Mediação religiosa e outros condicionantes da aprovação do governo nas classes populares.

Por Mayra Goulart, Paulo Gracino Junior e Raul Paiva.

A nova pesquisa Quaest revela que o governo Lula 3 atua em um contexto caracterizado por indicadores econômicos positivos, demandas sociais multifacetadas e um cenário político altamente fragmentado. A análise criteriosa dos dados demonstra não apenas um eleitorado em processo de realinhamento, mas também uma gestão que, mesmo diante de obstáculos estruturais, consegue recuperar bases de apoio e estabelecer estratégias de aproximação com diferentes segmentos da sociedade.

Governo Lula 3: avanços econômicos, desafios políticos e um eleitorado em transformação

A última pesquisa Quaest, divulgada em 4 de junho, oferece um panorama complexo e dinâmico do cenário político atual. O levantamento confirma que o governo Lula 3 mantém uma base estável entre seus próprios eleitores no campo da esquerda e entre os mais pobres, ainda que tenha perdido apoio em ambos segmentos, sobretudo desde o início de 2025. Além disso, e essa nos parece ser a principal informação da pesquisa, o governo começa a recuperar posições na classe média baixa, setor mais denso da amostra, com 42% dos entrevistados. O quadro que emerge é o de um governo operando em um ambiente polarizado e socialmente fragmentado, onde avanços econômicos importantes convivem com a dificuldade do governo em fazer chegar no eleitorado a percepção subjetiva de que tais avanços estão associados com políticas públicas levadas a cabo a partir do Estado, tendo em vista o crescimento da adesão popular à narrativas que enfatizam o mérito individual e a graça de deus.

Base consolidada e recomposição na classe média

Entre os eleitores de Lula no segundo turno de 2022, a aprovação segue robusta e até cresceu levemente, alcançando 74%. No campo da esquerda mais ampla, chega a 77%. Esses números indicam que o governo mantém coesão em seu campo político, condição indispensável para qualquer estratégia de viabilidade eleitoral futura.

A novidade positiva da pesquisa está na recuperação do governo na classe média. Entre eleitores com renda de 2 a 5 salários mínimos — o maior grupo social do país — a aprovação subiu de 36% para 43%, acompanhada de uma queda correspondente da rejeição. Também houve melhora entre eleitores com renda acima de 5 salários mínimos. Essa dinâmica sugere que a recuperação da renda real e a melhora das expectativas econômicas já começam a ser percebidas nesses segmentos.

Dados recentes sobre a evolução da renda familiar reforçam essa leitura. A renda domiciliar per capita vem crescendo de forma consistente acima da inflação, inclusive da inflação de alimentos. Em 2024, enquanto os preços dos alimentos subiram 8%, a renda das famílias aumentou 10%, com crescimento ainda mais expressivo entre os mais pobres (19%). Essa evolução ajuda a explicar a melhora no humor de parte da classe média, mais sensível às condições econômicas.

Pressões e expectativas entre os mais pobres

O ponto de maior atenção para o governo continua sendo o comportamento do eleitorado de baixa renda (até 2 salários mínimos). Nesse grupo, tradicionalmente associado à base do lulismo, a desaprovação segue em trajetória ascendente. Embora Lula ainda mantenha apoio majoritário (50%), a tendência é de desgaste.

Esse movimento não se explica por deterioração material imediata — pelo contrário, a renda real melhorou, o consumo de alimentos se manteve, e os indicadores de segurança alimentar mostram avanços importantes. Mas há, claramente, uma dimensão de expectativa não atendida, associada tanto a demandas de mobilidade social quanto a questões mais concretas, como segurança pública, que emergem como preocupação central da população.

Esse dado sinaliza que parte da desaprovação expressa nessas pesquisas deve ser interpretada como um instrumento de cobrança: um recado de que, para além das políticas de redistribuição de curto prazo, há um desejo por mudanças estruturais mais profundas.

