Instalações nucleares no Irã: radar S‑300 em Isfahan, plataforma de enriquecimento de urânio em Natanz e o reator de água pesada em Arak. Foto: AP Sky News e Maxar Technologies/IAEA/ REUTERS.

Por Flavio de Leão Bastos Pereira, no Conjur

Os mais recentes ataques desencadeados por Israel contra o Irã tiveram por motivação declarada pela liderança israelense a necessidade de uma ação “preventiva” com o principal objetivo de obliterar o programa nuclear do Estado iraniano, sob uma alegada ameaça existencial ao Estado de Israel concretizável a partir do momento em que o Irã atingisse o grau de purificação de urânio necessário para sua utilização com finalidade militares, etapa próxima caso nenhuma providência fosse adotada, incluído um “ataque preventivo”.

Eis o contexto: a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), instituição técnica internacional encarregada de supervisionar o uso pacífico da energia nuclear e fórum competente para atuar com sua fiscalização junto aos países que desenvolvem seus projetos com energia nuclear vem propondo o diálogo e alertando para os riscos de ataques a centros, usinas e reatores nucleares (aqui).

Mas foi a própria agência de vigilância nuclear da ONU que, no último dia 12 de junho de 2025 informou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que o Irã violou suas obrigações de não-proliferação pela primeira vez em quase 20 anos (aqui).

Referida advertência pela Aiea é de relevante destaque, uma vez que vozes críticas a Israel alegam que tal alerta vem sendo apresentado já há décadas, sugerindo que os ataques do Estado judeu teriam, por objetivo real, obter a supremacia militar na região e, para tanto, sempre recorrendo a este argumento. O alerta da Aiea derruba tal argumento.

Outro fato relevante no contexto diz respeito à declarada posição do Estado persa, adotada com a revolução dos aiatolás de 1979 e especialmente intensificada a partir do governo de Mahmoud Ahmadinejad, o sexto presidente da República Islâmica do Irã entre os anos de 2005 e 2013 e que expressamente prega a erradicação do Estado de Israel, portanto, uma ameaça existencial reiterada ao longo dos anos.

Podem ser apontadas como exemplos as manifestações do fundador do regime, em 1979, o aiatolá Ruhollah Khomeini e que denominou Israel como o “Pequeno Satã” (aqui), pregando sua destruição. Também em setembro de 2012 o então presidente Mahmoud Ahmadinejad declarou nas Nações Unidas que Israel seria destruído (aqui).

Ainda mais, Ahmadinejad sempre foi um conhecido negacionista do Holocausto (aqui). Outros exemplos poderiam ser fornecidos.

Comprovando sua posição pela eliminação de Israel, organizações armadas e que atuam como proxys do Irã, como o Hamas, expressamente buscam tal objetivo como se pode ler no preâmbulo de seu Estatuto, versão de 1988 e que registra textualmente que Israel existirá e continuará existindo até que o Islã o faça desaparecer, como fez desaparecer a todos aqueles que existiram anteriormente a ele. (segundo palavras do mártir, Iman Hasan al-Banna, com a graça de Alá)…(aqui).

Diante do contexto acima exemplificado com alguns fatos (outros poderiam ser apresentados), a questão que se coloca é se o Estado de Israel, à luz do Direito Internacional e das reiteradas ameaças à sua existência propaladas ao longo das últimas décadas, teria o direito de promover um ataque preventivo contra o Estado iraniano com o objetivo de eliminar, o máximo possível, o programa nuclear do país.

Afinal, misseis e ogivas nucleares à disposição de um regime que tem por um de seus fundamentos a destruição de Israel e, por consequência lógica, a hegemonia do mundo muçulmano no Oriente-Médio, deve ser considerado um cenário hoje rejeitado por praticamente todos os países do mundo, incluídos Rússia e China, como se verá mais adiante, além dos próprios países árabes.

Na quinta-feira, 12 de junho de 2025, o Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica, formado por 35 países, declarou formalmente que o Irã violou suas obrigações de não proliferação pela primeira vez em 20 anos (aqui).

Possíveis alvos no Irão: instalações nucleares. Foto: Fox News

Direito internacional, guerra preventiva e ataque preventivo

O uso da força, segundo as normas do Direito Internacional, é vedado, somente autorizado em duas situações excepcionais. Assim, somente nas hipóteses de legítima defesa e de coalização militar internacional autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU é que se pode cogitar sobre o recuso às armas, de forma lícita.

