A jornalista, pesquisadora e musicista Julia Ourique lançou o livro Feminismo na Indústria da Música (Editora Multifoco) após perceber, em meados da década passada, como as mulheres eram tratadas nesse meio.

Uma das artistas que olhou de perto é Larissa Conforto, então baterista e backing vocal do trio de rock independente Ventre — e única mulher do grupo. No palco, fazia manifestações feministas que, segundo Julia, lembravam o discurso dos anos 1990 da Riot Grrrl, movimento punk feminista criado nos Estados Unidos.

“Não era esperado que a baterista fizesse um discurso no meio do show”, afirma Ourique a CartaCapital.

Feminismo na Indústria da Música, fruto de sua dissertação de mestrado em Comunicação pela UERJ, divide-se em três capítulos: o primeiro é sobre a historiografia do feminismo no Brasil e especificamente nas artes; o segundo examina as transformações na indústria fonográfica e a mulher nesse contexto; e o terceiro é um estudo de caso de um selo musical feminista (PWR Records).

O objeto de seu estudo envolve a chamada quarta onda feminista, que no Brasil ascendeu dos levantes de 2013. Enquanto os movimentos anteriores saíram de grupos intelectuais e das universidades, diz Ourique, na quarta onda as pautas surgiram da internet.

A manifestação Ele Não, contra a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018, foi um dos exemplos mais representativos dessa etapa no Brasil.

“A quarta onda representa a possibilidade de ter as ferramentas para que a artista crie a sua própria carreira e disponibilize suas composições, sem precisar que outra pessoa perceba seu talento”, afirma. “A partir dessas transformações da indústria, foi possível gravar suas próprias músicas dentro de casa, no seu computador.”

Não só mulheres se inseriram na indústria da música com o avanço da tecnologia e da internet, mas também pessoas LGBTQIAPN+ e periféricas, destaca Julia Ourique.

Ela lembra que a primeira onda feminista no Brasil ocorreu no século XIX, quando se pleiteava a educação das mulheres; na segunda, por volta de 1930, a luta era pela ampliação da educação e o direito ao voto; a terceira aconteceu em 1970 e incluía enfrentar a ditadura, além de cobrar o direito ao corpo, à sexualidade feminina, ao prazer e ao planejamento familiar.

Em seus estudos, a autora identificou a necessidade de fomentar a participação de mulheres na indústria da música, com a participação do Estado por meio de políticas afirmativas.

Outra descoberta de suas pesquisas é que mulheres chegando aos 40 anos “desistem da profissão” por falta de apoio, devido aos baixos salários, ao machismo, à falta de creche noturna e à rotina familiar.

Julia Ourique diz que na edição de 2023 do festival Rock The Mountain, em Petrópolis (RJ), ao qual apenas cantoras foram convidadas, ocorreu um fato curioso, a revelar a distorção que apresenta no livro.

Segundo a pesquisadora, embora tenha sido o primeiro festival brasileiro com line-up de cantoras, 90% dos instrumentistas que estavam no palco eram homens. “A mulher só funciona nesse lugar de cantora para atrair olhares, para que as pessoas comprem ingressos.”

Ainda assim, de acordo com dados compilados pela União Brasileira de Compositores e abordados por Julia Ourique em seu livro, houve um aumento de mulheres produtoras, compositoras e instrumentistas.

Assista à entrevista:

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Last Update: 08/06/2025