Congestionamentos de gelo devem se tornar mais frequentes no estuário do Rio Amarelo até o final do século, impactando cidades da costa leste da China, como Binzhou e Dongying, na província de Shandong. A conclusão é de um estudo publicado na última semana na revista científica Science Advances, com base em dados de 160 anos de registros sobre inundações causadas por gelo no baixo Rio Amarelo.
A pesquisa foi conduzida por cientistas da Universidade Normal de Jiangsu, da Academia Chinesa de Ciências e da Universidade de Berna, na Suíça. Segundo os autores, as mudanças climáticas têm alterado progressivamente a distribuição geográfica dos pontos críticos de congelamento ao longo do rio. Os pesquisadores afirmam que os efeitos do aquecimento global já deslocaram os pontos de maior risco em direção ao litoral.
O fenômeno ocorre principalmente no fim do inverno e início da primavera, quando o gelo formado a montante começa a se quebrar e se deslocar rio abaixo. Ao atingir regiões com temperaturas mais baixas, o gelo pode voltar a congelar, acumulando-se e bloqueando o curso do rio. Esses congestionamentos podem causar inundações na parte superior e, caso desabem repentinamente, provocar enxurradas de água e gelo a jusante.
“Integrando registros históricos com projeções climáticas, fornecemos evidências de que o aquecimento climático não apenas causa um declínio na frequência total de inundações por gelo, mas também desloca os locais de risco mais para baixo no curso do rio”, escreveram os autores.
O Rio Amarelo, o segundo maior da China e o sexto maior do mundo, é historicamente associado a eventos catastróficos. Embora seja considerado o berço da civilização chinesa, também é conhecido como “Tristeza da China”, devido à série de inundações registradas nos últimos dois séculos.
Com o fim da Pequena Era do Gelo, por volta de 1850, os padrões de gelo começaram a se modificar. Os pesquisadores descobriram que, para cada aumento de 1°C na temperatura média, os pontos críticos de congestionamento descem cerca de 86 km ao longo do curso do rio. A longo prazo, as inundações causadas por gelo devem diminuir, mas os riscos para regiões costeiras aumentam.
Yu Shiyong, professor da Escola de Geografia, Geomática e Planejamento da Universidade Normal de Jiangsu e autor principal do estudo, afirmou que cidades da província de Shandong devem enfrentar maior exposição. Segundo ele, essas localidades exigirão medidas antecipadas de adaptação.
Sobre o futuro do rio, Yu apontou que os regimes de fluxo devem se diferenciar dos padrões recentes. “As cargas de sedimentos provavelmente diminuirão ainda mais devido às barragens a montante, à conservação do solo e às mudanças nos padrões de precipitação”, afirmou.
Esse processo pode provocar o aprofundamento e o estreitamento do leito do rio, afetar os níveis de água subterrânea e reduzir a fertilidade das planícies de inundação. O delta do Rio Amarelo também pode sofrer erosão com a redução do aporte de sedimentos.
Yu também destacou que o aquecimento global tende a modificar a trajetória de tufões em direção ao norte e a aumentar o transporte de umidade atmosférica, alterando significativamente os padrões de chuva na Planície do Norte da China. Isso pode resultar em precipitações mais irregulares e em maior ocorrência de eventos extremos, como tempestades intensas.
O pesquisador observou que o Rio Amarelo caminha para “uma nova era de enchentes dominadas pela chuva”. Exemplos recentes incluem o dilúvio na província de Henan, em 2021, e as enchentes em Pequim, Tianjin e Hebei, em 2023. Para Yu, essa transição exige uma revisão estrutural das estratégias de gestão de inundações, com ênfase em operações adaptativas de barragens e soluções baseadas na natureza.
“A barragem de Xiaolangdi, construída com base nas condições do século passado, retém sedimentos em excesso e carece de flexibilidade para lidar com chuvas extremas”, afirmou. Segundo ele, a função da estrutura deve ir além do controle passivo de enchentes, passando a incluir estratégias como o rebaixamento dinâmico do nível do reservatório antes de eventos climáticos e a liberação coordenada de água com outras barragens.
Diante da limitação de métodos tradicionais como diques, Yu defende a adoção de sistemas urbanos para absorção de chuva, como as chamadas “cidades-esponja”, a reconexão de planícies de inundação ao leito do rio e o uso de alertas baseados em inteligência artificial. “Essa abordagem integrada é essencial para lidar simultaneamente com a escassez de água e as enchentes em um cenário de aquecimento climático”, concluiu.
O estudo sugere que autoridades e gestores públicos devem planejar políticas que contemplem tanto a proteção contra inundações quanto a gestão eficiente dos recursos hídricos. A adaptação das infraestruturas existentes às novas condições climáticas será central para mitigar os impactos esperados nas próximas décadas.
Com informações do SCMP