É importante destacar a predominância dos evangélicos nessa faixa de renda, ainda que sua influência tenha se expandido para outros estratos sociais. Historicamente, esse grupo concentra-se nas camadas de menor renda e, como se sabe, é o que apresenta maior rejeição ao governo Lula e ao PT (66% desaprovam contra 30% que aprovam). No entanto, é preciso considerar a distorção nos números frequentemente citados: enquanto muitos institutos de pesquisa estimavam os evangélicos em cerca de 30% da população, os dados do IBGE mostram que eles representam pouco mais de 25%, o que pode inflar sua percepção de peso político e social.

Apesar de não ter experimentado o crescimento demográfico projetado por certos setores, o eleitorado evangélico permanece um ator político relevante, cuja sintonia com pautas conservadoras – especialmente aquelas de caráter identitário – exige atenção estratégica por parte do governo. A dissonância entre as políticas públicas implementadas (muitas das quais afetam diretamente esse segmento) e a percepção que este possui delas revela um desafio de legitimação que precisa ser enfrentado.

Do ponto de vista ideológico, esse grupo demonstra maior adesão a discursos de ordem conservadores, notadamente em temas como segurança pública e saúde, frequentemente em tensão com as bandeiras tradicionais do bloco histórico petista. Além disso, sua assimilação do imaginário neoliberal – particularmente a valorização do self-made man e da autoempreendedorização – atua como um filtro cultural que dificulta a percepção da eficácia de políticas redistributivas. Essa dupla inclinação (conservadorismo moral e economicismo individualista baseado na graça) configura um obstáculo singular para a construção de hegemonia progressista nesse estrato social.

Segurança pública e o desafio das respostas estruturais

Entre os temas que mais preocupam hoje a população, a segurança pública assume papel central. Enquanto outras preocupações — como inflação e corrupção — perdem peso, a violência se consolida como principal foco de ansiedade social.

Esse é um desafio delicado para o governo federal. Embora as atribuições institucionais sobre segurança sejam majoritariamente estaduais, a expectativa da população é por uma atuação mais incisiva da União. Construir uma agenda crível e eficaz nessa área será fundamental não apenas para ampliar o apoio eleitoral, mas para reforçar a imagem de um governo responsivo às demandas sociais emergentes.

Um cenário em disputa

Os dados da Quaest indicam um eleitorado ideologicamente dividido, com um governo bem ancorado em seu campo e uma sociedade que expressa de forma clara suas demandas e frustrações. O desafio central do governo Lula 3 será o de consolidar a recuperação econômica, estruturar respostas efetivas em áreas sensíveis como segurança pública, e construir uma narrativa capaz de dialogar com expectativas de futuro, especialmente entre os mais pobres e os eleitores não alinhados.

O cenário que se delineia é desafiador, mas não fechado. A consolidação de avanços econômicos, a qualificação das respostas em áreas como segurança pública e a capacidade de manter o diálogo com um eleitorado em transformação serão elementos centrais para o governo ampliar seu apoio. As condições objetivas para essa reconstrução existem. Restará ao governo combinar escuta ativa, coordenação política e clareza de projeto para transformar expectativas sociais em adesão política renovada.

O governo Lula 3 está sendo marcado por uma relação difícil no congresso. Apesar de algumas conquistas importantes como reajuste da tabela do imposto de renda e uma aguardada reforma tributária, o governo tem encontrado dificuldade de ter suas prioridades pautando o legislativo. A partir dessa dificuldade, é comum interpretações de que esse mandato sofre por dois fatores: (i) ausência de um planejamento a longo prazo; (ii) dificuldade na comunicação. Esses dois problemas afetariam conjuntamente também a aprovação do governo, que atualmente estaria a beira de inviabilizar uma reeleição, mas como realmente está o quadro do governo?

Na última pesquis Quaest, divulgada dia 4 de junho, a desaprovação chegou ao patamar mais alto desse mandato, batendo 57% dos entrevistados. Analisando os estratos de renda, é possível observar que apenas no estrato mais pobre, até 2 SM, a desaprovação seguiu piorando nesta pesquisa, em todos os demais estratos houve uma melhora na aprovação do governo. No 2-5 SM a desaprovação teve uma grande queda, saindo de 61 para 56, já no estrato mais alto, mais de 5 SM, também foi registrada um declínio na desaprovação, saindo de 64 para 61%.

