Da migração à liberdade de expressão, a visão do presidente da CIDH

por Maíra Vasconcelos – Especial para Jornal GGN

“Na Colômbia, crianças e adolescentes estão sendo carne de canhão para perpetrar atos violentos”: José Luis Caballero, presidente da CIDH

Caballero falou sobre a tentativa de magnicídio na Colômbia, sobre o avanço das políticas anti-direitos humanos na Argentina, o monitoramento especial que o país tem recebido, após assunção de Javier Milei; também falou sobre a ofensiva de governos de ultradireita contra a imprensa e os jornalistas.

“O acesso facilitado às armas é algo que tem que terminar”, disse o jurista e acadêmico José Luis Caballero Ochoa, presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sobre a tentativa de magnicídio na Colômbia. Quando foi usada a pistola Glock 9mm, que tem registro de compra em uma loja no Arizona, nos Estados Unidos. O suspeito de atuar como sicário é um adolescente de 14 anos. O senador e pré-candidato a presidente, Miguel Uribe, foi baleado com um tiro na cabeça e outro na coxa, em pleno comício, no último 7 de junho, na capital, Bogotá.

“Os Estados precisam ser responsáveis. Há uma escalada de violência criminal contra pessoas que estão sendo indicadas por partidos (à cargos públicos), ou que têm relevância política”, afirmou Caballero, ainda sobre o ocorrido na Colômbia. Mexicano, professor da Universidade Iberoamericana, nos últimos 25 anos, Caballero assumiu a presidência da CIDH, em setembro do ano passado.

Em entrevista à reportagem do Jornal GGN, Caballero falou sobre a questão migratória dos venezuelanos e também sobre a proteção à liberdade de expressão. Ressaltou o fato de que mais de dez jornalistas foram mortos, este ano, na região. Comentou o ataque sistemático de governos de extrema-direita à imprensa. E a relação entre a vigência da democracia e o exercício do jornalismo, como garantia do direito à informação.

Sobre o ocorrido na Colômbia, a tentativa de assassinato ao pré-candidato Uribe. Vi que a CIDH já se pronunciou.

Nos pronunciamos de imediato. Enviamos ao Estado colombiano a investigação, lamentando o fato, apontando que na democracia tem que estar garantida a segurança, a vida, a integridade das pessoas que participam, que é inadmissível esses atos. Também nos pronunciamos sobre todos esses ataques armados, em Cali, nas províncias de Talca, e que são muito coincidentes com essa situação do atentado à pessoa do Senador Uribe. Acho que isso merece uma condenação dos organismos internacionais e dos Estados que estão comprometidos com a democracia na Colômbia. O país tem feito um esforço enorme para levar adiante o acordo de paz.

Nós estivemos no ano passado fazendo uma visita ao país in loco, completa, complexa, vamos apresentar o relatório da visita ao país. E no informe o que estamos dizendo é que a Colômbia merece ter paz. E merece privilegiar esse acordo de paz que tanto custou ao país. Lamento muito, pessoalmente, a Comissão lamenta que estejam acontecendo essa situações de violência, que não são admissíveis. Tem uma discussão de fundo, eu acho, em todo o assunto das armas, o acesso facilitado às armas, é algo que tem que terminar.

O que está acontecendo com o recrutamento forçado de crianças e adolescentes, que estão sendo carne de canhão para perpetrar atos violentos. Isso tem merecido particular atenção, esse assunto das crianças e adolescentes envolvidos nos problemas de violência, recrutamento forçado, acesso às armas, é algo dolorosíssimo. Acho que os Estados precisam ser responsáveis, estamos em uma situação verdadeiramente complexa, há uma escalada de violência criminal e uma escalada de violência às pessoas que estão sendo, por exemplo, postuladas por partidos, ou que têm relevância política.

Mudando agora para a Argentina, o atual governo de Javier Milei rebaixou o ministério de Direitos Humanos ao que é agora uma secretária.

A questão da Argentina passa pela institucionalidade democrática também. Quer dizer, essa ideia de reduzir os ministérios, quitar orçamento, de atrasar as nomeações procedimentalmente falando. Por exemplo, o que está acontecendo com a defensoria de Crianças e Adolescentes, e não tem a possibilidade de ter uma ordem nas nomeações, como aconteceu com a Agência (Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo- INADI) para prevenir e eliminar a discriminação na Argentina. Essa é uma preocupação atenta.

