O julgamento de Bolsonaro e outros pela suposta “trama golpista” já se configura como um verdadeiro circo. O depoimento recente do próprio Jair Bolsonaro demonstra que não há nenhum fundamento nas acusações de tentativa ou de articulação para a realização de um golpe de Estado.
Apesar disso, há setores da esquerda pequeno-burguesa que propagam a ideia de que Bolsonaro teria se “afundado”. Elvino Bohn Gass defende justamente essa tese, como indica o título de sua coluna para o sítio Brasil 247, intitulada Bolsonaro cavou a própria cova.
Bohn Gass afirma que Bolsonaro “acabou produzindo provas contra si mesmo”. Segundo o articulista, isso teria se dado porque Bolsonaro “reconheceu que teve acesso à minuta do golpe, que essa foi discutida com os comandantes das Forças Armadas e que cogitou “alternativas” ao resultado das eleições — como estado de sítio e de defesa”.
No entanto, isso é uma distorção do que realmente foi dito durante o depoimento. Sobre a questão da minuta do golpe, a declaração exata do ex-presidente foi de que refutava “qualquer possibilidade de falar minuta de golpe ou do que não estivesse enquadrado na Constituição. Não tive contato com essa minuta”.
A questão das “alternativas” à derrota eleitoral colocadas por Bolsonaro foram todas, como colocado por ele mesmo, “dentro das quatro linhas”. Não se tratava, de forma alguma, de golpe de estado nem nada do tipo. A colocação exata foi “nós estudamos possibilidades outras dentro da Constituição. Ou seja, jamais saindo das quatro linhas”. Com relação à questão do estado de sítio, Bolsonaro afirmou que isso era algo que teria de passar pelo Congresso.
O articulista afirma que “neste exato momento do interrogatório, quando tentou normalizar a conspiração, Bolsonaro cavou a própria cova. Afinal, não há rigorosamente qualquer ‘alternativa’ à soberania do voto popular. Qualquer tentativa neste sentido terá nome: golpe!” No entanto, não se trata disso. Apontar a possibilidade de erros na apuração dos votos e outras coisas do tipo é perfeitamente legítimo, um direito do candidato derrotado. Golpe seria procurar fazê-lo à força com auxílio de Forças Armadas – lembrando que nada nem parecido com isso foi feito por Bolsonaro.
O articulista também procura dar uma espécie de viés criminoso às críticas feitas por Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro: “não bastasse todo o resto, Bolsonaro ainda admitiu o uso sistemático do discurso de fraude eleitoral”. Também é um direito de qualquer pessoa questionar o resultado das eleições e denunciar a possibilidade de fraude no processo eleitoral. Infelizmente, no Brasil de hoje, onde a censura e a cassação à liberdade de expressão prevalecem, não se pode mais fazer essas críticas sem ser perseguido e taxado de criminoso ou “golpista”.
No entanto, como o próprio Bolsonaro mencionou, ele não foi a primeira pessoa a fazer críticas às urnas eletrônicas: “o senhor Flávio Dino, em 2010, quando perdeu a eleição para o governo do Maranhão, disse: ‘hoje eu tive a oportunidade de ser vítima de um processo que precisa ser aprimorado, ser melhor auditado, que é o sistema das urnas eletrônicas. Houve várias fraudes, várias modalidades”, declarou Bolsonaro perante Moraes. Ele acrescentou que “a desconfiança, suspeição ou crítica às urnas não é algo privativo meu. Poderia citar vários nomes”.
O autor finaliza, profetizando: “estamos, pois, diante do previsível fim de um desastre anunciado. Depois de ter idiotizado seus seguidores e os transformado em golpistas fracassados, Bolsonaro tentou lavar as mãos chamando-os de ‘malucos’ e ‘pobres coitados’”. O que Bohn Gass não compreende, no entanto, é que Bolsonaro está, na verdade, evidenciando o fato de que o STF promoveu uma perseguição absurda contra pessoas que estavam apenas se manifestando e isso é evidência de que vivemos sob uma ditadura criminosa, o que demonstra que Bolsonaro é vítima de um processo de perseguição.
Em suma, o julgamento de Bolsonaro não passa de uma farsa montada com objetivos políticos muito claros: eliminar da vida pública uma figura que pode atrapalhar o aprofundamento do regime de arbitrariedades que vem se instalando no País. A construção da farsa de que o ex-presidente teria articulado um golpe de Estado carece de provas concretas e se sustenta, fundamentalmente, na manipulação das palavras ditas em seu depoimento e no depoimento de outros.
Como se não bastasse, críticas legítimas ao sistema eleitoral e à atuação do Judiciário estão sendo tratadas como crime, numa clara tentativa de calar toda e qualquer oposição ao verdadeiro poder do Brasil: o STF. Ao contrário do que afirma a esquerda pequeno-burguesa, Bolsonaro não cavou cova alguma: está sendo jogado nela por um Supremo que atua a serviço do imperialismo, buscando preparar o terreno para a implantação de um novo governo ainda mais submisso à política neoliberal. Trata-se, em última análise, de uma perseguição política escancarada contra aqueles que podem dificultar a implantação da política de ataques do imperialismo.