
A matéria vergonhosa do Fantástico, curta e oficialesca, sobre o sequestro israelense da Flotilha da Liberdade, que levava ajuda humanitária a Gaza, mostra que Greta Thunberg, a mais famosa dos ativistas, caiu em desgraça na mídia.
Antes capa de jornais e revistas, ela virou persona non grata depois de voltar seus canhões contra o sistema capitalista que está causando o colapso climático e o massacre de Israel em Gaza, que ela descreve corretamente como “genocídio”.
Após capitanear uma greve climática em sua escola local quando tinha apenas 15 anos, ela virou uma celebridade ao ser abraçada pelo establishment. Em 2019, foi convidada para o Parlamento Europeu, onde recebeu uma ovação dos políticos e diplomatas presentes.
A mensagem urgente de Greta sobre a necessidade de enfrentar a crise climática iminente agradou aos poderosos, que tentaram cooptá-la. Aos 16 anos, ganhou o prêmio de Mulher do Ano da Suécia e foi nomeada numa daquela listas picaretas da Forbes como uma das 100 mais poderosas do mundo.
A Time lhe concedeu o prestigiado título de Pessoa do Ano, por, segundo a velha semanal, “soar o alarme sobre o relacionamento predatório da humanidade com o único lar que temos”, “trazer uma voz para um mundo fragmentado, transcendendo origens e fronteiras”, e por “nos mostrar o que poderia parecer quando uma nova geração lidera”. Piegas e falso.
O New York Times a saudou como “uma Cassandra moderna para a era das mudanças climáticas” e observou que seu trabalho havia “inspirado enormes manifestações de crianças” ao redor do planeta.
A queda no interesse da mídia corporativa está ligada à “revelação divina” que ela teve. Na verdade, caiu-lhe a ficha. Em 2022, Greta identificou o capitalismo como a principal causa do colapso climático e explicou a necessidade de uma revolução global abrangente.
“O que chamamos de ‘normal’ é um sistema extremo construído sobre a exploração das pessoas e do planeta. É um sistema definido pelo colonialismo, imperialismo, opressão e genocídio pelo chamado Norte Global para acumular riqueza que ainda molda nossa ordem mundial atual”, disse.
Também descartou as Conferências de Mudança Climática da ONU como uma perda de tempo, apenas uma oportunidade para “pessoas no poder usarem greenwashing, mentir e enganar.”
Ela também foi além, apoiando as lutas dos trabalhadores contra seus patrões. No ano passado, visitou a fábrica de peças automotivas GKN em Florença, na Itália, um local ocupado por trabalhadores em greve. “A necessidade de escolher entre a luta pelo trabalho e a luta pela justiça climática é abolida. O território defende a fábrica, a fábrica defende o território. A luta para chegar ao final do mês é a mesma luta contra o fim do mundo”, falou.
Manifestou-se contra a ocupação marroquina do Saara Ocidental, apoiou os agricultores indianos em greve e se posicionou contra a invasão russa da Ucrânia. Foi sua solidariedade com o povo palestino, porém, que lhe trouxe mais críticas dos ex-amigos.
Em 2021, Greta compartilhou uma postagem nas redes sociais acusando Israel de cometer crimes de guerra, acrescentando que era “devastador acompanhar os acontecimentos em Jerusalém e Gaza”. Após o ataque de 7 de outubro e o bombardeio israelense, ela pediu um cessar-fogo imediato e liberdade e justiça para a Palestina. No ano passado, foi presa enquanto protestava contra a inclusão de Israel no Festival Eurovision.
É importante que vcs vejam como o Fantástico deu a notícia do ataque israelense ao barco da Greta Thunberg e do Thiago Ávila e comparem com as imagens que estão no meu perfil de como realmente tudo aconteceu. A Globo mente o tempo inteiro.pic.twitter.com/fWJk0DSXlu
— Vinicios Betiol (@vinicios_betiol) June 9, 2025
A Forbes publicou uma matéria com o título “A postura de Greta Thunberg em relação a Gaza é um problema para o movimento climático”, alegando que compartilhar “opiniões polêmicas que só servem para alienar demográficos inteiros” não “avança uma causa ambiental” e “apenas enfraquece sua capacidade de advogar e prejudica o movimento climático como um todo.”
A revista alemã Der Spiegel, que a havia premiado como “Pessoa do Ano” em 2019, deu-lhe o tiro de misericórdia e a chamou de “antissemita.” Pronto.
Thunberg vê a luta por um mundo mais verde como inseparável da luta pela liberdade política e econômica. “Para mim, não há como distinguir as duas,” disse ela. “Nós não podemos ter justiça climática sem justiça social. A razão pela qual sou ativista climática não é porque quero proteger árvores. Sou ativista climática porque me importo com o bem-estar humano e planetário, e essas coisas estão extremamente interligadas.”
Greta foi uma das doze figuras públicas a embarcar no Madleen no porto siciliano de Catania como parte da Flotilha da Liberdade. Outros era o ator de “Game of Thrones” Liam Cunningham e a política francesa Rima Hassan. O barco foi sequestrado pelo exército israelense e ela foi mandada para a Suécia.
A ignorou a viagem do Madleen. O New York Times, por exemplo, não cobriu nada, enquanto o Washington Post dedicou um único artigo a ela. O britânico The Telegraph deu um artigo dizendo que “o narcisismo de Greta Thunberg escalou para níveis assustadores,” denunciando o “truque egoísta disfarçado de um ato ousado de caridade.”
“Nossos governos, nossas instituições, nossas empresas estão apoiando esse genocídio… É o nosso dinheiro dos impostos. É nossa mídia que continua desumanizando os palestinos,” declarou a corajosa Greta. “Em nome da comunidade internacional, o chamado mundo ocidental, eu sinto muito por termos traído vocês por não apoiá-los o suficiente”.
A maneira como a classe dominante a descartou está longe de ser um incidente isolado. A paquistanesa Malala Yousafzai, Nobel da Paz em 2014, desapareceu após se definir como socialista. Antes delas, houve Martin Luther King. Era festejado até seu fabuloso libelo anti-guerra de 1967, “Além do Vietnã,” em que denunciou os “males do racismo, materialismo extremo e militarismo”. Foi ignorado, denunciado e, finalmente, assassinado.
A mídia espera que o mesmo aconteça com Greta para que ela volte a brilhar no noticiário.