A Tribo Está de Pé: Soberania Já!

por Reynaldo Aragon e Uirá Porã

Em resposta ao chamado de Luís Nassif, o movimento do software livre, coletivos de ciberativismo, academia, sindicatos e mídia progressista se levantam. Nos dias 8 e 9 de julho, em Brasília, começa a construção das trincheiras da soberania digital contra a ofensiva da extrema-direita e a captura das instituições pelas Big Techs.

O Chamado Foi Ouvido.

Quando uma voz como a de Luís Nassif ecoa no deserto da informação sequestrada, não há como fingir que não ouvimos. Seu artigo recente — “A hora de convocar a tribo do software livre” — não foi apenas uma coluna: foi um gesto de reencontro com um Brasil que ainda insiste em resistir. Um Brasil que acredita que a tecnologia pode ser uma ferramenta de emancipação coletiva e não um instrumento de dominação algorítmica.

O movimento do software livre, como tantas outras redes vivas da sociedade brasileira, recebeu esse chamado com emoção e com urgência. Porque não se tratava apenas de nostalgia — tratava-se de memória ativa. E memória ativa, em tempos de guerra híbrida, é trincheira. É código. É povo.

O texto de Nassif resgata não só uma história de luta, mas nos convoca a reescrevê-la. E é por isso que viemos a público: para dizer que estamos aqui. Que a tribo ainda existe. Que ela se organizou. Que ela está de pé. E que em Brasília, nos dias 8 e 9 de julho de 2025, ela vai se encontrar. Não para celebrar o passado, mas para construir as defesas do futuro.

A Tribo Está de Pé – O Encontro em Brasília.

A chama que parecia dispersa reacendeu. Não foi por acaso. Ao longo dos últimos anos, mesmo nas sombras, mesmo nos subterrâneos do algoritmo, a tribo nunca deixou de existir. Resistimos nas margens da política institucional, nas linhas de código escritas em silêncio, nos servidores mantidos à unha, nas oficinas comunitárias, nas redes federadas, nas universidades públicas, nos becos do país real. E agora, convocados pela urgência do tempo e pela lucidez do chamado, decidimos romper o silêncio.

Nos dias 8 e 9 de julho de 2025, em Brasília, realizaremos o Encontro Nacional “Soberania Já!” — uma aliança inédita entre o movimento do software livre, coletivos de ciberativismo e hackerativismo, universidades públicas, sindicatos, movimentos sociais, desenvolvedores autônomos, comunicadores populares e frentes progressistas que ainda acreditam no papel histórico da soberania digital como fundamento da democracia.

Não será apenas um evento. Será uma convocação — uma resposta articulada à ofensiva coordenada da extrema-direita algorítmica e às tecnologias de desinformação que vêm desestabilizando as instituições, os corpos e as consciências. Brasília será nossa fogueira: ali nos reuniremos para traçar estratégias, partilhar tecnologias livres, definir princípios comuns e declarar, em alto e bom som, que não aceitaremos a tutela das Big Techs sobre o destino do país.

A Guerra Já Começou – O PL, as Big Techs e a Nova Direita Digital.

Não se trata mais de prever. Está em curso. A guerra informacional já começou — e seus generais não estão em Brasília, mas em São Francisco, Palo Alto, Menlo Park e no coração de plataformas que fingem neutralidade enquanto operam uma engenharia precisa de desestabilização democrática.

O que vimos este ano, no evento do PL em Fortaleza, com a participação oficial de representantes da Google e da Meta, não é apenas uma aberração institucional: é um marco histórico. Pela primeira vez, plataformas privadas norte-americanas se sentaram à mesa com o partido que lidera a extrema-direita brasileira para oferecer treinamento, recursos e tecnologia. O que ali se selou não foi uma oficina, foi uma aliança.

Uma milícia informacional oficializada, bancada por corporações que se beneficiaram, enriqueceram e cresceram com a radicalização digital no Brasil. Empresas que lucraram com o ódio, com o negacionismo, com os ataques às urnas eletrônicas, à imprensa livre e aos direitos fundamentais. Agora, retornam, não como culpadas, mas como parceiras estratégicas de quem ameaça a democracia.

