Desnacionalização ou Globalização da Economia Brasileira
por Fernando Nogueira da Costa
Quais são os graus de desnacionalização das participações acionárias em grandes corporações originárias no Brasil como Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco, JBS, Marfrig e outras grandes exportadoras dos agronegócios brasileiros?
A desnacionalização acionária das grandes corporações brasileiras é um fenômeno estrutural. Reflete a inserção periférica do Brasil na economia globalizada e financeirizada. A seguir, apresento um panorama atualizado da composição acionária dessas empresas, destacando o grau de participação estrangeira e suas implicações sistêmicas.
As participações acionárias na Petrobras são: Governo Federal: 29,02%; BNDESPar + BNDES: 8,03%; investidores institucionais brasileiros: 7,13%; demais pessoas físicas e jurídicas: 8,91%. A participação estrangeira na Petrobras atinge cerca de 45,58% das ações, incluindo na B3 e ADRs negociadas na Bolsa de Nova York. São ações preferenciais – e não ações ordinárias com direito a voto na AGE.
Na Vale, ex-estatal, o capital privado detém 91,3%. Os principais acionistas são: Litel: 21%; Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil): 8,7%; BNDESPar: 6,3%; Bradespar: 5,7%; Mitsui & Co. (Japão): 5,6%; BlackRock (EUA – maior gestora de ativos do mundo): 5,98%; Capital Group (EUA): 5%.
A Litel Participações S.A. é controlada por fundos de pensão patrocinados por estatais no Brasil. Especificamente, a Litel foi criada por fundos de pensão de empresas como o Banco do Brasil (Previ), a Caixa Econômica Federal (Funcef), a Petrobras (Petros) e a Cesp (Funcesp).
O Itaú Unibanco possui ações negociadas na B3 e ADRs nos Estados Unidos. A estrutura acionária inclui investidores institucionais brasileiros e estrangeiros, mantendo os acionistas controladores brasileiros. Possui também acionistas individuais no percentual de 52,95% do capital em livre negociação (free float).
O Bradesco mantém controle total sobre suas ações ordinárias, enquanto um ¼ das ações preferenciais está no mercado, adquiridas inclusive por investidores estrangeiros. Em ações ordinárias (ON), controladores (Nova Cidade de Deus, Fundação Bradesco, Família Aguiar) possuem 100%; em ações preferenciais (PN): controladores têm 73,93% e o mercado 26,07%.
Como já dito, a JBS é uma das maiores processadoras de proteínas do mundo, com operações globais. Embora o BNDESPar tenha sido um acionista relevante no passado, atualmente a empresa possui uma base acionária diversificada, incluindo investidores institucionais internacionais.
Na Marfrig, as participações de acionistas controladores atinge 72,07% e de outros acionistas. 26,76%; ações em tesouraria: 1%. A Marfrig mantém controle majoritário nacional, mas possui participação de investidores estrangeiros em sua base acionária.
A crescente participação estrangeira nas grandes corporações brasileiras reflete um processo de desnacionalização acionária, com diversas implicações:
• transferência de poder decisório: a presença grande de investidores estrangeiros influencia decisões estratégicas, priorizando interesses externos;
• remessas de lucros: a distribuição de dividendos a acionistas estrangeiros resulta em saída de capitais, impactando o balanço de transações correntes;
• vulnerabilidade cambial: a dependência de investimentos estrangeiros aumenta a exposição a volatilidades cambiais e crises externas;
• desindustrialização: a priorização de retornos financeiros desincentiva investimentos produtivos de longo prazo, afetando o desenvolvimento industrial.
Diante esse cenário de desnacionalização, políticas públicas nacionalistas teriam possibilidade de o reverter? Em uma economia globalizada, é possível promover a soberania econômica, equilibrando a atração de investimentos com a preservação do controle nacional sobre setores estratégicos?
Não só é duvidosa a possibilidade dessa reversibilidade na história. Também é questionável se o melhor para o bem-estar social, em função das inovações tecnológicas, é a economia não estar plenamente integrada à economia mundial.
