Nascida em 2 de abril de 1892, em Nazaré, na Palestina então sob domínio otomano, Kulthum Odeh veio ao mundo em uma família cristã ortodoxa que esperava um filho homem. Sua chegada causou frustração e, segundo relatos da própria autora, ela cresceu em um ambiente familiar marcado pela rejeição e pela ausência de carinho. Ainda assim, sua trajetória seria marcada pela obstinação intelectual e pela superação das adversidades mais duras.

Seu pai, Nasr Odeh, garantiu que estudasse apesar da oposição da mãe. Iniciou sua educação em uma escola dirigida pela Sociedade Imperial Ortodoxa da Palestina, ligada ao governo czarista russo. Em 1900, por mérito acadêmico, foi aceita como bolsista no Colégio Feminino de Formação de Professoras em Beit Jala, onde estudou até 1908 matérias como física, química, geografia, literatura árabe e história do mundo árabe — além de disciplinas “domésticas”, como culinária e costura. Teve como professor de árabe o renomado intelectual Khalil al-Sakakini.

Após sua graduação, retornou a Nazaré, onde lecionou em escolas da mesma sociedade ortodoxa russa que havia financiado seus estudos. Nesse período, começou também a publicar ensaios e artigos em periódicos como al-Nafa’is al-‘Asriyya (Haifa), al-Hilal (Cairo) e al-Hasna‘ (Beirute), demonstrando já um engajamento intelectual que unia literatura, pedagogia e ciência.

Em 1910, conheceu o orientalista russo Ignati Kratchkovski, que ficou impressionado com seu trabalho e viria a ser uma figura determinante na continuidade de sua formação. Três anos depois, Kulthum se apaixonou pelo médico russo Ivan Vassiliev, então chefe da clínica ambulatorial da Corte do Príncipe Sergei, em Jerusalém.

A união foi inicialmente rejeitada pela família dela, mas concretizada com o apoio de um parente respeitado, Najib Odeh. O casal casou-se em Jerusalém e se estabeleceu em Nazaré.

Em 1914, partiram para a Rússia e, durante a travessia pelo estreito de Bósforo, a Primeira Guerra Mundial teve início. Na Rússia, Kulthum rapidamente se envolveu com os esforços de guerra, estudando enfermagem e atuando na linha de frente, em hospitais de campanha na Sérvia e em Montenegro. Mais tarde, estabeleceu-se com o marido na Ucrânia, onde trabalharam no combate a uma epidemia de tifo.

Em 1919, Ivan faleceu em decorrência de uma doença, deixando-a viúva com três filhas pequenas — Larissa, Valéria e Ludmila — e em uma situação extremamente precária. Trabalhou como camponesa, operária e organizadora social, garantindo sozinha a sobrevivência das filhas. Atuou como organizadora regional do Departamento de Trabalho entre Mulheres, ligado ao Partido Comunista, embora não haja registro formal de sua filiação ao partido.

Ainda assim, essa fase foi lembrada por ela como um período de realização. Em 1927, venceu um concurso da revista egípcia al-Hilal, que propunha a questão “Como viver alegremente nesta vida?”. No seu texto, relatou como havia encontrado alegria nas dificuldades, ao conseguir prover alimento para as filhas, operar máquinas, semear e colher trigo, cuidar de feridos e enfrentar as agruras da guerra civil sem jamais passar fome ou desamparar suas filhas.

Em 1924, mudou-se para Leningrado (atual São Petersburgo), onde retomou contato com Kratchkovski. Este lhe garantiu uma vaga na Universidade de Leningrado, onde defendeu, em 1928, uma tese de doutorado sobre dialetos árabes. Alcançou o posto de professora universitária, sendo a primeira mulher árabe a alcançar tal título na União Soviética.

Dois anos antes, em 1926, o regime soviético a obrigou a optar entre retornar à Palestina ou permanecer na URSS — mas, se retornasse, teria de deixar as filhas, pois a legislação soviética proibia que cidadãos russos saíssem do país com pais estrangeiros. Decidiu permanecer. Visitou a Palestina em 1928, onde foi calorosamente recebida por amigos e parentes e realizou pesquisa etnográfica sobre costumes camponeses, especialmente os rituais relacionados ao parto e à seca.

As pesquisas revelavam, segundo suas próprias reflexões, uma preocupação com as tradições discriminatórias que ela mesma sofrera na infância, embora sua formulação teórica apontasse também para a necessidade de transformação social por meio de um regime socialista. Ela lamentava a baixa participação política das mulheres palestinas, em comparação com as sírias e egípcias, e propunha mudanças estruturais no sistema social palestino.

Em março de 1938, durante os expurgos da burocracia stalinista, foi presa por tentar defender dois colegas — os historiadores Alexander Shami e Sofia Roginskaya — que haviam sido detidos pela polícia secreta. Passou meses na prisão sem qualquer acusação formal. Sobreviveu ao expurgo, e com a eclosão da guerra foi realocada pelo regime soviético para o interior, como medida de segurança destinada aos intelectuais de prestígio.

Após a guerra, consolidou-se como uma das principais figuras da cultura árabe no espaço soviético. Lecionou na Faculdade de Línguas Orientais da Universidade de Leningrado e foi integrante do Instituto de Filosofia, Arte e História. Posteriormente, mudou-se para Moscou, onde passou a atuar no Instituto de Orientalismo, no Instituto de Relações Internacionais e na Escola Superior de Diplomacia.

Foi também a primeira mulher a integrar a Sociedade de Relações Culturais da União Soviética com os Países Árabes. Traduziu para o árabe obras da literatura russa e soviética e, inversamente, traduziu a literatura árabe para o russo, tendo se tornado uma das principais responsáveis pela difusão da cultura soviética no mundo árabe e vice-versa. Publicou dezenas de artigos e contos em revistas e jornais russos.

Em reconhecimento à sua atuação, foi condecorada com a Medalha da Honra e a Medalha da Amizade entre os Povos, honrarias máximas concedidas pelo governo soviético. Após sua morte, em 24 de abril de 1965, a Organização para a Libertação da Palestina concedeu-lhe postumamente a Medalha Jerusalém de Cultura, Artes e Literatura.

Seu funeral foi acompanhado por uma multidão de professores, alunos, camponeses e antigos colegas — inclusive ministros e autoridades que haviam sido seus discípulos. Foi sepultada em um cemitério reservado a intelectuais e cientistas, nas proximidades de Moscou.

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Last Update: 07/06/2025