Os principais réus do processo em que são acusados de “tramarem um golpe estado” prestaram depoimento junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada. E no dia seguinte, ex-ministros e ex-chefes militares e o próprio ex-presidente.
Delator sem provas
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, depois de afirmar em entrevista (áudios divulgados) que foi coagido a delatar Bolsonaro, bem como que Alexandre Moraes tem poderes absolutos para mandar prender ou soltar alguém quando desejar, e de ser pressionado diretamente pelo ministro-relator, com as ameaça de que membros de sua família poderiam ser investigados, afirmou que “vídeos foram vazados sem consentimento” e fez um desabafo sobre que estaria vendo sua “carreira militar e pessoal desabando” e afirmou que em “nenhum momento houve pressão da PF” e que teria assinado o termo de delação premiada de forma voluntária e espontânea.
De concreto, nada disse que pudesse realmente incriminar Bolsonaro e demais réus.
Perguntado sobre uma chamada “minuta”, Cid declarou que “sim, [Bolsonaro] recebeu e leu. Ele enxugou o documento. Basicamente, retirando as autoridades das prisões, mas afirmando que somente o senhor [Moraes] ficaria como preso. O resto, não”, sem explicar os motivos para tal alegação, que foi desmentida no depoimento do ex-presidente no dia seguinte.
Mauro Cid também falou da presença – em nada ilegal – dos chefes militares em reuniões em que supostamente teria sido discutida a tal minuta do golpe, o que da mesma forma foi negado pelos acusados, que disseram apenas, na maioria do caso que haviam considerado a decretação de uma operação de GLO (Garantida Lei e da Ordem) diante de uma possível e suposta situação de agravamento da crise no País, que não teria ocorrido.
De certa forma, o “delator” acabou por “isentar” de culpa o ex-presidente, quando – dentre outras coisas – afirmou que ele não teve participação nos atos de 8 de janeiro de 2023 e nem mesmo sobre as manifestações que a precederam. Segundo ele, “uma coisa que o presidente falou, quando vinha grupos mais conservadores, ele dizia ‘não fui eu quem chamou eles aqui, também não vou mandar ir embora’”.
“Minuta do Google”
Seu nada convincente depoimento facilitou ainda mais as coisas para Bolsonaro e demais réus.
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, por exemplo, afirmou não se lembrar de ter recebido ou tratado da chamada “minuta do golpe” e disse que “não é ‘minuta do golpe’. Chamo de ‘minuta do Google’”, alegando que o material chegou até sua casa por meio da rotina burocrática de seu gabinete, sem que ele tivesse ciência do conteúdo.
Moraes de vice
Fazendo campanha e em tom de ironia, o ex-presidente afirmou que “o governo Lula está caindo de maduro”, que a direita vai voltar ao governo em 2026 e ainda – dirigindo-se ao ministro-relator – declarou: “eu gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 2026”. Moraes, declinou do convite.
Bolsonaro afirmou que “o 8 de janeiro preenche os requisitos para um golpe de estado? Eu acho que não” e classificou as manifestações como “baderna”. E acrescentou “não tem nada meu ali, estimulando aquela baderna que nós repudiamos”.
Ele e seus auxiliares negaram a existência de plano real para um golpe, declarando que “tem os malucos que ficam com essa ideia de AI-5, de intervenção militar das Forças Armadas… que os chefes das Forças Armadas jamais iam embarcar nessa só porque o pessoal estava pedindo ali” e ainda que não teve “contato com essa minuta”.
Disse ter examinado apenas “possibilidades outras dentro da Constituição. Ou seja, jamais saindo das quatro linhas”.
Ainda sobre o suposto plano para assassinar Moraes, Lula e Alckmin, Bolsonaro afirmou que “se ele [o plano] tivesse proposto, seria rechaçado e teria tomado uma providência de imediato”. E aproveitou para criticar as penas impostas pelo STF aos manifestantes do 8 de janeiro: “não consigo entender certas penas para pessoas que mal sabiam o que estavam fazendo naquele momento”, declarou.
De conjunto, os depoimentos expuseram ainda mais o caráter político do processo, tal como na operação Lava Jato, levada adiante contra Lula e o PT há cerca de 10 anos.
Ficou patente também a crise dessa ofensiva que só pode prosperar de forma ditatorial e ilegal, como parte de uma operação arbitrária que visa a afastar da disputa eleitoral adversários políticos daqueles que controlam o Judiciário e quase todo o regime político. Ontem Lula, hoje Bolsonaro, mas e amanhã?