Tivemos três audiências muito importantes sobre o país. No último ano, sobre o impacto das políticas sociais nas economias dos trabalhadores, a situação das políticas de gênero, principalmente a violência de gênero, e também sobre as políticas de direitos humanos, sobre memória, verdade e justiça. Foi um assunto que vimos, sobretudo, essa problemática sobre a memória. Também tem ocorrido as marchas dos aposentados, há meses. A Argentina recebe uma visão especial da Comissão Interamericana.

A CIDH esteve presente na marcha dos aposentados, no dia 12 de março. Tem estado presente também frente às políticas de segurança pública, que podem ser repressivas, diante do direito ao protesto. Há uma cobertura muito ampla. Parte dessa cobertura tem a ver com a diminuição da centralidade das instituições que garantem os direitos humanos. Porque tem a ver com o recorte do orçamento. Mas tem a ver também com uma política pública que não dá importância (aos direitos humanos).

Essa visão mais detalhada da Argentina vem de um ano pra cá?

Sim, fundamentalmente, desde o início do novo governo, que abertamente… Nos perguntamos muito quando abertamente os governos podem ter uma visão, ou política de Estado, ou intenção de rebaixar o nível dos Direitos Humanos, de ter uma visão regressiva. Porque uma coisa é que aconteçam violações dos direitos humanos na região. Pode ser que esteja aberto a medidas cautelares…Mas outra coisa é que se consagre uma política pública de Estado dirigida a regredir em relação a problemáticas em que já se havia avançado e a desconhecer outras, ou se opor diretamente a critérios ou estándares de direitos humanos consagrados no tratados internacionais, e que a Argentina ou outros países se afastem disso. Ou praticar políticas repressivas que não tenham uma cobertura de proteção aos direitos humanos.

Isso está voltando na Argentina, desde que começou esse período de governo, essa presidência. Também vimos no Peru. Agora que você tocou no assunto da Venezuela, também no país está toda essa intenção do governo de El Salvador de receber pessoas venezuelanas provenientes dos Estados Unidos para incorporá-las em um regime praticamente carcerário. Acho que é necessário distinguir entre as melhores atuações do Estado, das autoridades que podem violar direitos humanos. Mas quando há uma política intencional totalmente dirigida a desconhecer esse nível, o progresso e os logros alcançados, isso é muito preocupante.

Esperamos que não seja assim, que não resulte em uma política de Estado, mas me parece que são muitas iniciativas, não? A desintegração das unidades especiais de investigação, a comissão dos direitos à identidade, coisas que estão aí gravitando e que são muito preocupantes.

A imprensa e os jornalistas. Como está o grau de proteção aos direitos à informação na região. Se a CIDH tem um registro desse tipo de situação, sobre liberdade de imprensa, direito à informação, problemáticas de violência contra jornalistas que estão em exercício.

De fato, a Comissão faz um monitoramento muito particular de tudo isso. Temos uma relatoria especial de liberdade de expressão, desde 1998, que documenta toda a violência entre jornalistas. Mais de dez jornalistas foram assassinados, este ano. Casos muito importantes, que, inclusive, tem chegado à Corte Interamericana, tem merecido concessão de medidas cautelares, sobretudo em contextos de ruptura e ordem democrático, tem merecido a atenção no monitoramento da situação dos direitos humanos e tem merecido também, digamos, o reforço dos padrões (internacionais de proteção aos direitos humanos).

Estamos a ponto de publicar princípios interamericanos sobre liberdade de expressão. E já tinha feito um primeiro exercício, mas agora se reedita com aportes muito novedosos. Estes princípios interamericanos sobre liberdade de expressão vão dar todo o panorama do que implica o exercício desse direito em nossa região com os padrões mais qualificados e mais atuais dos direitos internacionais dos direitos humanos.

Além do mais, temos documentado no relatório anual de 2024, todas as violações aos direitos humanos contra jornalistas, a falta de proteção ou o debilitamento da proteção democrática em matéria de liberdade de expressão.

Na Venezuela, depois das eleições, sobretudo, a criminalização, a perseguição, as agressões, o fechamento dos meios de comunicação. Como na Nicarágua, onde se acrescenta a privação arbitrária da nacionalidade, como em Cuba. Esses contextos autoritários a Comissão tem documentado. Há muita repressão aos jornalistas, desaparecimento em muitos contextos, incitação também desde os poderes (executivo)  aos jornalistas.

Nós temos trabalhado muito com Colômbia, por exemplo, para que as autoridades moderem o discurso aos meios. O governo fez uma diretiva muito importante sobre este assunto dos funcionários públicos e sua relação com a imprensa. Isso foi expedido pelo governo, há alguns meses. Então, estamos com essa ideia de que a imprensa tem que trabalhar em um entorno de liberdade, os meios são garantia da liberdade de expressão e é uma garantia do acesso à informação de relevância pública. Isso está no coração das tarefas da Comissão Interamericana.

