O humorista Leo Lins foi condenado a oito anos e três meses de cadeia por contar piadas consideradas “criminosas” durante a apresentação do espetáculo de stand-up Perturbador, publicado na plataforma do YouTube em 2022.
A sentença destaca que suas falas “estimulam a propagação de violência verbal na sociedade e fomentam a intolerância”. Além disso, não poderia faltar: discriminação contra negros, mulheres, homossexuais etc.
Piada é crime?
O humorista tem como recurso o famigerado “humor negro” – na dúvida de se podemos dizer isso ou não, continuemos com “humor ácido” para não cometermos nenhum crime. O que seria o humor negro?
Supõe-se que o humor ácido, ao contrário de outros tipos de humor, não tem restrições para tocar em assuntos como morte, doença, deficiência, violência, desastres, pobreza, preconceito e outras formas de sofrimento humano. Tudo é permitido! Esse tipo de humor extrai o cômico do que é geralmente considerado inaceitável, além de gerar uma reflexão crítica — apesar de não ser um dever do humorista.
É chato explicar. No entanto, com o clima histérico de inquisição moral, é necessário explicar aos envolvidos do que se trata. E, pasmem, descobrimos na última semana que contar piada é crime!
Os inquisidores morais insinuam: “veja bem, ele fez piadas com estupro, pedofilia, ódio à comunidade gay, blablablá”, e, para corroborar, sentem-se satisfeitos em citar as piadas “criminosas” de Leo Lins:
“Uma vez eu estava num evento, o garçom chegou para mim: ‘Você quer um uísque com energético?’ Eu falei: Tá maluco, rapaz? O uísque pra mim tem que ser igual à mulher. Puro e com 12 anos.”
“Uma vez eu vi uma enquete na internet escrita assim: ‘O que vocês falam quando terminam de transar?’ Aí eu fui lá e escrevi: ‘Não conta pra sua mãe que eu te dou uma boneca.’ Me xingaram muito… Esse dia eu fiquei mal. Eu só fiquei melhor no dia seguinte, quando eu fui no parquinho olhar as crianças.”
“Sou totalmente contra a pedofilia, sou mais a favor do incesto. Se for abusar de uma criança, abusa do seu filho. Ele vai fazer o quê? Contar pro pai?”
A verdadeira carta na manga daqueles que querem censurar ou pedir prisão para alguém é invocar o perigo às crianças. Ou até mesmo falar de estupro como se fosse o crime mais hediondo de todos. Basta invocar esses espantalhos e você faz qualquer negócio. Aqui, a imprensa capitalista noticia a piada contada como algo extraordinariamente negativo do ponto de vista moral. E a esquerda, como uma boa esquerda dispersa, cai no conto do vigário e se junta à caça às bruxas.
Estupro, pedofilia, racismo não seriam sofrimentos humanos? Tal como morte, depressão, deficiência etc.? Por que seria proibido contar piada com tais temas? A literatura, a música e todas as formas artísticas não abordam todos esses temas? Querem impor a piada do bem, a piada politicamente correta — que, diga-se de passagem, não tem a menor graça.
No artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal do Brasil, garante-se a liberdade de expressão:
“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”
Este direito fundamental, no entanto, foi abolido no País. E a burguesia usa tanto a direita quanto a esquerda para esmagar esse pilar fundamental das liberdades democráticas, algo que fica claro com os recentes acontecimentos.
Poze do Rodo, MC carioca, foi preso por cantar “apologia do crime” — outra invenção para cercear a liberdade de pensamento. Nesse caso, a extrema direita, assanhada, não demorou a sair nas redes para comemorar, com uma têmpera punitivista: “é isso aí, lugar de bandido é na cadeia”; “está incentivando o crime organizado”.
Num breve episódio de amnésia, esqueceram que, até ontem, eram os paladinos da liberdade de expressão.
Ao mesmo tempo, a esquerda, com muita vacilação, defendeu Poze. Logo em seguida, um humorista de direita é condenado a oito anos por contar piadas — e a esquerda sai a campo para jogar na fogueira mais uma vítima.
Pavimentação de uma ditadura
Para além da questão de que é um absurdo prender um artista por cantar, ou um humorista por exercer sua profissão, é preciso compreender a fundo que ambos os casos (Poze e Leo Lins) fazem parte de uma operação da burguesia, pressionada com a crise sem precedentes do imperialismo, de pavimentar um regime de exceção, um regime bonapartista.
Em meio à degeneração do Estado “Democrático” de Direito — a essa altura do campeonato, insuficiente para lidar com a dominação —, escancara-se a necessidade de dominar o povo por outros meios.
O espantalho do fascismo ou do crime organizado, as loucuras da direita e da esquerda, são muito bem aproveitados pela burguesia para implementar uma ditadura contra o povo.
É preciso frisar que o apoio da esquerda a essa sanha inquisitória é um escândalo político. Inaugura-se uma posição sem precedentes em toda a história das polêmicas democráticas — sem falar da posição tradicional dos marxistas.
O desconhecimento completo do caráter do Estado
O Estado, para Lênin, não é uma entidade neutra ou um árbitro imparcial que paira acima da sociedade para “conciliar” interesses. Pelo contrário: o Estado é, em sua essência, um instrumento de dominação de uma classe sobre outra, justamente por conta da inevitabilidade dos atritos entre a classe dominante e a classe oprimida.
A posição da esquerda revela ignorância ao chamar o Estado para reprimir os inimigos políticos, como se o Estado estivesse ao seu alcance — sustentando o enrijecimento do aparato repressivo que servirá exclusivamente para reprimir a classe operária.
Diante da situação política internacional, em que o imperialismo se lança em uma contraofensiva para esmagar a revolução na Palestina, planeja uma guerra contra os países atrasados, orquestra dezenas de golpes de Estado e, para isso, necessita de uma censura muito intensa — torna-se uma posição criminosa e extremamente capituladora.