Podemos pensar nos exemplos da coalização internacional formada durante a década de 90 para restaurar a soberania do Kwait, invadido pelo Iraque de Saddam Hussein (Guerra do Golfo). Referida coalização foi aprovada pela Resolução CS nº 678, de 29 de novembro de 1990, autorizando a utilização de “todos os meios necessários” para cumprir as resoluções anteriores que condenaram a invasão do Kwait, pelo Iraque, caso este não se retirasse do vizinho invadido até 15 de janeiro de 1991, aprovada por 12 votos e com abstenção da China, do Iêmen e de Cuba.

A Carta da ONU, em seu artigo 2º, item 4, estabelece que todos os membros (da ONU) deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

Também o artigo 51 da mesma Carta impõe aos seus membros que nada prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

Fora das hipóteses acima, o uso da força é considerado ilícito pelo Direito Internacional.

Surge, então, a seguinte questão: se determinado Estado soberano conclui, com base em provas cabais, que outro país deverá desferir um ataque iminente contra seu território e sua população, ou mesmo deflagrar uma guerra, deverá aguardar sofrer a agressão ou poderá agir antes, preventivamente, por meio do ataque ao país futuro agressor?

Caso Caroline, 1837

O precedente histórico que remete ao tema envolve o ataque desferido por milícias canadenses contra uma embarcação que se encontrava em território norte-americano, no ano de 1837. Portanto, um atrito entre o Canadá, ainda uma colônia britânica, e os Estados Unidos da América, situação na qual referido incidente gerou uma crise diplomática entre os norte-americanos e o Reino Unido.

À época, correspondências foram trocadas entre o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Daniel Webster e o representante britânico Lord Ashburton. Tais registros tornaram-se referência no sentido de que os debates que se seguiram passaram a ser considerados parâmetros importantes sobre o tema da legítima defesa internacional e para o Direito Internacional consuetudinário.

No caso, o navio a vapor Caroline, utilizado por insurgentes canadenses contra os ingleses, uma vez ancorado no lado norte-americano do rio Niagara, foi atacado por milícias britânicas, resultando um de seus tripulantes assassinado, incendiada a embarcação e deixada à deriva até sucumbir nas cataratas.

O comando britânico (cel. McNab), à época, justificou a ação dos militares britânicos quanto ao ataque ao navio Caroline sob o duplo escopo de impedir os rebeldes canadenses de enviar suprimentos aos insurgentes durante a rebelião de 1837, além de impedir que dispusessem da embarcação para transportar mais rebeldes ao território canadense. [1]

Os acontecimentos resultaram na assinatura do Tratado Webster-Ashburton de 1842 e que disciplinou questões fronteiriças. Contudo, também estabeleceu parâmetros sobre o exercício da legítima defesa preventiva, especialmente exigindo a comprovação de elementos como a necessidade instantânea se referido exercício se der pelo uso da força. Vale dizer: a necessidade deve ser instantânea, avassaladora e não deixar escolha de meios, nem momento para deliberação.

Uso da força segundo o direito internacional

Soldado da Forças Armadas da Ucrânia. Foto: Reuters

Como já afirmado, o uso da força somente é admitido em situações excepcionais, no âmbito do Direito Internacional, nos termos dos artigos 2º, item 4 e 51, ambos da Carta da ONU.

Assim, o exercício da legítima defesa pressupõe um ataque já iniciado ou desencadeado por outro país, contra o Estado agredido. A invasão sofrida pela Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 é exemplo.

A questão que se coloca, contudo, diz respeito à possibilidade de um país que se entende ameaçado por outro, poder (ou não) antecipar uma ação armada antes de sofrer uma suposta agressão. É necessário distinguir a denominada guerra preventiva do chamado ataque preventivo.

A guerra preventiva, como temos afirmado, é ilícita perante o Direito Internacional e, como demonstram as experiências do século 20, concretiza-se pela agressão de um país soberano, a outro igualmente soberano, sob a alegação de que se busca eliminar uma possível ou provável ameaça futura, o que permite identificar a presença de um elemento aleatório e até mesmo, incerto na equação considerada por um suposto agressor. As invasões efetuadas pela Alemanha do 3º Reich, pela Itália Fascista e pelo Império do Japão nas décadas de 30 e 1940 constituem alguns exemplos.

