O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, ao lado de seu advogado, Matheus Milanez. Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Transmissões de depoimentos de réus em julgamentos por golpe de Estado deveriam ter menos analistas políticos e mais psicanalistas. A presença de um Christian Dunker teria sido bem útil, nesta terça-feira (11), quando o STF ouviu Jair Bolsonaro e generais que tentaram transformar o Estado democrático de direito em geleia.

Dentre as tantas declarações dignas de nota, como, por exemplo, aquela em que Jair chama de “malucos” quem pedia intervenção das Forças Armadas sobre o resultado das eleições de 2022, ou seja, seus próprios seguidores, o uso da ideia de “clima” teve papel importante. Tanto o ex-presidente quanto o general Augusto Heleno apontaram que não havia clima para ações golpistas.

Para se defenderem da acusação de que teriam cometido uma abominação democrática, afirmam que isso não aconteceu porque não viram oportunidade para tanto.

Após o ministro Alexandre de Moraes perguntar se o almirante Garnier, então comandante da Marinha, colocou as tropas à disposição do golpe, Bolsonaro disse: “Em hipótese alguma. Não existe isso. Se nós fôssemos prosseguir em um estado de sítio e de defesa, as medidas seriam outras. Não tinha clima, não tinha oportunidade e não tinha uma base minimamente sólida para fazer qualquer coisa.”

O general Heleno, por sua vez, ao ser questionado por seu próprio advogado (ele se negou a responder a perguntas de qualquer outra pessoa), a respeito de usar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que estava sob sua jurisdição como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, para produzir relatórios com informações falsas sobre urnas eletrônicas, disse: “De maneira nenhuma. Não havia clima.”

O sincericídio foi tão grande que o próprio Moraes ironizou: “Não fui eu quem fez a pergunta, general. Eu quero registrar nos anais do Supremo Tribunal Federal que foi o seu advogado.”

O ato falho é algo fascinante. Quando uma pessoa está mentindo por muito tempo, mais cedo ou mais tarde, é traída pelo inconsciente. Até porque manter as aparências publicamente exige muita energia, e a verdade é algo que esmaga por dentro, forçando confissões.

Como me explicou Dunker, aliás, atos falhos envolvem duas condições: a emergência de uma palavra ou expressão no discurso, seguida de uma correção ou negação do ocorrido. Para a psicanálise, isso acontece porque há uma cadeia de pensamentos, inconsciente, que se encontra suprimida e emerge revelando um fragmento da verdade que queremos suprimir a nós mesmos.

A supressão que, mais cedo ou mais tarde, se rompe e aflora pode dizer muito sobre nós mesmos. Mas o que fazemos coletivamente com as verdades confessadas pelas autoridades diz muito sobre a psique de um povo. Jogar para baixo do tapete da anistia ou punir pelos crimes praticados contra um povo?

Por fim, Bolsonaro deveria banir o termo “clima”, no sentido de condições para fazer algo, de seu vocabulário, pois isso já o meteu em enrascadas.

Durante a campanha eleitoral, surgiu uma gravação em que o então presidente dizia que “pintou um clima” entre ele e refugiadas venezuelanas de 14 anos. Em entrevista a um podcast, ele havia afirmado que elas estavam se arrumando para “ganhar a vida”, sugerindo que eram exploradas sexualmente, quando, na verdade, participavam de uma atividade de uma ONG que dava curso de estética às refugiadas.

Esse episódio foi um dos muitos que fizeram com que perdesse as eleições.

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Last Update: 11/06/2025