Não estamos mais diante de um risco difuso. Estamos diante de uma plataforma de guerra híbrida sendo institucionalizada, testada e refinada para 2026. E quem não enxergar isso está cometendo, mais uma vez, o erro fatal de subestimar o inimigo.

Um Alerta à Esquerda – O PT Não Pode Errar de Lado.

Dói escrever essas linhas, mas o silêncio seria cumplicidade. Nos últimos dias, a imprensa noticiou que, após recusar um convite da Meta, o Partido dos Trabalhadores agora considera organizar uma “oficina com as Big Techs” para formação de quadros. A alegação: “após a eleição interna, haverá interesse em treinamento”.

Isso é um absurdo histórico e ético. Não há neutralidade possível entre democracia e desinformação. Google, Meta, X, Amazon e tantas outras plataformas transnacionais são parte estrutural do problema. Foram elas que ofereceram os palanques, os algoritmos e os lucros para o bolsonarismo florescer. Foram elas que fecharam os olhos — ou pior, colaboraram — enquanto as instituições democráticas brasileiras eram sistematicamente atacadas.

Como pode o partido que mais sofreu com o lawfare, com a manipulação da opinião pública, com os ataques algorítmicos, agora pedir formação técnica a seus algozes?

Não se trata de ingenuidade — trata-se de desorientação estratégica. Em vez de reconhecer o acúmulo dos movimentos populares, das universidades públicas, dos coletivos técnicos, da ética hacker, o partido olha para o topo da cadeia tecnológica e estende a mão a quem conspira contra a soberania nacional.

Queremos dizer com clareza: o campo democrático não precisa das Big Techs para enfrentar a extrema-direita. Precisa é romper com elas. Precisa construir, junto aos que jamais se renderam, uma estratégia digital baseada em soberania, infraestrutura livre e tecnologias populares. Qualquer outro caminho é armadilha.

O Projeto Existe – O Brasil Participativo Ignorado.

Não falta proposta. Não falta acúmulo técnico. Não falta mobilização popular. O que falta — e segue faltando — é vontade política de escutar quem constrói soberania de verdade.

A proposta “Serviço Digital Brasileiro – Inovação e Liberdade: Soluções Livres para Desafiar as Big Techs”, construída por dezenas de ativistas, desenvolvedores, pesquisadores e militantes da liberdade tecnológica, foi a mais votada na categoria Ciência e Tecnologia da plataforma Brasil Participativo. Um feito político e simbólico. Uma demonstração viva de que o país real quer outra direção: infraestrutura descentralizada, software livre, tecnologias públicas, respeito à diversidade cultural e inclusão digital de base.

E o que fez o governo federal diante disso?

Nada. Silêncio. Esquecimento.

A proposta, legitimada democraticamente por centenas de votos, foi ignorada. Nenhuma menção, nenhum aceno, nenhuma tentativa de interlocução. Como se a soberania digital fosse assunto secundário. Como se a guerra híbrida não estivesse nas portas. Como se os saberes acumulados por essa “tribo” há mais de duas décadas não tivessem importância alguma.

Esse desprezo institucional é mais do que um erro: é uma oportunidade desperdiçada. E pior — é um sinal perigoso de que setores do governo ainda não compreenderam quem são os verdadeiros aliados da democracia e quem são seus sabotadores travestidos de prestadores de serviço.

O Que Está em Jogo em 2026.

O que se avizinha não é uma eleição. É uma batalha decisiva na guerra híbrida que já ceifou democracias ao redor do mundo e colocou o Brasil como seu principal laboratório. 2026 não será apenas uma disputa de votos, será uma disputa de realidades, de percepções, de narrativas moduladas por algoritmos que não respondem a nenhum código de ética, apenas à lógica do lucro e do controle.

A extrema-direita brasileira vem mais preparada, mais digitalizada, mais articulada com o submundo das plataformas, com as consultorias privadas de inteligência de dados, com a manipulação automatizada da opinião pública. Eles têm robôs, rastreadores de comportamento, campanhas gamificadas, perfis fantasmas, publicidade camuflada, deepfakes e redes coordenadas. E agora, têm também o apoio formal das Big Techs.

