Na última sexta-feira, dia 6 de junho, o portal Brasil 247 publicou uma coluna assinada por Ricardo Nêggo Tom, de título “Léo Lins e o pacto da branquitude como piada”. O artigo tem por foco o apoio à campanha repressiva pelo incremento da censura no Brasil, travestindo-a com adjetivos que lhe garantiriam estar ao lado do “bem”, enquanto o articulista não tem a coragem de defender abertamente o encarceramento que apoia:
“Sórdido, sádico, perverso, monstruoso e desumano. Essa seria a minha avaliação se eu fosse crítico de humor e estivesse num show onde o humorista fizesse uma piada com a morte de uma parlamentar que foi fuzilada covardemente […] Que vá para o inferno Léo Lins e todos aqueles que acharam graça nesta excrescência artística…”
Aqui é preciso ter claro, não é do inferno que estamos falando, mas da cadeia, apesar de esta ser o mais próximo de um inferno na existência. Tom simplesmente não consegue defender de maneira clara sua posição, pois deixaria escancarado tratar-se de algo absolutamente reacionário, uma política fascista. Assim, inicia elaborando “se fosse crítico de humor”, tergiversando. Aqui, não é crítica de humor que se está fazendo, mas a defesa da censura e da prisão de pessoas por se expressarem e, no caso, de um humorista por fazer uma piada. Tom segue tangenciando o tema:
“Claramente, Léo Lins, além de estar manifestando o seu posicionamento político nessa “piada”, também está expressando o seu sadismo com o desfecho da história que ceifou a vida de uma mulher preta, de origem periférica e de esquerda. A antítese do que a branquitude da zona sul carioca, de onde o humorista é oriundo, considera como gente merecedora de dignidade e respeito.”
Para justificar sua posição, o colunista primeiro precisa desqualificar o humor das piadas em si, e agora visa desqualificar a posição política do humorista. Ele o faz porque prender um comediante por fazer uma piada não é algo razoável, logo, Tom se utiliza de outros artifícios para transformar o comediante em outra coisa: uma pessoa condenável, individualmente, pessoalmente. É lógico, a lei jamais poderia ser aplicada segundo essa fórmula, mas cá estamos.
Acontece que não é proibido ser sádico, e ninguém precisa considerar ninguém como “merecedor de dignidade e respeito”. São coisas irrelevantes, citadas para buscar “cancelar” o humorista, e desviar do assunto que é: “fazer uma piada pode ser crime?” Transformando a discussão em: “Leo Lins merece ser preso?” O que é também flagrantemente algo reacionário, tendo em vista que o único motivo para prender uma pessoa só pode ser o cometimento de um crime. Dissimuladamente, Tom vai se aprofundando na defesa da censura, com uma posição cada vez mais reacionária:
“… o pacto dessa branquitude se faz presente quando vemos diversos humoristas, todos brancos, se manifestando pelo direito de exercerem seus preconceitos de forma recreativa e “artística”. O que poderia ser chamado de o reverso da função da arte como crítica social, uma vez que ao invés de questionar e provocar reflexões sobre temas culturais e sociais, como racismo e capacitismo, acaba por ratificá-los a pretexto de fazer rir.”
Fazer piada e, diga-se, em espaços de apresentação privados, onde só se entra mediante pagamento de ingresso, vira “pacto da branquitude” e “exercer preconceitos”, um falseamento para a criminalização do humor. Mais que isso, o colunista pretende definir uma regra para a arte em geral, punindo os desviantes. Prossegue Ricardo, evadindo a questão central:
“Não podemos naturalizar o cometimento de crimes sob a égide da licença poética. Até porque não existe licença poética que quebre as regras da lei e do respeito à existência do outro.”
Ora, mas ninguém defende o cometimento de crimes em geral, a questão é a oposição ao estabelecimento do crime de opinião, como está assegurado pela Constituição Federal o direito à liberdade de expressão. Onde fazer uma piada “desrespeitaria a existência do outro”? É uma colocação vaga para transformar contar uma piada em outra coisa, deixada não dita, por inferência, e que nada tem a ver com a situação concreta. Comenta Tom sobre uma piada de Leo Lins com a escravidão:
“… torna recreativo o sofrimento e a dor de milhões de seres humanos que foram submetidos à escravização, e não pode haver graça nessas condições. A não ser para uma plateia composta por gente sórdida, perversa e desumana como Léo Lins. […] No caso de Léo Lins, a sua verdade transborda através piadas racistas, homofóbicas, pedófilas e de apologia ao crime, como a que foi feita sobre a morte de Marielle. Quem defende isso como liberdade de expressão perdeu a piada.”
