A condenação do humorista Leo Lins a oito anos e três meses de prisão por propagar discursos discriminatórios dividiu opiniões e foi um dos principais assuntos da semana, tendo em vista que, enquanto a decisão da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo entendeu que as apresentações de Lins “incentivam a propagação de violência verbal”, humoristas entenderam a sentença como uma afronta à liberdade de expressão e à arte.

Para debater as visões, o programa TVGGN Justiça da última sexta-feira (6) contou com a participação do doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard (2013), Adilson José Moreira, e do  advogado especialista em direito digital e processo civil, Lucas Mourão. 

Para Mourão, o cenário é muito complexo, tendo em vista a necessidade de uma análise com base na Constituição Federal, na proteção à liberdade de expressão e à liberdade artística. 

Ao longo da entrevista, o advogado observa que Léo Lins estressa o limite da liberdade artística. “Eu assisti o show hoje, para me preparar para essa conversa, e ele leva o tempo inteiro as piadas dele, no limite ali, deixa o público sempre entre o espanto e a ojeriza e a graça. O próprio público, que eu digo, que está ali assistindo o show dele, quando tem a tomada ali do público, tem essas reações.”

Ainda assim, o discurso dele estaria protegido pela liberdade de expressão, mas que se poderia discutir uma sanção de natureza civil em vez de penal. “Embora seja prevista em lei, essa punição, ela é exagerada e um tanto quanto desproporcional.” 

Dignidade humana

Já o doutor em Direito Constitucional discorda. Adilson Moreira explica que o sistema constitucional está estruturado em torno do princípio fundamental da dignidade humana, concretizada a partir de outros direitos constitucionais, como o direito à liberdade, à igualdade, à própria imagem e à liberdade de expressão. “Outro elemento central do nosso texto constitucional é o da não discriminação e também o da cidadania, o que inclui a cidadania racial”, observa Moreira.

Para ele, o que Léo Lins e vários outros humoristas fazem é propagar um discurso de ódio, na forma do que ele chama de racismo recreativo, que opera de maneira estratégica a partir do humor para demonstrar animosidade em relação a determinados grupos

“O que nós vemos nos vários trechos e nos vários shows desse e de outros humoristas brancos são afrontas diretas à população negra. É uma perpetuação de estereótipos raciais, de animosidade, de racismo da sua dimensão simbólica, da sua dimensão cultural”, aponta Adilson Moreira.

O também pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley resgata uma piada de Lins, em que o humorista relata querer uma esposa de 12 anos para apontar que tal humor é uma tentativa de naturalizar a objetificação de crianças, ou seja, a pedofilia.

“Estamos diante de alguém que pratica humor e que tem o que existe, e isso é algo protegido pelo direito à liberdade de expressão, mas todos os direitos funcionais, inclusive o direito à liberdade de expressão, encontram limites, e esse limite é a dignidade humana, é a dignidade do povo negro, que é algo absolutamente inegociável”, completa. 

Além do “humor”

As consequências de piadas como as de Léo Lins vão muito além do que ele chama de humor. Moreira aponta que vivemos em uma “sociedade marcada por um regime de segregação racial, marcada por um regime histórico de escravização, na qual a constante reprodução de estereótipos raciais dificulta a empatia, promove, naturaliza a discriminação.” 

“E outra questão, para concluir a pergunta, é o seguinte: o elemento cognitivo que faz pessoas brancas rirem de piadas racistas não fica contido, restrito àquele elemento. Ele operará o tempo inteiro, ele também determinará, por exemplo, a percepção dessas pessoas sobre periculosidade, sobre competência. Então, isso é um tipo de discurso de ódio, e nós temos lá no artigo 20 da lei 7.716, que claramente proíbe a incitação à discriminação”, complementa.

Acompanhe o debate na íntegra na TVGGN: 

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Last Update: 08/06/2025