Se nada for feito, 2026 será não apenas a repetição de 2018 — será sua evolução. Mais técnica, mais disfarçada, mais difícil de conter. Não será só a mentira que vencerá. Será a verdade que perderá acesso aos meios de existir.

E a pergunta central é: com que infraestrutura o campo progressista pretende enfrentar esse desafio? Com oficinas do Google? Com workshops do Facebook? Ou com redes autônomas, servidores descentralizados, tecnologias livres e estratégias construídas com o povo, para o povo?

Não há vitória possível sem soberania. Não há soberania possível sem ruptura com os monopólios da manipulação.

A Convocação – De Nassif para Todos Nós.

Este artigo é, antes de tudo, uma resposta. Mas é também um gesto de retribuição, um eco do chamado de Nassif. Quando ele escreveu que era hora de convocar a tribo do software livre, ele sabia que falava com mais do que desenvolvedores: falava com os inconformados. Com os que ainda acreditam que há luta possível para além das instituições capturadas. Com os que resistem ao silenciamento de uma internet cada vez mais fechada, comercial, colonizada.

Pois aqui estamos, Nassif. A tribo ouviu. E não está só.

Convidamos você — e a todas e todos que mantêm a imprensa livre de pé, a crítica viva e a esperança informada — a se juntar a nós. Precisamos da sua voz, da sua palavra, da sua história e da sua coragem. Precisamos de jornalistas como você, como Leandro Fortes, Márcia Tiburi, Florestan Fernandes Jr., Cynara Menezes, Kiko Nogueira, Dríade Aguiar, Jamil Chade, Hildegard Angel, Chico Pinheiro, Sara Goes, Altamiro Borges, Natália Viana, Breno Altman, Amanda Audi, Rodrigo Vianna, e tantos outros que enfrentaram o tempo da mentira organizada com dignidade e compromisso com o país. Pedimos ajuda — porque construir trincheiras não se faz apenas com código, mas com comunicação, narrativa e consciência coletiva. Sem a presença ativa do jornalismo progressista, o ataque à democracia será completo.

Nos dias 8 e 9 de julho, em Brasília, faremos o Encontro “Soberania Já!”. E queremos vocês lá. Não como plateia, mas como parte da frente de batalha. O que está em jogo não é um projeto de software, é o próprio direito de existir como povo soberano em um país que não se ajoelha aos algoritmos de fora.

Conclusão – As Trincheiras da Esperança.

Há algo profundamente poético — e político — em ver o reencontro entre jornalistas progressistas, pessoas programadoras do software livre, sindicatos, movimentos sociais e a juventude hacker. São elas, juntas, que estão cavando as primeiras trincheiras da esperança num território tomado por desinformação, ódio e colonialismo digital.

Mas não se engane: essas trincheiras não são metáforas. São reais. São servidores autônomos sendo ativados. Plataformas federadas sendo construídas. Protocolos públicos sendo testados. Aplicativos comunitários ganhando vida. Comunicação alternativa se reorganizando. E, agora, pela primeira vez em muito tempo, todos esses esforços convergem para um mesmo chão: Brasília, julho de 2025.

O que começa ali não é um evento, é uma virada. É a inauguração de um campo de resistência informacional para o que virá em 2026. Porque não enfrentaremos a máquina da extrema-direita com protocolos da direita moderada. Não se combate colonialismo digital com cursos do colonizador. Não se enfrenta a distopia algorítmica com “inovação” de mercado.

Venceremos com soberania. Com solidariedade. Com a beleza de quem sonha junto. E com a convicção visceral de que a democracia que ainda queremos viver depende da infraestrutura que estamos começando a construir agora.

Nos vemos em Brasília.

Nas trincheiras da liberdade.

No futuro que ainda é possível.

A atividade está sendo organizada conjuntamente pela Campanha Internet Legal, pela Rede pela Soberania Digital e pelo Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI), com apoio de diversas entidades comprometidas com a democratização da comunicação, a soberania informacional e os direitos digitais no Brasil. Assinam este chamado e convocam para o encontro Soberania Já! (Brasília, 8 e 9 de julho de 2025).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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Last Update: 17/06/2025