O advogado criminalistas Celso Vilardi e Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal. Foto: Gustavo Moreno/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início nesta segunda-feira (9) à fase de interrogatórios dos oito réus acusados de tramar um golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder após a derrota na eleição de 2022. Pela primeira vez, o ex-presidente Bolsonaro senta no banco dos réus do STF, frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes – relator do caso e alvo frequente de ataques de Bolsonaro –, para responder sobre seu papel de liderança da trama golpista.

Além de Jair Bolsonaro, acusado pela Procuradoria-Geral da República de liderar a tentativa de golpe, outras sete figuras do alto escalão do antigo governo e das Forças Armadas respondem a processo no Supremo Tribunal Federal, Walter Braga Netto, Mauro Cid, Augusto Heleno, Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e Alexandre Ramagem.

Os interrogatórios ocorrem na sala da Primeira Turma do STF, transformada em espécie de plenário de júri, com transmissão ao vivo pela TV Justiça e forte esquema de segurança. Estão presentes Bolsonaro e seus ex-auxiliares mais próximos, formando o “núcleo duro” da alegada trama; todos lado a lado, exceto o ex-ministro Walter Braga Netto, que participa por videoconferência devido à sua prisão preventiva. Jair Bolsonaro e seu então ajudante de ordens Mauro Cid em 2020. No STF, ambos voltam a se encontrar após Cid firmar acordo de delação premiada sobre a trama golpista.

Quem são os réus e do que são acusados

Jair Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres, Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos e Paulo Sérgio Nogueira. Fotomontagem do G1

Além de Jair Bolsonaro, estão no banco dos réus integrantes do primeiro escalão do antigo governo e oficiais de alta patente das Forças Armadas. Walter Braga Netto, general da reserva e ex-ministro, está preso preventivamente no Rio de Janeiro. Ele é acusado de ter sido o principal articulador militar da conspiração golpista, mantendo contatos com comandos das Forças Armadas e incentivando protestos contrários ao resultado das eleições.

Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tornou-se delator após firmar um acordo de colaboração premiada. Em seus depoimentos, confessou participação no plano golpista e implicou diretamente o ex-presidente e outros aliados. Está em liberdade provisória.

Augusto Heleno, general da reserva e ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, é acusado de integrar o núcleo político-militar da trama e de não conter movimentações antidemocráticas. Compareceu presencialmente aos interrogatórios e negou envolvimento, embora outros depoimentos o contradigam.

Anderson Torres, delegado da Polícia Federal e ex-ministro da Justiça, responde por omissão e por guardar a chamada “minuta do golpe” em sua casa. Chegou a ser preso após os ataques de 8 de janeiro, mas atualmente está em liberdade com monitoramento eletrônico.

Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa, foi responsável por criar uma comissão militar para questionar as urnas eletrônicas em 2022. Ele é acusado de participar das articulações golpistas e de assinar uma nota que legitimava protestos em frente a quartéis.

Almir Garnier, almirante da reserva e ex-comandante da Marinha, é apontado como o único entre os três chefes militares a demonstrar disposição para apoiar um golpe. Testemunhos indicam que ele chegou a oferecer tropas para impedir a posse de Lula, embora essa versão seja contestada.

Alexandre Ramagem, delegado da PF e deputado federal pelo PL do Rio, é acusado de participar das reuniões pós-eleição para tentar invalidar o resultado das urnas. Parte da ação penal contra ele foi suspensa pela Câmara, mas ele ainda responde por três crimes no STF.

Conforme a denúncia aceita pelo STF, sete dos oito réus (todos exceto Ramagem) respondem a cinco tipos de crime: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.

Essas duas últimas acusações referem-se diretamente aos estragos causados durante a invasão de 8 de janeiro de 2023, conectando a suposta trama golpista aos atos de violência daquela data. Já Alexandre Ramagem, em razão da imunidade parlamentar parcial, responde apenas por três crimes (golpe de Estado, abolição violenta do Estado de Direito e organização criminosa) – exatamente os que teriam sido cometidos antes de iniciar sua atividade legislativa. Todos os réus negam categoricamente as acusações. Se forem considerados culpados de todos os delitos, as penas somadas podem chegar a 40 anos de prisão.

