“Esconder o que passei só dá mais poder ao que aconteceu”, diz Laura Sabino sobre tentativa de feminicídio

Em março deste ano, Laura Sabino, 25 anos, uma das vozes mais influentes da esquerda jovem, sobreviveu a uma tentativa brutal de feminicídio em Belo Horizonte. Foi atacada dentro de casa, com pelo menos nove facadas, pelo próprio irmão.

O caso ficou em sigilo até agora. Só veio a público nesta quinta-feira (12), em relato à Agência Publica, quando Laura decidiu romper o silêncio e dar nome à violência que sofreu, não como um gesto de exposição pessoal, mas como uma denúncia política contra o ódio, a misoginia e o abandono do Estado.

“Essa é uma postagem que nunca imaginei fazer. No dia 14 de março, sofri uma tentativa de assassinato. Hoje estou bem, segura, trabalhando, estudando e criando. Tenho ao meu lado quem me fortalece – meu pai, minha família, meu companheiro, meus amigos dentro e fora da militância. Estou cercada de pessoas que admiro e, pela primeira vez em muito tempo, tenho conseguindo me dedicar ao que me faz bem. Nas últimas semanas, mensagens e indiretas me fizeram entender que esconder o que vivi só dá mais poder ao que aconteceu”, compartilhou Laura, em post no Instagram. 

Entenda o caso

A tentativa de feminicídio aconteceu no dia 14 de março, uma sexta-feira. Laura estudava no quarto quando ouviu um barulho vindo da sala. Foram pelo menos nove golpes dados por seu irmão com duas facas de cozinha, atingindo abdômen, braços e ombros. Ele ainda tentou incendiá-la com álcool em gel e fósforos.

Laura conseguiu escapar, mesmo ferida, e pedir ajuda. O agressor foi preso em flagrante, com a prisão convertida em preventiva, enquanto aguarda julgamento. O caso, no entanto, não foi um ato isolado de violência doméstica. Como ela mesma relata, trata-se do ápice de uma longa escalada de ameaças marcadas por misoginia e perseguição política.

A jovem de 25 anos, estudante de História na UFMG, acumula quase 1 milhão de seguidores nas redes, nas quais publica, desde 2019, conteúdos críticos à ascensão da extrema direita. Nos últimos anos, virou alvo de campanhas de ódio organizadas, com ameaças recorrentes dentro e fora do ambiente virtual.

Laura já havia registrado cinco boletins de ocorrência e, em dezembro de 2023, foi incluída no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos. Uma medida protetiva contra o irmão, com base na Lei Maria da Penha, havia sido concedida apenas cinco dias antes do ataque, mas ele só foi notificado após o crime.

Áudios e mensagens acessadas pela reportagem mostram que o irmão a ofendia com palavras misóginas, homofóbicas e ameaçadoras. Por isso, sua saúde mental foi sendo minada ao longo dos anos, alternando moradias e reduzindo sua presença online. Ainda assim, seguiu atuando em cursinhos populares e movimentos sociais.

A família tentou buscar ajuda para o agressor, que já apresentava histórico de sofrimento psíquico, mas encontrou um sistema de saúde mental colapsado: não havia vagas disponíveis, e os custos do atendimento particular tornavam o tratamento inacessível.

Nos meses que antecederam o crime, ele rompeu vínculos com o pai e mergulhou em um isolamento crescente, transitando entre a casa de uma tia e, depois, a da mãe, com quem mantinha uma relação distante desde a infância.

Em áudios obtidos pela Pública, o irmão de Laura demonstra desprezo pelo trabalho acadêmico e expressa, com ironia, expectativas financeiras em torno da herança paterna. Em um deles, cita a música sertaneja “Camaro Amarelo”, dizendo: “Vou ficar doce igual caramelo”.

A tentativa de assassinato contra Laura Sabino escancara o risco cotidiano imposto a quem ousa se posicionar politicamente no Brasil, sobretudo quando se é mulher, jovem e periférica.

De acordo com levantamento das organizações Terra de Direitos e Justiça Global, quase metade dos ataques políticos registrados entre 2022 e 2024 teve como alvo mulheres. Em muitos casos, a violência começa nas redes sociais, mas não se limita a elas — transborda para as ruas, para dentro de casa, para o corpo.

“Essa violência foi apenas um episódio de uma vida inteira de luta”, afirmou Laura. Ao lado do pai, professor da UFMG, e da família, ela tenta reconstruir a rotina. Mesmo abalada, segue firme em suas convicções e em sua militância. “Alguns dias são mais leves, outros são pesados. Quando deito na cama, tudo volta na minha cabeça. É como um luto”.

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