Na última terça-feira (10), em artigo intitulado Bolsonaro se incrimina, publicado no portal de notícias Brasil 247, o sociólogo Oliveiros Marques fez uma análise surreal sobre o depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro ao ministro do STF Alexandre de Moraes. O artigo, completamente alheio aos fatos e à Constituição Federal, é expressão da histeria de setores ditos progressistas e da “fé” ao regime de exceção imposto pelo Supremo Tribunal Federal, operado sob a liderança do censor-mor Alexandre de Moraes.
Não se trata de jornalismo, mas de propaganda de perseguição política. A tese central do autor – de que Jair Bolsonaro teria confessado uma tentativa de golpe de Estado durante seu depoimento na Ação Penal 2668 – não é sustentada por qualquer prova concreta. Marques baseia sua acusação numa suposta “análise de discurso”, transformando opiniões subjetivas, hesitações retóricas e críticas ao sistema eleitoral em provas criminais.
Essa metodologia, típica de regimes totalitários, substitui a prova pela suspeita, o fato pela alegação e o direito pela vontade. A “análise de discurso” aqui é uma farsa: toma a linguagem coloquial como código cifrado de uma conspiração inexistente.
Logo na abertura de sua coluna, Marques afirma: “Jair Bolsonaro deveria ter optado pelo silêncio”. Aqui já revela sua total ignorância — ou desprezo — pelos direitos fundamentais. Segundo o artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, é direito do réu “permanecer calado”, mas também é direito seu “o contraditório e ampla defesa”. Criticar o uso da palavra por parte do acusado é atacar a própria essência da ampla defesa. Nesse sentido, exigir silêncio como condição para não autoincriminação é inverter o funcionamento de justiça. Afinal, silêncio forçado não é justiça, mas tirania.
Em outro trecho, o autor acusa Bolsonaro de admitir reuniões com os comandantes militares e tira disso a conclusão de que o ex-presidente confessou um golpe. Aqui se vê, mais uma vez, a deturpação completa da realidade. Reunir-se com autoridades militares não é crime. Se fosse, todos os presidentes da República estariam na cadeia. A própria Constituição atribui ao presidente o comando supremo das Forças Armadas (art. 84, XIII). Mesmo que tenha havido a famigerada “minuta”, jamais executada, isso não passa de especulação — e especulação não é crime. A “análise de discurso”, nesse caso, transforma um encontro em um plano criminoso, sem qualquer base jurídica ou fato.
A seguir, Marques afirma que Bolsonaro confessou que o golpe “não prosperou por falta de apoio”. Ele usa isso como confissão de que haveria golpe “se houvesse clima”. A política é feita de conjunturas. Bolsonaro falou, com clareza, que não havia vontade, nem apoio, nem meios. Ele disse:
“Não existia essa vontade. O sentimento de todo mundo era de que não tínhamos mais nada o que fazer. Se tivesse que ser feito alguma coisa seria lá atrás, via Congresso Nacional. Não foi feito, então, tínhamos de entubar o resultado das eleições.”
A palavra “entubar”, usada em sentido popular, significa “submeter”. O autor distorce o sentido da fala e mente ao ocultar a frase completa. Transformar isso em indício de golpe é pura falsificação. É absurda a ideia de que o reconhecimento de derrota configura confissão de crime.
Ao afirmar que Bolsonaro “ao não negar nenhum conteúdo da acusação acabou reforçando a tese da Procuradoria-Geral da República”, o autor revela total desprezo pelos princípios democráticos. Se tais reuniões foram feitas e se, nessas reuniões, foi discutida a necessidade de um golpe, e daí? Discutir algo não é crime, nesse caso, é apenas mais um indicativo de que passa muitas vezes na cabeça de Bolsonaro e dos militares dar golpes de Estado.
Além disso, a negativa de uma acusação não é obrigação do réu, tampouco sua ausência representa culpa. Em um Estado de Direito, a prova da culpa cabe à acusação, e não a comprovação da inocência ao acusado.
E o mais grave: Bolsonaro não permaneceu em silêncio. Logo no início do depoimento afirmou que “a acusação não procede”. Fundamentou suas críticas ao STF, negou qualquer intento golpista ao dizer expressamente que “em hipótese alguma” isso existiu. Não admitiu que o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria colocado a Marinha à sua disposição. Rejeitou conhecer a existência da tal minuta e manifestou desejo de vê-la. Onde, portanto, estaria a tal confissão?
No trecho seguinte, o autor ironiza a fala de Bolsonaro sobre os militares não cumprirem ordens ilegais. Traz como exemplos históricos os golpes contra D. Pedro II, Vargas e Jango, como se tais rupturas justificassem um julgamento contra Bolsonaro. A inversão aqui é grotesca: não foi Bolsonaro quem derrubou governos — apesar de ter sido um presidente ilegítimo, resultado de uma fraude que deixou Lula de fora das eleições, é ele quem está sendo processado por crime de opinião num regime de exceção. Ele não deu golpe algum, tampouco fez uso de violência, como exige o tipo penal do artigo 359-M do Código Penal.
Do ponto de vista jurídico, as acusações carecem de tipicidade. O Código Penal (arts. 359-M e 359-L) exige atos concretos, uso de violência ou grave ameaça e objetivo explícito de abolir o Estado de Direito. Nenhum desses elementos aparece no depoimento de Bolsonaro. E mais: a Constituição assegura a liberdade de expressão, a crítica ao sistema político e o direito à reunião. Nenhuma dessas condutas pode ser tornada crime.
Quem ameaça a “democracia” não é quem fala ou pensa, mas quem quer proibir as pessoas de falarem seja lá o que for. O verdadeiro risco ao chamado Estado Democrático de Direito está na supressão das garantias individuais, na substituição da prova pela interpretação subjetiva e no uso do Judiciário como instrumento político.
Ao contrário do que afirma Oliveiros Marques, quem mais se incrimina neste episódio não é Bolsonaro — é o próprio STF e seus arautos. E, com eles, os que aplaudem de pé a destruição do que restava de um regime democrático.