Reações de Bolsonaro e aliados aos interrogatórios

Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes. Foto: Reprodução

Publicamente, Jair Bolsonaro tem adotado um tom desafiador e, ao mesmo tempo, calculado diante das acusações. Ele nega veementemente ter orquestrado ou incentivado um golpe e alega ser vítima de perseguição política por parte do Judiciário. Nos últimos dias que antecederam seu depoimento no STF, o ex-presidente afirmou à imprensa que estava disposto a responder às perguntas “sem problema” e que via na transmissão ao vivo dos interrogatórios uma oportunidade de “esclarecer o que aconteceu”.

“Eu acho excelente a ideia de, ao vivo, falarmos sobre golpe de Estado. Estou muito feliz de termos a oportunidade de esclarecer tudo”, declarou Bolsonaro na última quinta-feira, 5. Já na sexta-feira, em um evento do PL com mulheres, ele adotou tom mais ameno e disse que compareceria “com a verdade do nosso lado”, sem intenção de confrontar ou “lacrar”.

Bolsonaro orientou seus advogados a prepararem uma estratégia técnica e passou o fim de semana reunido com eles na residência oficial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. O ex-presidente chegou a convocar seus apoiadores a acompanharem a sessão pela TV, mas ressaltou que não buscaria nenhum confronto com Moraes ou outros ministros da Corte.

Seus aliados políticos reagiram em duas frentes: no discurso público, atacam a legitimidade do processo; no Parlamento, articularam um projeto de anistia para isentar de punição os investigados por atos ligados às eleições de 2022 e aos protestos subsequentes. Deputados e senadores bolsonaristas se reuniram com Bolsonaro em Brasília e definiram como prioridade a aprovação de uma lei de anistia ampla. A ideia conta com o apoio da cúpula do PL e de partidos de oposição de direita.

“A direita no Brasil sofre perseguição política e a denúncia contra o ex-presidente no inquérito do suposto golpe foi baseada em presunções e delações”, discursou o deputado Sanderson (PL-RS). O líder da oposição na Câmara, deputado Zucco (PL-RS), afirmou que os autos conteriam “acusações rasteiras, desprovidas de evidências concretas”.

Parlamentares como Altineu Cortês (PL-RJ), vice-presidente da Câmara, declararam que “Bolsonaro vai se defender e continua sendo nossa primeira, segunda e terceira opção para 2026”. A oposição aposta na reversão da inelegibilidade via projeto de anistia, como caminho para permitir a candidatura. Bolsonaro, em reuniões internas, já indicou que essa deve ser a prioridade da direita.

Enquanto isso, alas mais radicalizadas do bolsonarismo nas redes atacam Mauro Cid, chamado de “traidor”. Influenciadores dizem que ele teria sido coagido, o que foi negado por Cid e pelo STF. Bolsonaro evita atacar diretamente seu ex-ajudante, mas já insinuou que ele pode ter “cedido a pressões”. A defesa do ex-presidente tenta reverter o impacto da delação com novos pedidos para que Cid seja ouvido novamente.

Desdobramentos e expectativas

Núcleo 2 é apontado pela PGR como o responsável por gerenciar ações do plano golpista. Foto: Antônio Augusto/STF

Com os interrogatórios desta semana, o processo entra em sua fase decisiva. Encerradas as oitivas, o próximo passo será a apresentação das alegações finais por parte da PGR e das defesas. A expectativa é de que o julgamento ocorra ainda em 2025.

Por tramitar na Primeira Turma do STF (formada por cinco ministros), há possibilidade de recursos, mas em geral as ações penais originárias são concluídas ali. Uma eventual condenação pode ultrapassar 40 anos de reclusão, com prisão efetiva. Crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito não são passíveis de indulto ou anistia presidencial.

No plano político, uma condenação reforçaria a inelegibilidade de Bolsonaro, hoje já impedido de concorrer até 2030 por decisão do TSE. A extrema-direita discute alternativas, mas ainda aposta na reversão das punições. Uma eventual anistia, embora vista como improvável pelo perfil atual do Congresso, é a principal aposta da base bolsonarista.

Até agora, não houve protestos significativos nas ruas, nem mobilizações em Brasília. O governo Lula mantém distância e reforça que “ninguém está acima da lei”. A reação popular em caso de condenação dura ainda é incerta.

Este é um caso sem precedentes no Brasil. Nunca um ex-presidente havia sido julgado por tentativa de golpe de Estado. O resultado do julgamento poderá ter efeitos duradouros sobre a democracia brasileira. Seja qual for o desfecho, o episódio entra para a História como um divisor de águas.

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Last Update: 09/06/2025