Sete meses depois da derrota eleitoral e cinco da posse de Donald Trump, o Partido Democrata ainda não se recuperou do baque. Ao contrário da crescente reação popular nas ruas em defesa das instituições, a legenda tem sido incapaz de reagir à altura aos ataques do governo e de fanáticos trumpistas a militantes e dirigentes. Os casos se acumulam. No sábado 14, a deputada estadual Melissa Hortman e seu marido, Mark, foram assassinados no subúrbio de Minneapolis por um eleitor republicano. Vance Boelter, de 57 anos, fingiu ser um policial e antes de matar o casal Hortman havia alvejado o senador John Hoffman. Descrito como um cristão fervoroso antiaborto, Boelter foi preso no dia seguinte, após uma longa caçada empreendida pela polícia local.

O governador de Minnesota, Tim Walz, afirmou que o tiroteio parecia “ser um assassinato com motivação política”. Questionado se ligaria para o governador, Trump disse à rede de televisão ABC News que telefonar para Walz depois de um assassinato ter causado enorme comoção no estado, seria “perda de tempo”. “Acho que o governador de Minnesota está tão maluco. Não vou ligar para ele”, desdenhou o presidente, escorado na velha tática de acusar a vítima. “Por que eu ligaria? Eu poderia ligar e dizer: ‘Oi, como vai?’ Ah, o cara não tem a mínima ideia. Ele é um desastre. Eu poderia ser gentil e ligar, mas para que perder tempo?”

O assassinato da deputada democrata é uma evidência da escalada de violência contra a oposição partidária no ­país. Em abril, véspera da Páscoa, o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, e a família tiveram de sair às pressas de casa por causa de um incêndio proposital. Em outubro de 2022, Paul ­Pelosi, marido da ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, foi agredido violentamente na residência do casal, em São Francisco. Em 12 de junho, durante coletiva da secretária do Departamento de Segurança Interna, Kristi ­Noem, o senador Alex Padilla foi algemado simplesmente por perguntar sobre as prisões de imigrantes em Los Angeles. Em 9 de maio, o prefeito de Newark e candidato a governador de Nova Jersey, Ras Baraka, acabou detido por algumas horas após exigir o acesso à prisão de imigrantes mantida na cidade pelo ICE, a agência federal de migração.

A tibieza de líderes da legenda afasta o eleitor tradicional e desmobiliza a militância

A caça aos democratas insere-se em um contexto maior. Desde a volta de Trump à Casa Branca, as agressões retóricas foram convertidas em ações de fato. Prisões de adversários políticos, perseguições administrativas a jornalistas, cerco a universidades e ONGs, uso crescente de forças de segurança para intimidar críticos e a ameaça a parlamentares de oposição e a juízes que barrem as medidas do governo viraram rotina. Em todas as ocasiões, os próceres democratas, de Barack Obama a Kamala ­Harris, ou silenciaram ou se manifestaram de forma burocrática. Nem as famosas “notas de repúdio” que lavavam a consciência de certa intelectualidade brasileira nos anos Bolsonaro serviram de inspiração aos opositores do republicano.

A derrota da vice-presidente Harris nas eleições presidenciais em novembro do ano passado abriu uma fissura no campo “progressista” norte-americano. Uma minoria, em geral organizações da sociedade civil, tem se manifestado e organizado protestos, enquanto boa parte da legenda adota uma tática arriscada e preguiçosa: apostar que Trump fracassará por conta própria, engolido por seus erros, e entregará de bandeja a Casa Branca aos democratas em 2028. A deterioração do apoio ao magnata é significativa em menos de cinco meses de mandato, mas a estrada até as próximas eleições é longa.

A inércia das lideranças resulta em um afastamento entre a cúpula e a base da agremiação. Em maio, um trabalho do Centro de Pesquisa de Assuntos Públicos da agência Associated Press mostrou que apenas um terço dos democratas está “muito otimista” ou “um pouco otimista” em relação ao futuro do partido. O porcentual indica uma queda acentuada em relação a julho de 2024, quando 6 em cada 10 eleitores afirmaram ter uma perspectiva positiva. Em março, levantamento da rede de televisão NBC News apontou que pouco mais de um quarto dos votantes registrados (27%) disseram ter uma visão positiva do partido e apenas 7% afirmaram que essas visões são “muito” positivas, pior avaliação desde 1990.

Aos desamparados resta resistir por iniciativa própria. Desde a violenta repressão aos protestos na Califórnia, manifestantes têm lotado as ruas de diferentes cidades. No domingo 15, quando Trump participou de um desfile militar em comemoração aos 250 anos do Exército, milhares de norte-americanos preferiram juntar-se à marcha nacional batizada de No King (Nenhum Rei, em tradução livre), que propõe uma “recodificação democrática” baseada na ação direta, na solidariedade entre minorias e na revalorização dos direitos civis. Se a democracia, dizia a multidão, “não vier dos palácios, virá das praças”. Uma faixa exibida em Nova York condensa o sentimento generalizado: “Trump não é o rei”. De Washington à Califórnia ecoaram os gritos de “Essa terra não é sua”. Em ­Minnesota, cartazes homenagearam a deputada e o marido mortos. “É preciso coragem para manter a democracia”, afirmou nas redes sociais o senador independente Bernie Sanders. “Neste momento perigoso da história, a política do status quo não é suficiente. Qualquer tipo de violência em nosso país é inaceitável. A violência política pode desmantelar a nossa democracia cada vez mais frágil.” •

Publicado na edição n° 1367 de CartaCapital, em 25 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O silêncio das ovelhas ‘

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 18/06/2025