Em questão de dias, morreram Sérgio Manucci e José Carlos Poli. Ambos participaram comigo da fundação do Jornal da Mantiqueira, junto com Rowilson Molina e Décio Alves de Morais.

Era 1974, minha família estava se mudando de Poços, deixando um vazio terrível. Eu já estava em São Paulo desde 1970, estudando na USP e trabalhando na revista Veja.

A proposta do jornal creio que foi do Décio. Compraríamos uma linotipo em São Paulo, montaríamos o jornal e ofereceríamos serviços de gráfica para terceiros, para equilibrar as contas. Juntamos nossas economias e fomos à luta.

Poli trabalhava na loja que vendeu a linotipo e veio como linotipista do futuro jornal. Escolhemos o nome de Jornal da Mantiqueira que, no início, era semanal. Durante a semana, Décio dava plantão no jornal, secundado por Molina e Manucci.

Eu tinha acabado de ser promovido a repórter especial da Veja. Sexta feira era dia de fechamento da revista. Eu ficava até de madrugada, ia para a rodoviária, pegava o ônibus para Poços e organizava o fechamento da edição semanal do Jornal.

Para criar a rotina, no lançamento do jornal tirei um mês de férias e passei em Poços.

A criação do jornal foi um furacão na cidade. Desde os anos 60 os prefeitos eram nomeados. Morreu a atividade política da cidade. Na nossa primeira edição atribuímos a indicação de Ronaldo Junqueira a Miguel Carvalho Dias ex-prefeito da cidade e muito ligado ao então governador Aureliano Chaves.

Tiãozinho Navarro, filho do deputado Sebastião Navarro, já despontava como a nova liderança política da direita. Era natural de Botelhos e tinha implicância com as famílias antigas da cidade, os Carvalho Dias, a do meu avô Issa Sarraf, um dos fundadores da UDN e adversário dos Navarro, ligados aos Partido Integralista. A notícia impactou porque comprometia a imagem que vendia, de padrinho da candidatura de Ronaldo.

Uma tarde, fui convidado a tomar um café no escritório da empreiteira que Tiãozinho havia aberto em Poços, em sociedade com Marcelo Junqueira, primo de Ronaldo, para oferecer serviços à prefeitura. Lá ele me fez uma proposta insólita:

  • Quanto você quer para vir para nosso lado?

Respondi-lhe que tinha montado um jornal, não uma banca de feira.

  • Então quanto você quer para parar de nos atacar nas entrelinhas?

Respondi que a entrelinha fazia parte da impressão, caso contrário as linhas seriam infinitas.

Continuamos nossa batalha depois das minhas férias. Poli dava duro na linotipagem, mas a clientela não aparecia. Depois, soubemos que Décio afastava a clientela, dizendo para aguardar um pouco, até que o jornal mudasse de mãos.

Ele já estava articulado com os Junqueira-Navarro.

Minha vida sempre funcionou com datas de corte.

Uma das datas de corte foi quando comecei a trabalhar na Veja e interrompi o relacionamento que tinha com Zaza. Depois, a crise da farmácia do meu pai, sua venda e a mudança da família para São Paulo. Uma a uma foram sendo rompidas minhas raízes com Poços. O Jornal da Mantiqueira foi minha última relação com a cidade. Mas o envolvimento atrapalhava minha vida profissional em São Paulo.

Minha data de corte foi, em um certo dia, na minha ida a Poços para ser informado por meus sócios da venda de sua parte da sociedade a Décio, bancado pelos Navarro Junqueira.

Naquele dia, passei na casa da minha infância (que mereceu um livro com esse nome). Estava vazia, pronta para ser assumida por uma nova família. 

Cheguei na casa da tia Rosita. Lá, me esperava o Sérgio Manucci para  me informar que haviam vendido o jornal, por absoluta falta de opção. Perdi a cabeça, passei vários minutos aos gritos com Sérgio, que ouvia tudo calado, compreendendo meu estado de espírito.

À noite, juntamos nosso grupos de amigos e fomos à represa Saturnino de Brito espairecer. Foi quando chegou Sérgio Manucci, que me pediu calma porque tinha uma notícia importante para me dar: meu pai tinha sofrido um AVC. Imediatamente eu e meu primo Oscar rumamos para São Paulo.

Começava uma nova etapa na minha vida, cortando os elos definitivamente com Poços e caindo de cabeça na nova vida pessoal e profissional que se iniciava.

Minha vingança, nas vindas para Poços, eram as sátiras e paródias que fazia aos Navarro-Junqueira, com as rodas no restaurante Castelões.

Com o tempo, Poli se firmou como colunista político no Mantiqueira e o principal colunista político da cidade..Sérgio tornou-se um vereador vibrante em 1982, quando a eleição de Tancredo e a vinda de Carlos Mosconi para Poços ajudaram a mudar os ares políticos da cidade.

Cada qual continuou dando suas contribuições a Poços. Mas, para mim, Poços já tinha se tornado um retrato na janela.

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Last Update: 17/06/2025