palavra de ordem: “America First”. Protestos massivos crescem nos últimos dias nos EUA contra Trump, o que tem preocupado boa parte do partido republicano sobre a popularidade do atual governo, o que aumenta ainda mais as tensões políticas e divisões internas.
A resposta militar do Irã aprofundou a divisão na administração trump
A população do Líbano, Iêmen, Palestina e outros países que foram brutalmente agredidos pelas forças de Israel nos últimos anos comemoraram a cada imagem dos mísseis iranianos caindo sobre Tel Avive como se estivessem assistindo uma final de Copa do Mundo. Enquanto isso, a população de Israel que sempre confiou na potência militar de seu país e na sua capacidade de defesa, está neste momento em choque e pânico generalizado ao perceber que dessa vez parece que as forças militares israelenses estão enfrentando um inimigo com capacidades que não eram totalmente conhecidas.
O potencial militar do Irã não surgiu por acaso, ao ser sancionado e isolado pelo imperialismo ocidental nas últimas décadas, o país governado pelos aiatolás, construiu relações alternativas. A aproximação com a Rússia e com a China através de acordos de cooperação econômica, militar e tecnológica ajudaram o Irã a acumular força bélica material avançada e contribuiu para o desenvolvimento do seu programa nuclear.
Em 2021 o Irã assinou um acordo estratégico abrangente de 25 anos com o governo chinês, para parcerias em projetos econômicos e militares. O que resultou na ampliação da venda do petróleo iraniano para refinarias chinesas, contornando as sanções do ocidente. Além disso, a transferência de tecnologia nas áreas de infraestrutura e pesquisa também avançaram entre os dois países. Um exemplo recente é a nova rota ferroviária comercial entre China e Irã que foi inaugurada em maio desse ano, com a chegada do trem de carga que saiu da cidade chinesa de Xi’an ao porto seco de Aprin, próximo de Teerã. Essa ligação ferroviária permite que trens de carga percorram o trajeto entre Xangai e Teerã em aproximadamente 15 dias, em comparação aos 30 dias necessários pela rota marítima. Essas iniciativas de eficiência logística são vistas como uma alternativa para contornar as sanções econômicas impostas pelos EUA ao Irã, facilitando o comércio bilateral e o acesso para mercados europeus.
Em janeiro de 2025, Rússia e Irã também assinaram um acordo estratégico que alcança vários setores, especialmente projetos de tecnologia militar. O Irã é o principal fornecedor de tecnologia de drones para a Rússia, enquanto os russos estão totalmente envolvidos em projetos relacionados ao programa nuclear dos iranianos. A usina de Bushehr, que fica localizada próxima do golfo pérsico, é a única em operação, foi construída pela expertise russa e é operada com vários funcionários russos que trabalham no Irã atualmente.
Vale destacar que o sucesso militar do Irã em conseguir uma precisão para atingir alvos em Israel a mais de 1500 KM de distância também se deve a acordos assinados de cooperação tecnológica. É através da troca de tecnologia de inteligência geoestratégica que envolve o sistema de satélites russos e chineses que o Irã se apoia para poder identificar com qualidade os alvos sensíveis em tempo real em vários pontos do território de Israel.
Essa condição do Irã, provada na realidade concreta dos combates que se iniciaram após a provocação mal calculada de Israel, está pensando nesse momento para os EUA entrarem ou não diretamente na guerra e ajudando a gerar uma divisão na administração de Trump. É fácil perceber que o Irã não está isolado neste confronto, a parceria estratégica construída em dinâmicas geopolíticas alternativas ao imperialismo ocidental permitiu ao país persa acumular condições econômicas e materiais para se preparar militarmente para esse momento atual que já estava de alguma forma nas análises do governo iraniano. Caso os EUA escalem essa guerra entrando diretamente nos confrontos, as consequências podem ser mais graves do que se imagina, levando os americanos para um pântano de acontecimentos, imprevisibilidade, instabilidade geopolítica que pode atingir negativamente inclusive aliados na região. Gerando uma situação que tem potencial para levar o governo Trump a uma derrota histórica frente aos seus objetivos prioritários, no qual essa guerra não estava no roteiro.
A posição da Rússia e da China sobre a guerra Israel-Irã é no momento de moderação
Após uma semana de guerra, toda a mídia mundial publicou uma síntese sobre o telefonema entre Xi Jinping e Vladimir Putin, no qual se expressou a posição momentânea das duas nações que lideram o BRICS atualmente. Além de condenar o ataque israelense, defender o direito de defesa do Irã e formar um escudo de proteção diplomática aos iranianos nos fóruns da ONU, especialmente no conselho de segurança. Os governos da Rússia e da China, apresentaram uma linha diplomática apelando para a resolução do conflito por vias negociadas, se apresentando para mediar o conflito.
Essa política expressa uma posição de cautela frente uma guerra que coloca em risco projetos estratégicos de interesse de chineses e russos, como também o desejo em não inflamar uma situação que tem potencial de ampliar a instabilidade geopolítica atual. Entre as declarações que chamam a atenção, está o alerta do governo russo, que um ataque a usina de Bushehr no Irã, pode gerar um acidente nuclear com capacidade de contaminação radioativa nas águas do golfo pérsico, prejudicando a população de vários países que são inclusive aliados dos EUA e que tem suas economias dependente dessas águas, como Kwait, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Omã e Arabia Saudita.
No momento, a posição das principais potências aliadas do Irã expressa moderação, objetiva evitar a escalada, e não demonstra o desejo de participar diretamente do conflito. Mas nada garante que essa postura seguirá sendo assim, caso os EUA tomarem a decisão de entrar diretamente nessa guerra. Como demonstramos resumidamente neste artigo, o nível de acordos, parcerias e projetos de larga escala econômica entre Iranianos, russos e chineses tem profundidade significativa. Como também, a queda do regime iraniano pela força militar imposta pelo imperialismo ocidental, pode causar um terremoto geopolítico, se conectar com outros conflitos em andamento e arrastar grandes potências para uma guerra de consequências totalmente reacionárias para a humanidade.
Pelo menos parte do governo norte americano tem noção das consequências que podem estar por vir caso Trump tome a decisão de entrar diretamente na guerra contra o Irã para derrubar militarmente o regime iraniano. As posições públicas de Tulsi Gabbard, a chefe de inteligência da maior potência militar do mundo, é a expressão da violenta luta interna que se desenvolve no interior do governo estadunidense nesse momento.
Gibran Jordão é historiador e TAE-UFRJ