É possível mapear a dependência estrutural do Brasil em setores industriais estratégicos, especialmente sob a ótica do capital produtivo e tecnológico estrangeiro. Apresento, em seguida, um panorama setorial com ênfase em propriedade das empresas, controle tecnológico e função desempenhada na cadeia global de valor.
1. Indústria Farmacêutica: domínio quase total de multinacionais como Novartis, Roche, Pfizer, GSK, Sanofi, Bayer, Johnson & Johnson, entre outras. Existem empresas nacionais (como EMS, Eurofarma, Aché), mas atuam sobretudo em genéricos, com pouca autonomia em I&D farmacêutico. O Brasil é importador líquido de princípios ativos (IFAs) e medicamentos de alto valor agregado.
2. Indústria Automobilística: como já mostrado, 100% das montadoras são estrangeiras. A indústria nacional de autopeças existe, mas é parcialmente subordinada e com baixa densidade tecnológica.
3. Indústria de Tecnologia da Informação e Eletrônicos: domínio quase absoluto de multinacionais, como HP, Dell, Apple, Samsung, LG, Huawei. A produção no Brasil é majoritariamente montagem (maquila) sob o regime da Lei de Informática. A ZFM (Zona Franca de Manaus) é polo de montagem, não de inovação. Não há empresas nacionais de porte global em hardware, semicondutores ou grandes plataformas digitais.
4. Indústria Química: altamente estrangeira, especialmente nos segmentos de químicos finos e petroquímicos. A Braskem é exceção como empresa de grande porte nacional (com capital da Odebrecht e Petrobras), mas está em processo de venda. Segmentos de químicos industriais, fertilizantes e defensivos são dominados por BASF, Bayer, Dow, Syngenta etc.
5. Indústria de Bebidas e Alimentos Processados: muitos dos grandes grupos são estrangeiros: Nestlé, Coca-Cola, PepsiCo, AB InBev (embora tenha origem belga-brasileira, é controlada do exterior). Existem grupos nacionais relevantes: Ambev (Brasil-Bélgica), JBS, BRF, Marfrig, porém, fortemente internacionalizados e financeirizados, ao priorizar a maximização de valor para os acionistas, com sede administrativa no exterior e parte expressiva do capital listada em bolsas estrangeiras.
6. Indústria de Máquinas e Equipamentos (Bens de Capital): é misto com presença de multinacionais fortes (Caterpillar, Siemens, Komatsu, John Deere), mas com núcleo nacional relevante, como a WEG (automação e motores), Romi, Schulz, Máquinas Agrícolas Jacto. Ainda assim, o Brasil importa máquinas complexas e linha de produção sofisticada, limitando sua autonomia industrial.
7. Petróleo e Energia: a Petrobras ainda é dominante, mas a cadeia de serviços e tecnologia de exploração offshore é dominada por empresas estrangeiras (Halliburton, Schlumberger, Technip etc.). O setor elétrico passou por forte privatização e internacionalização (Enel, Iberdrola/Neoenergia, Engie, CPFL/State Grid), inclusive a cadeia de equipamentos para geração (turbinas, painéis, baterias) é majoritariamente importada.
8. Bancos e Seguros: sobressaem quatro grandes bancos nacionais (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa) e um estrangeiro (Santander), mas tem forte presença estrangeira em seguros e fintechs: Zurich, Mapfre, AIG etc. Em meios de pagamento, dominam bandeiras estrangeiras, como Visa, Mastercard e PayPal.
O Brasil apresenta um padrão semiperiférico de industrialização dependente, caracterizado por presença dominante de capital estrangeiro nos setores de alta intensidade tecnológica. Segmentos com capital nacional estão em setores de média ou baixa complexidade ou como fornecedores regionais.
Devido ao neoliberalismo predominante na classe dominante, há fraca articulação entre política industrial, tecnológica e financeira. A falta de incentivos à Ciência e Tecnologia, além da pequena capacitação educacional de profissionais, compromete a soberania produtiva.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
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