“Os vitoriosos têm muitos amigos; o vencido, bons amigos” – Provérbio mongol

Morar em Porto Alegre é uma aventura renovada.

No reino da privatização, faltam luz e água, quando chove; transporte urbano decente, sempre.

A artéria principal, a Avenida Borges de Medeiros, não tem iluminação pública no trecho de maior trânsito de pedestres, entre a Rua dos Andradas e a própria sede da prefeitura.

No Rio, seria como não ter luz em um trecho da Avenida Rio Branco; em São Paulo, na Paulista.

Evidentemente, a imprensa local não menciona nada a respeito.

Aliás, chamar de imprensa o que se tem localmente é um elogio per se.

Pior, para sair ou chegar, mais transtornos e obstáculos.

O aeromóvel que ligava a estação de trem urbano ao aeroporto está desativado há mais de um ano, com contratempos óbvios para passageiros, tripulantes e funcionários.

Tudo isso sem nenhuma explicação ou justificativa.

Vale notar que tampouco a Agência Nacional de Transportes Terrestres se manifesta ou toma atitude a respeito.

Pior, o ônibus urbano que liga o terminal aéreo ao centro da cidade foi retirado da plataforma de desembarque de passageiros e colocado fora do aeroporto, em local ermo e com escassa iluminação.

Ainda pior, não se sabe quais linhas param ali, pois o QR code que deveria dar essa informação simplesmente não está lá.

Dulcis in fundo, a plataforma interna onde os ônibus urbanos paravam foi concedida à Uber. Sim a uma empresa, sequer a “aplicativos”, de forma genérica, mas diretamente à “Uber”.

Mas ninguém, que eu saiba, processa governador, prefeito ou ANTT por um absurdo tamanho (ou a alemã Fraport, concessionária do aeroporto, privatizado a seu tempo por aquele príncipe dos sociólogos…).

Para relaxar disso tudo e para quem ainda lê, recomendo O Método Siciliano (editora L&PM), de Andrea Camilleri.

Trata-se de um dos últimos livros do escritor siciliano, que faleceu nonagenário, em 2019.

Nele, vemos como a vida renova os que se deixam tocar por ela: Camilleri não se rende ao conservadorismo e abre a relação do Comissário Montalbano. Sensacional o resultado, sobre o qual não irei me aprofundar para não estragar a surpresa do leitor/a.

Saltando da Sicília para o interior de São Paulo, Antonio Candido, em Os Parceiros do Rio Bonito (editora Todavia), brinda-nos com reflexões muito importantes sobre o processo de colonização nacional, inclusive a imigração italiana.

Naquela obra, tese de doutorado dele, a família emerge como núcleo primeiro e primitivo da sociabilidade caipira, sendo também agente cultural restritivo.

Assim, reflete: “…podemos dizer que a mobilidade, sob as suas formas antigas e atuais, age no sentido de desintegrar a parentela e o compradesco, e no sentido de fechar sobre si mesma a família nuclear”.

Complementa: “Com efeito, para resistir à desagregação e subsequente anomia, as famílias devem manter-se o mais possível fechadas sobre si mesmas, pois no povoamento disperso elas constituem o único ponto de apoio da personalidade”.

Vale notar que ao povoamento disperso se soma a cultura da dispersão, à qual estamos todos submetidos atualmente.

A começar pelo fato de que o próprio exercício da leitura está comprometido pela dificuldade em encontrar espaços de silêncio.

De fato, o século XXI parece ser aquele em que os bens mais escassos são a água e o silêncio.

Em locais públicos, por exemplo, a única forma de se obter algum silêncio é com um fone de ouvido, que produza sons que nos sejam agradáveis e que nos isolem, permitindo alguma leitura e reflexão.

Mais grave, as pessoas sequer percebem a invasão do espaço alheio, ao falarem alto em seus celulares onipresentes, nos quais também ouvem música e cultos e assistem a séries televisivas, impondo ostensivamente preferências e gostos aos demais.

O que isso representa em termos de estresse, não é difícil de avaliar, embora as implicações possam ser muitas.

O aumento da ansiedade, em primeiro lugar, pois passamos a estar diuturnamente de prontidão para reagir às invasões sonoras, o que, obviamente, gera sobrecarga psíquica não desprezível.

Estar sempre alerta deve assoberbar inclusive nosso sistema imunitário, refém de tantas zoonoses agressivas, resultantes do desmatamento e das mudanças climáticas, além da exposição visual a guerras e genocídios, como o perpetrado permanentemente pelo Estado de Israel contra Gaza.

Inacreditável é saber que o mesmo povo judeu, que foi vítima do Holocausto, perpetra holocausto semelhante contra outro povo, seu irmão, e do qual roubou e se apropria diariamente de seus territórios.

Com a judia convertida ao cristianismo, Simone Weil, resta-nos lembrar a referência que fez na obra Espera de Deus (editora Vozes): “Uma inscrição antiga de 4.000 anos coloca na boca de Deus essas palavras: ‘Eu criei os quatro ventos para que todo homem pudesse respirar como seu irmão; as grandes águas para que o pobre pudesse usá-las, como faz o seu senhor; criei todo homem semelhante ao seu irmão. E proibi que eles cometessem a iniquidade, mas seus corações desfizeram o que minha palavra havia prescrito”.

Até quando seguirá a humanidade assim?

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Last Update: 09/06/2025