Já na hipótese de um ataque preventivo, exige-se a presença de um fator objetivo e que deve ser cabalmente demonstrado, qual seja, a ameaça iminente. Aventa-se, nesta situação, uma ameaça claramente delimitada e concreta.

Foi a partir dos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 pela organização terrorista Al Qaeda, que a ideia de intervenções armadas preventivas ganhou espaço no debate, especialmente mediante o desenvolvimento da chamada “doutrina Bush” capitaneada pelo então presidente e que priorizou as ações unilaterais, preemptivas e de combate ao terrorismo e, inclusive, quando necessária a contenção da proliferação de armas de destruição em massa. Referida doutrina, contudo, recebeu muitas críticas, uma vez que claramente fragilizou o sistema internacional e reforçou o unilateralismo, no mundo.

O governo Bush passou a ser diretamente responsabilizado quando foi revelado perante toda a comunidade internacional que o Iraque, invadido pelos Estados Unidos e seus aliados em 20 de março de 2003 sob a justificativa de que estocava armamentos químicos de uso proibido pelas leis e costumes de guerra, simplesmente não mantinha tais armamentos.

Os ataques preventivos envolvem a necessária demonstração de que o país atacante se encontra sob uma ameaça iminente, portanto, próxima ou imediata. Tal constatação deve ser provada de forma contundente. Por legítima defesa se deve entender não apenas a reação imediata e proporcional a uma agressão injusta já desencadeada mas, também, a ação que vise debelar uma agressão na iminência de ocorrer.

A jurisprudência internacional já estabeleceu alguns parâmetros sobre a temática. Assim, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão judiciário das Nações Unidas sediada em Haia (Países Baixos) expressou seu entendimento no caso Nicarágua vs. Estados Unidos (1986), ao chancelar que o uso da força não é permitido, salvo em legítima defesa diante de um ataque armado, rejeitando, outrossim, cenários que envolvam a ideia de legítima defesa coletiva ou preventiva contra ameaça não concretizada (aqui).

Tal referência é importante, uma vez que o caso da guerra entre Israel e Irã demonstra que a própria Agência Internacional de Energia Atômica apontou, como visto acima, que o Estado persa rompera com suas obrigações assumidas, até porque é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ao qual o Estado de Israel jamais aderiu. O Irã já anunciou, após os ataques de Israel, que abandonará o TNP e que já prepara projeto de lei para formalizar tal denúncia (aqui).

A questão é saber se tal contexto, consideradas as ameaças lançadas contra a existência de Israel ao longo das últimas décadas, configuram uma situação própria de ameaça iminente sob seu aspecto jurídico a autorizar o uso preventivo da força. Certo é que a comunidade internacional, incluídos Rússia e China, são contrários ao Irã manter armas nucleares em seus arsenais (aqui e aqui), embora tais potências defendam o direito do Irã em desenvolver a energia nuclear para fins civis e pacíficos.

Assim, o Direito Internacional não autoriza de modo expresso o ataque preventivo que, entretanto, diante de uma ameaça iminente, de comprovada necessidade instantânea, esmagadora e que não permite margem de escolha de meios alternativos para adoção de soluções menos drásticas pelo país ameaçado, pode entender presente a situação de legítima defesa, uma vez que esta garantia estará esvaziada se autorizada apenas em face de uma agressão injusta já desencadeada. A legítima defesa inclui, também, a prerrogativa de impedir que uma agressão injusta ou ameaça existencial iminente, venham a ocorrer.

A ameaça existencial a partir do uso de armas nucleares não permitem experimentações. Não seria crível e razoável aguardar um ataque por ogivas atômicas contra um Estado soberano, reconhecido pelas Nações Unidas, para somente depois autorizá-lo a se defender, uma vez que tal Estado e sua população estariam destruídos.

Contudo, é imprescindível a demonstração da iminência da ameaça, considerada a capacidade de destruição irreparável e em massa, de tais arsenais, para se concluir pela razoabilidade de um ataque preventivo.

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Last Update: 20/06/2025