Em artigo publicado no sítio Brasil 247 e intitulado Quaest: Lula segue firme no jogo, com muita chance de conquistar seu quarto mandato, o jornalista Miguel do Rosário apresenta uma visão excessivamente otimista sobre as chances do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições gerais de 2026, afirmando que Lula “empata ou vence” em todos os cenários pesquisados pela Quaest. Aparte da ressalva sempre necessária de que tais pesquisas são acima de tudo uma propaganda eleitoral, essa análise ignora um fato central: as intenções de voto no presidente estão em declínio.
Dados da própria pesquisa destacada por Rosário mostram que Lula, embora ainda competitivo, já não lidera com a mesma folga de outrora. Se antes vencia com clareza, hoje oscila entre vitórias apertadas e empates, sinalizando um momento de descenso político. Essa queda reflete uma crise severa enfrentada pelo governo, que pode custar ao PT o Palácio do Planalto em 2027 e abrir espaço para uma vitória da direita contra Lula, algo inédito desde a sua primeira eleição em 2002.
A possibilidade de Lula perder uma eleição presidencial pela primeira vez desde 2002 é um cenário grave, com implicações profundas para a esquerda brasileira. Uma derrota não apenas enfraqueceria o PT, mas causaria uma depressão em todo o movimento popular, permitindo, por outro lado, o fortalecimento da direita, que ganharia capital político para fazer a devastação ocorrida na era Temer parecer uma brincadeira. Eis, no entanto, o que diz o jornalista:
“Se consideramos também que os indicadores econômicos permanecem sólidos, com previsão de crescimento do PIB para este ano e o próximo, desemprego em queda, contas públicas em ordem e inflação sob controle, tudo indica que o presidente deve iniciar sua campanha pela reeleição em situação bastante competitiva.”
Rosário argumenta que os indicadores econômicos, como crescimento do PIB, queda no desemprego, contas públicas equilibradas e inflação controlada, colocam Lula em posição competitiva para a reeleição. Trata-se de uma leitura totalmente desconectada da realidade vivida pela população.
O suposto desemprego em queda é mascarado por uma distorção estatística: o aumento de “bicos”, classificados como empregos, não representa trabalho digno ou estável. A carestia, impulsionada pela alta contínua nos preços de alimentos e aluguéis, pressiona severamente o orçamento dos trabalhadores. A inflação pode até parecer controlada em índices gerais, mas os itens essenciais das famílias operárias seguem galopando em grande descompasso com os salários, ampliando o custo de vida para a maioria.
Essa realidade econômica explica a desconfiança popular em relação a medidas do governo, comprovadas na crise do Pix, que geram reações negativas amplificadas nas redes sociais. Vídeos de críticas direitistas, como os que questionam as intenções do governo em relação à fiscalização da forma de pagamento popular, alcançam milhões de visualizações, refletindo o descontentamento generalizado.
Da mesma forma, crises como as do INSS e do IOF, que em outros momentos poderiam passar despercebidas, tornaram-se focos de instabilidade política, agravando a percepção de fracasso do governo. Rosário, ao se apegar a indicadores macroeconômicos, ignora essas duchas de água fria que a realidade vem dando, comportando-se como alguém que se agarra a qualquer dado positivo para negar a gravidade da situação.
Comparado aos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, o cenário econômico atual pode não ser o pior, mas está longe de ser favorável à população e de corresponder às expectativas com o governo Lula. Um ponto sensível é que, sob Bolsonaro, o Bolsa Família teve aumentos significativos, um fato que, embora incômodo, certamente será lembrado aos eleitores em 2026. Esse elemento, ausente na análise de Rosário, pode pesar contra Lula na campanha eleitoral, especialmente em um momento de insatisfação com a economia.
Outro ponto abordado pelo jornalista é a possibilidade de a oposição, liderada por Jair Bolsonaro, adotar uma propaganda voltada a um “vitimismo” em 2026, capitalizando as investigações e a cassação de seus direitos políticos. O jornalista minimiza o impacto dessa estratégia, sugerindo que ela será prejudicial à direita, especialmente com o desgaste internacional de Donald Trump. Eis suas considerações:
“O avanço das investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, deve criar uma série de dificuldades para a oposição ao longo dos próximos meses. Em parte, a emoção gerada pelo processo nem é de todo ruim para os aliados de Bolsonaro, pelo engajamento que produz. Para uma oposição sem projeto nacional, o vitimismo pode ser uma oportunidade para construir uma campanha baseada exclusivamente nisso.”
Ora, se os bolsonaristas não usarem os ataques do STF (que parcelas importantes da esquerda apoiam) a seus quadros, eles são idiotas. A campanha de censura e perseguição foi tão intensa que praticamente deu de bandeja para eles usarem isso e se apresentarem como perseguidos de um sistema autoritário e criminoso. A campanha de censura e perseguição contra Bolsonaro oferece à oposição uma oportunidade única para isso.
Mais, em um País onde a carestia dispara, o salário não acompanha a inflação, o número de pessoas sem-teto explode e o desemprego real castiga mais de dois terços da classe trabalhadora, ser vítima do sistema é quase um atestado de idoneidade política e de compromisso com os interesses populares. Bolsonaro, ao se apresentar como perseguido por um regime que empobrece o povo, pode mobilizar eleitores descontentes, especialmente se souber explorar as dificuldades econômicas e a insatisfação com o governo.
Longe de ser um idiota, o ex-presidente já demonstrou habilidade em capitalizar crises, e sua campanha tem tudo para usar esse discurso com eficácia. Enquanto isso, o governo Lula não apresenta resultados concretos para contrapor as bolas levantadas para o bolsonarismo cabecear sem goleiro.
Longe disso, Lula tem o que esconder, principalmente figuras detestadas pela ampla maioria da população, como o ministro da Fazenda Fernando Haddad. A pouco mais de um ano do início do período eleitoral, o governo não tem uma política para reverter esse quadro. Tem, isso sim, fotos de mãos dadas com um dos piores criminosos do planeta: o altamente impopular presidente francês Emmanuel Macron, com quem protagonizou um espetáculo de sabujice deplorável em sua última visita à França.
A análise de Miguel do Rosário, ao pintar um cenário de estabilidade e competitividade para Lula, desconsidera a crise profunda que o governo enfrenta. Lula, na realidade, está mais distante de um quarto mandato do que o verdadeiro delírio de Rosário sugere. A menos que o governo consiga reverter o desgaste e apresentar resultados concretos, o risco de uma derrota histórica em 2026 é real, com consequências devastadoras para o PT e para a esquerda brasileira.