Os “malucos” do Bolsonaro
por Fábio Zuccolotto
O destino é mesmo intrigante.
Cristiane, 33, moradora de Santa Catarina, “brasileira de bem” e fiel do Whatsapp, em sua “maluquice” com o “Brasil”, “Deus” e Bolsonaro acima dela, participou da destruição da Praça dos Três Poderes, em Brasília, onde – segundo ela – teria ido somente passear. Coincidentemente, no dia de uma tentativa de golpe de Estado por parte dos adeptos da sua ideologia extremista.
Cristiane ficou presa por dez dias em Brasília em janeiro de 2023. Depois, ficou sendo monitorada por tornozeleira eletrônica em sua cidade, Balneário Camboriú, ou BC, como dizem os íntimos de um dos redutos da extrema direita brasileira.
No período, ela rejeitou um acordo de não persecução penal – oferecido a mais de 2/3 dos 898 responsabilizados até janeiro deste ano -, que poderia encerrar o processo.
Aliás, mais da metade dos “malucos” recusou o acordo. Provavelmente, porque ainda supunham que a justiça não prevaleceria no país. Ou que bastaria esperar mais 48 horas para que Bolsonaro decretasse o estado de sítio. Ou para que a marinha dos EU aparecesse na costa brasileira, como em 1964. Ou os ETs descessem em Brasília, após uma cerimônia de culto a um pneu recauchutado.
Perceba o grau de empoderamento dos “malucos” do Bolsonaro nos anos de vigência daquela sandice genocida.
Veja bem, após participar de uma tentativa de golpe de Estado, com direito a violência, atentado terrorista e depredação coletiva de patrimônio público e tombado, Cristiane era ré, mas, posteriormente, foi condenada a uma pena absurda, mas de tão leve.
Note a “severidade” da punição àquela que, junto aos seus, visava cassar o seu voto, a sua liberdade e o seu futuro, caro leitor:
Havia a determinação de que ela cumprisse UM ano de restrições, como permanecer em sua cidade, prestar 225 horas de serviços comunitários, não usar redes sociais e fazer curso presencial sobre o Estado Democrático de Direito. Ela também teria que contribuir, ao fim do processo coletivo, com uma parte da multa destinada à reconstrução dos prédios públicos danificados.
Entretanto, por mais que uma “patriota” atue em uma ruptura democrática apoiada por racistas, fascistas, neonazistas, defensores de ditadura e torturadores, ela age sempre pela “liberdade”. No caso, a própria.
Em 24 de junho de 2024, Cristiane rompeu a sua tornozeleira eletrônica e fugiu para a Argentina de Milei, para se juntar a outros bravos golpistas fugitivos. Lá, certamente com dificuldades para comprar água e comida, em um país que contava com mais de 50% da população na linha de pobreza, nossa heroína certamente não esperava que a justiça argentina ordenaria em poucos meses a prisão de 61 cidadãos brasileiros que estavam no país e eram alvos de um pedido de extradição por envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro.
Cristiane e alguns colegas da turminha do barulho fugiram novamente, numa heroica fuga-trip patriótica, pelo Peru, Colômbia e México, almejando chegar à terra prometida da liberdade e da democracia: a “América” do então recém eleito Donald Trump.
Um dia após a posse do apresentador e comandante do Titanic, Cristiane e amigas foram detidas pela Polícia de Imigração e Alfândega dos EU, em El Paso, no Texas, por imigração ilegal. Em sua viagem de extradição, promovida pelo ídolo mor de vira-latas extremistas, ela passou as oito horas algemada, com correntes na cintura, sem acesso à água ou ao banheiro.
Cristiane, agora, terá que cumprir pena em colônia penal agrícola ou industrial em Santa Catarina. Ela poderá trabalhar durante o dia e, dependendo do caso, realizar atividades externas, como cursos.
Quando, finalmente desde a sua radicalização, Cristiane produzirá algo pela sociedade, torço para que ela também opte por fazer o curso sobre o Estado Democrático de Direito. Talvez esse seja o seu inescapável destino, junto ao de tantos outros “malucos” do Bolsonaro.
Quem sabe, um dia lutem por um mundo onde, deuses à parte, todos estejam ao lado de todos.
Referências
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Fábio C. Zuccolotto é psicanalista teórico e clínico, autor do site Café com Pepino | Psicanálise, cultura e redes sociais e cientista social pela Universidade Estadual de Campinas.