Vitórias e limites das esquerdas, por Leonardo Fornazieri

A vitória do Partido Trabalhista na Inglaterra e do Nova Frente Popular nas eleições legislativas da França representam, antes de tudo, um alívio e uma descompressão política em face do crescimento e das ameaças de vitória de partidos de extrema-direita pelo mundo afora. Essas vitórias, contudo, precisam ser bem dimensionadas para que não se criem falsas ilusões.

A rigor, três componentes principais determinaram os resultados: exaustão com os partidos no poder, clivagens ideológicas profundas acerca de valores e programas de governo e incapacidades dos governos (de qualquer tendência ideológica) de promover mudanças significativas nas condições de vida de amplos setores sociais menos abastados.

O modelo político-partidário inglês não se presta muito, por ora, à formação de alianças e frentes eleitorais. Na tradição tratava-se de um modelo bipartidário – Conservadores e Trabalhistas –, mas com o crescimento do Partido Liberal Democrata e do Partido Reformista (extrema-direita) a necessidade de formação de alianças pode se tornar uma constante no futuro.

O primeiro-ministro Keir Staimer, contudo, conduziu o partido para posições mais moderadas e centristas. Conter a pobreza crescente, melhorar a saúde pública e investir em habitação são os principais pontos do programa trabalhista.

O Partido Conservador ficou com apenas 131 cadeiras. Foi a maior derrota da sua história. Os liberais saltaram de 15 para 61 cadeiras e os extremistas de 1 para 15 cadeiras.

No caso da França, as eleições também tiveram uma marca claramente mudancista. No primeiro turno e nas eleições para o Parlamento Europeu, a extrema direita da Reunião Nacional cresceu significativamente.

O presidente Macron foi o grande derrotado das eleições, tanto política, quanto eleitoralmente. A sua aliança de centro (Juntos) caiu de 250 cadeiras para 168.

A Nova Frente Popular foi a surpreendente vencedora final, conquistando 182 cadeiras, obtendo um crescimento em relação ao quadro anterior.

A Reunificação Nacional saiu politicamente derrotada por conta da grande expectativa de vitória que se criou no primeiro para o segundo turno.

Em síntese: olhando os três principais campos políticos, os franceses optaram pela mudança, tanto para a esquerda, quanto para a direita. O governo centrista foi derrotado.

Tudo indica que o novo governo será formado com um primeiro-ministro da Nova Frente Popular que poderá ou não se compor com os centristas de Macron.

Se a França Insubmissa tensionar à esquerda, poderá ser um governo bastante instável.

A Nova Frente Popular tem um programa bastante progressista. Mas os limites inerentes à ausência de maioria absoluta, deverá moderar o programa.

Três razões principais explicam esta situação. a) no pós-Guerra a extrema-direita estava derrotada; b) sindicatos fortes constituiam a base de apoio da social-democracia e forçavam negociações favoráveis; c) a existência da URSS de do Leste comunista pressionava a centro-direita para posições moderadas e de consenso programático com a social-democracia.

Com o advento da globalização e da revolução digital ocorreu um enfraquecimento dos sindicatos e redução de suas bases. Esse processo foi acompanhado por uma forte perda de direitos e pelo triunfo de políticas ultraliberais, assim como pelo ressurgimento da extrema-direita.

Com a queda da força organizada dos sindicatos e com a perda de capacidade de mobilização e de organização dos partidos de esquerda e centro-esquerda criou-se um ambiente de dificuldades e de moderação que dificulta novas conquistas de direitos, de bem estar e de justiça social.

O Estado social e distributivista debilitou-se e o desafio central do nosso tempo, a crise climática, sequer é enfrentado de forma satisfatória.

Leonardo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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Última Atualização: 08/07/2024