por Paulo Paim, senador (PT/RS)

Nossas desigualdades sociais e concentração de renda são históricas, persistentes, enraizadas na geografia e na forma de governar. Cada vez mais, os que têm menos continuam tendo menos ainda, enquanto os que têm mais continuam acumulando, muito mais. E nós sabemos que o custo disso é altíssimo.
 
Muitas vezes, o Brasil finge resolver os problemas e, quando algo é feito – ainda que timidamente –, mas que é fundamental para atacar a raiz das desigualdades sociais e da concentração de renda (uma das maiores do mundo) ou, ao menos, impedir seu avanço, logo se torna alvo daqueles que não têm compromisso com o bem-estar da população ou com o desenvolvimento do país.
 
Quantas leis foram sancionadas e não implementadas? Quantos programas governamentais foram barrados por interesses políticos e ideológicos? Os empecilhos se repetem. Não é novidade o que escrevo aqui; há anos isso vem sendo debatido. Mas é necessário insistir, perseverar, bater nessa tecla, não se omitir. Muito pior é aceitar e propagar discursos de ódio e de violência, que se alimentam da intolerância, do egocentrismo, da ambição de grupos que priorizam o poder acima de tudo e da manipulação espiritual que cada vez mais fomenta as disparidades sociais.  
 
Um recente relatório da Oxfam Brasil, “Um Retrato das Desigualdades Brasileiras: 10 Anos de Desafios e Perspectivas”, aponta o aumento das desigualdades no Brasil entre 2014 e 2024. A concentração de renda se intensificou, alcançando, em 2024, níveis próximos aos registrados durante a pandemia da Covid-19.
 
Dados do Banco Mundial mostram que, em 2024, a taxa de pobreza caiu para 20,9%, correspondendo a 45,8 milhões de pessoas, enquanto a pobreza extrema atingiu 6,8% da população – aproximadamente 14,7 milhões de brasileiros. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, em dois anos, 6 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema no Brasil.
 
O cenário é assustador, mas estamos combatendo essa realidade com programas sociais do governo federal. Entretanto, há muito a ser feito. Importante sublinhar que o conceito de pobreza não se limita a questões econômicas, mas envolve acesso a saúde, moradia, alimentação, saneamento, educação, trabalho, segurança, entre outros. É necessário que os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) assumam as suas responsabilidades.
 
Em março de 2025, mais de 335 mil pessoas estavam em situação de rua, segundo o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Esse número representa um aumento em relação a dezembro de 2024, quando eram 327.925 pessoas. Inclusive debatemos esse tema em uma audiência pública no Senado com a participação do padre Júlio Lancellotti.
 
Diante disso, enfrentamos o desafio de tornar visíveis os “invisíveis” da sociedade: pessoas ignoradas, negligenciadas, desrespeitadas, excluídas, privadas de dignidade, que passam fome. Mas será que são realmente invisíveis? Ou somos nós, como sociedade, que preferimos não enxergá-los?
 
Esses invisíveis incluem também mulheres vítimas de feminicídio, crianças mortas por balas perdidas, idosos sem acesso a medicamentos, aposentados com benefícios insuficientes, negros marcados pelo racismo e trabalhadores com direitos trabalhistas e sociais desrespeitados. Todos eles estão aí, visíveis, clamando pelo direito de viver com dignidade, conforme assegura nossa Constituição Cidadã. Negar esses direitos é ferir a democracia.

Cada pessoa tem sua perspectiva, e ninguém é dono absoluto da verdade. No entanto, há momentos em que o cansaço toma conta. O discurso agressivo e o apontar de dedos se tornam comuns — e isso não é natural, é fomentado. É nesse contexto que precisamos reafirmar: com a democracia, tudo; sem a democracia, nada. É essencial que estejamos atentos e fortes, como diz a canção imortalizada por Gal Costa.

Ainda assim, persiste a narrativa de invisibilidade, como se fosse mais fácil ignorar do que agir. Somos um país, mas ainda estamos distantes de sermos uma nação. Como não se indignar ao ver crianças e jovens mendigando nas ruas? Não há dor maior para um pai ou uma mãe do que não ter o que oferecer a seus filhos – nem um prato de comida, nem um copo de leite.
 
O Estado, governos, instituições e uma sociedade que não conseguem enxergar a dor do outro, que não se comovem nem se colocam no lugar de quem sofre, estão condenados à miséria da alma.
 
E se um desses invisíveis se dirigisse a você, perguntando: “Você consegue me ver ao se olhar no espelho?”

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Last Update: 20/06/2025