Esse resultado mostra que o leve aumento da desaprovação do governo nessa última pesquisa se deu por uma queda no grupo em que tem sua base eleitoral, tendo apresentado melhorias em todos os outros estratos, especialmente no intermediário de 2-5 SM. Outro dado que chama atenção é que a aprovação do governo teve alta entre seus eleitores e declínio entre os que votaram branco/nulo ou não foram votar nas eleições passadas, esses dados reforçam que o desempenho do governo no intervalo das últimas pesquisas caminhou junto com o seu eleitorado – ainda que o segmento mais popular, característico por um grupo fiel ao PT, siga piorando sua avaliação.

Mas quais fatores são os principais determinantes do quadro atual? Os temas caso INSS, corrupção e aumento dos preços estão no topo das notícias ruins ouvidas, angariando 30% das respostas totais e 50% das respostas excluindo não sei, não respondeu ou não ouvi nenhuma notícia negativa. Isso mostra que o caso do INSS foi um fator de desgaste no período, ainda mais se unir o tema corrupção que acabam se sobrepondo, a inflação dos alimentos por outro lado, continua sendo um problema de destaque. Essa última questão parece ser uma notícia boa para o governo, houve uma melhora das respostas nos casos da expectativa para economia, preços dos alimentos, preços da gasolina, mostrando que esse problema pode estar em vias de melhora.

A melhora econômica é um caminho mais viável para o governo reverter o quadro de queda e recuperar o apoio dos seus eleitores de 2022. Com a previsão de uma eleição bastante acirrada em 2026, garantir uma votação similar no segundo turno parece um primeiro objetivo eleitoral do PT e dos partidos que desejam estar em sua frente eleitoral. Os motivos dessa ampliação passam pela concretização de promessas de campanhas importantes, como a diminuição dos preços dos alimentos, da gasolina e, em especial, com a reforma do imposto de renda isentando aqueles que ganham até 5 salários mínimos.

Por fim, a violência é a maior preocupação dos entrevistados atualmente. Esse tema segue sendo um problema para o governo que patina em tomar atitudes mais estruturais contra o tema. Ironicamente, essa parece ser a área que clama por um projeto estrutural de longo prazo vindo do executivo federal, ainda que as atribuições dessa área sejam majoritariamente de responsabilidade do governo estadual. O governo Lula 3 tem encontrado dificuldades em promover projetos de longo prazo, algo que pode ser em parte responsabilidade do próprio governo, mas que também é influenciado pelo ambiente de disputas acirradas e extremamente ideologizadas, dificultando o diálogo e a mobilização de forças políticas não aliadas em prol de mudanças para o Brasil.

Nesta configuração do poder político, situada no que Deleuze diagnosticou como a era da “oni-crise”, caracteriza-se por uma fragmentação radical que inviabiliza a atuação por meio de grandes blocos hegemônicos. Nesse cenário de dispersão institucional e liquefação das estruturas tradicionais, a ação política é obrigada a operar de forma casuística, negociando cada movimento em meio a um campo de forças descentrado. Essa dinâmica torna impossível a implementação linear de um projeto de governo coeso, nos moldes clássicos da racionalidade estatal. O poder, em sua forma contemporânea, não se consolida em macroestruturas, mas pulveriza-se em microdispositivos que exigem estratégias pontuais e adaptativas – uma governança do fragmento.

No atual governo Lula, ainda que com importantes medidas estruturais já feitas, as realizações são voltados ao combate de desigualdades através de subsídios como o Desenrola, aumento do bolsa família, isenções na conta de luz, Pé de meia, entre outros. Essa atuação tem vários méritos, mas o governo, em algum momento, vai precisar propor mudanças mais estruturais no contexto nacional se quiser expandir seu eleitorado.

Autores:

Mayra Goulart – Professora de Ciência Política da UFRJ
Paulo Gracino Junior – Professor do Departamento de Sociologia da UNB
Raul Paiva – Mestrando do Programa de Sociologia e Antropologia da UFRJ

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 07/06/2025