Contudo, qual o problema de fato? Poderia-se debater se seriam piadas de bom ou mau gosto, mas é impossível não colocar, face à citação: e daí? Tom acha que aqueles que expressem posições diferentes das suas teriam que ser presos, é isso o que está colocado, mas cujo autor não fala abertamente, pois tornaria evidente o ridículo de sua posição. Tom chega a se contradizer:
“… faz-se necessárias [sic] muitas reflexões sobre os seus textos, sobretudo, no que tange ao seu prazer em seguir oprimindo através do que ele considera humor, grupos de pessoas historicamente oprimidas, excluídas e invalidadas em suas existências. É importante frisar também que o fato de algumas pessoas pertencentes a estes grupos minoritários comparecerem aos seus shows, ou estarem defendendo o seu direito de incitar a ridicularização de seus iguais, não serve de salvo conduto para que o infeliz humorista deixe de ser responsabilizado por seus atos [traduzimos: por suas piadas].”
Ora, mas se as apresentações devem ser proibidas, como seria possível estabelecer reflexões a partir dos textos, que não poderiam ser escritos ou apresentados? Tom quer censurar o humorista por seu texto, mas propor um debate a respeito do que foi censurado? Qual a diferença, então? O que permite o debate em torno de uma ideia é que ela não seja censurada, por óbvio. É um pré-requisito. A censura pressupõe a proibição do debate, é isso o que está colocado.
Indo além, a própria função do humorista se confunde com a de ator, logo, todo texto e apresentação do tipo deveria ser censurada, caso levemos adiante a política do censurador. Qual seria o limite? A proposta de Ricardo Nêggo Tom ameaça a cultura como um todo, pois é isso o que faz a política de censura, ela sempre aumenta, e novamente Tom dissimula sua posição:
“… alguém precisa fazer o humorista […] parar de brincar ou ridicularizar tal sofrimento. E a Justiça se encarregou de fazê-lo. Se a condenação à prisão e a pena imposta foram exageradas e devem ser submetidos a uma revisão, é um debate que até pode ser colocado em pauta.”
Veja que Tom pressupõe a prisão por piada como correta e coloca como se essa discussão fosse secundária “até pode ser colocada em pauta”. Uma farsa. É isso o que está colocado em pauta agora, e no próprio artigo de Ricardo Nêggo Tom. Ele está defendendo a prisão e a pena imposta, é isso o que aparece em todo o seu artigo, dedicado a criminalizar um humorista por contar piadas. Ele está defendendo a ampliação do sistema repressivo, e propagandeando-o como uma ferramenta de libertação das minorias, uma posição absurda. Não à toa, permanece se evadindo, dissimulando, e diz que não é esse o debate em pauta. E diz isso enquanto, na sequência, destaca:
“Parte do que Léo Lins produz e chama de arte é bullying, algo que adoece e até mata muitos adolescentes e jovens nos dias atuais. […] Piadas desse gênero ajudam a perpetuar estereótipos, normalizar violências e a legitimar o escárnio com aquilo que provoca dor e constrangimento a outras pessoas.”
“Qual a dificuldade em compreender que o mundo está mudando, e o que era motivo de piada ontem, pode ser um crime hoje?”
Nêggo Tom quase implora ao leitor que concorde com sua posição. Recorre ao estereótipo reacionário de invocar a proteção às criancinhas, mas não consegue disfarçar que defende uma política repressiva, carcereira. O que há não é uma mudança, uma evolução no mundo, só uma política repressiva de censura, que deve ser combatida.
“Prender Léo Lins soa meio absurdo, devo confessar, enquanto pensarmos que foi só por causa de uma piada. No entanto, não foi apenas por isso. Vaidoso e convicto de que é um grande pensador, ele ainda tenta emplacar mais uma frase no seu vídeo de defesa: “se rir virou crime, o silêncio virou regra”, […] eu advirto que rir de tudo e de todos pode ser fascismo.”
Acreditamos que a frase de Leo Lins define bem a situação. E a resposta e conclusão de Nêggo Tom, essa, sim, pode ser definida como uma boa piada, afinal, uma característica elementar do fascismo é a censura generalizada.