Parece que os governos de extrema-direita têm um modus operandi em relação à imprensa. Governos como o do ex-presidente Jair Bolsonaro, Javier Milei e Trump têm uma atitude ofensiva, por ora, violenta, junto à imprensa e aos jornalistas. O senhor acha que, por isso, agora é ainda mais importante essas questões envolvendo os direitos à informação e proteção aos jornalistas?

O tino político pode situar-se em determinadas coordenadas, mas eu acho que a liberdade de expressão é um direito que tem sido conquistado a partir de muito trabalho da sociedade civil, das pessoas jornalistas, de muita observação dos organismos internacionais, de muito compromisso dos Estados nas transições democráticas. Um direito que é, digamos, um dos fundamentos da vida democrática dos Estados, e que depende do exercício democrático. Por isso, também, se tenta diminuir, se tenta sufocar.

Os autoritarismos, seus surgimentos, os atos autoritários são proporcionais às restrições da liberdade de expressão, através de muitas formas. Uma delas, o assédio aos meios, o recorte de recursos, a censura e também as violações contra a integridade e também contra a vida  das pessoas que exercem o jornalismo. Então, acho que a Comissão tem que ter isso muito claro. E tem sido assim, tem que continuar apontando (as violações). Os regimes democráticos não podem ser tais se têm condutas que lesionam e lastimam a liberdade de expressão e aqueles que representam a sua garantia através do exercício da informação.

As questões da migração, como o senhor analisa a situação atual da Venezuela, onde milhões de cidadãos deixaram o país e foram para o Brasil, para a Colômbia, por exemplo.

É uma situação que para nós é muito preocupante, para a CIDH, e que nós reconhecemos. Temos 7 milhões de pessoas que saíram da Venezuela. Desde 2015, isso está sendo monitorado. Fomos até a Colômbia, o Peru, o Chile, que são países de trânsito. Tem um relatório da Comissão sobre pessoas migrantes e refugiados provenientes da Venezuela. Em fevereiro deste ano, duas comissões estiveram no Panamá fazendo uma visita na fronteira do Tapón del Darién, porque por lá transita muita gente da Venezuela.

Pensamos que as pessoas em situação de mobilidade e que não têm regularidade legal, e sobretudo as pessoas venezuelanas, têm que ser protegidas. Necessitamos que haja um reconhecimento do Estatuto de Pessoas Refugiadas, proveniente da Venezuela.

Talvez, essas sejam as duas coisas mais importantes que a comissão tem dito. A proteção às pessoas que estão deixando o país, principalmente nesses contextos, que são de muita perseguição, de um verdadeiro terrirismo de Estado. Como visto pela Comissão Interamericana, no pronunciamento de 15 de agosto, que faz parte deste relatório de violações dos direitos humanos no contexto eleitoral. Aqueles que estão nascendo em territórios de outros países, que têm pais ou mães na Venezuela, tem que ter reconhecida essa possibilidade de se vincular ao país por direito à terra, pelo fato de nascer em território de outro Estado, sobretudo, se o país de procedência dos pais nao está reconhecendo a nacionalidade.

O atual governo dos Estados Unidos representa uma ameaça aos direitos humanos na América Latina?

Espero que não. Estamos monitorando muito de perto a situação dos direitos humanos nos Estados Unidos. Temos falado já dos assuntos de grande preocupação, o problema da mobilidade humana, da migração, que não se pode tratar as pessoas migrantes como criminais, não podem ser criminalizados. Nos comunicados, temos feito alusão às políticas de gênero, à necessidade de se respeitar a independência judicial. Temos um monitoramento muito especial agora também em relação ao que está acontecendo nos Estados Unidos e esperamos que não… (que os EUA não representem uma ameaça à região).

Porque os Estados Unidos participam com muito afinco e muito abertamente e centralmente, até agora, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. Então, esse compromisso que temos, que se veja refletido no dia a dia em políticas em concordância com os direitos humanos.

A repressão aos protestos dos imigrantes em Los Angeles… Como a CIDH está atuando?

Estamos vendo isso, estamos na reação. A reação da CIDH está em conhecer os fatos para poder avaliar bem a realidade, mas também a oportunidade política no tempo. Pois sempre jogam esses dois elementos, oportunidade política, pertinência, relevância que possamos ter ainda quando estejam acontecendo as situações ou acabam de acontecer. Que também tenhamos um conjunto de dados que propiciem uma reflexão veraz. A CIDH tem que ter muita clareza frente às suas respostas.

Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).

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Last Update: 18/06/2025