Estreou esta semana a série documental “1961”, que revisita momentos cruciais da história política nacional. O título se refere aos eventos ocorridos naquele ano após Jânio Quadros renunciar à presidência, ato que estimulou golpistas a tentar impedir a posse do vice-presidente, João Goulart, o Jango.

“O golpe que deu errado”, como classificou o diretor do documentário, Amir Labaki, foi frustrado por um episódio crucial, a Campanha da Legalidade, iniciada no Rio Grande do Sul. No entanto, Jango só assumiria sob o prisma do regime parlamentarista, acordado para driblar a crise, mas que diminuiu os poderes presidenciais. O primeiro-ministro viria a ser o então deputado Tancredo Neves.

Do Uruguai, onde esteve em agenda com a deputada e ex-prefeita de Montevidéu Ana Olivera, do Partido Comunista do Uruguai (PCU), o filósofo e político filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), João Vicente Goulart, também conhecido como João Goulart Filho, conversou com o Portal Vermelho sobre o conteúdo trazido na série.

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Para o filho de Jango, o documentário é fundamental para os dias atuais ao recuperar a “luta pela democracia e a resistência de um povo contra a ruptura institucional”.

Neste processo, ele lembra que Jango foi eleito vice-presidente com votos separados da chapa de Jânio Quadros, que tinha como vice o senador Milton Campos.

“Assim determinava a Constituição de 1946: que os vices eram eleitos separadamente. Lott [Teixeira] perdeu para Jânio e Jango ganhou de Milton Campos. Pela primeira vez o Brasil assistia um presidente de uma linha política e um vice eleito de outra corrente política. A posição de crise política, gerada pelos militares golpistas, trouxe um dos momentos mais brilhantes em defesa da democracia, que foi o movimento da Legalidade levantado com o povo gaúcho, sob o comando de Leonel Brizola”, destaca Vicente Goulart.

China

 A tentativa de impedir que Jango assumisse teve um capítulo anterior, quando estava em viagem de Estado à China.

A renúncia de Jânio Quadros, atribuída como um “autogolpe”, visava gerar uma comoção nacional que o mantivesse no cargo com poderes ampliados. Jânio se aproveitou do momento que o vice-presidente João Goulart estava no gigante asiático para a sua ação, pois entendia que as Forças Armadas se oporiam a Jango no poder, o que facilitaria seu “autogolpe”.

O plano da renúncia não deu certo, porém a parte em que os militares sustentaram a oposição à posse de Jango efetivamente ocorreu, o que levou o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, liderasse a Campanha da Legalidade, frustrando os ímpetos dos militares golpistas em 1961.

João Vicente Goulart. Foto: Unicamp

“A sanha golpista das forças armadas brasileiras naquele instante foi de tal prepotência e arrivismo contra a Constituição brasileira, que nos traz à mente o quanto a formação intelectual de nossas forças armadas está distante da obediência e respeito às cláusulas constitucionais. Jango tinha sido eleito, duas vezes, vice-presidente da República, sob o manto constitucional do sufrágio universal, mas isso nunca foi importante para os ministros militares de Jânio Quadros, os golpistas Sílvio Heck, Grum Moss e Odílio Denys. Logo após a renúncia eles se manifestaram publicamente e disseram que as forças armadas brasileiras não permitiriam a posse do vice-presidente eleito, pois estava na China. Qual o raciocínio lógico dessas toupeiras? Se está na China é comunista, se é comunista assim que entrar no Brasil, será preso!”, explica Vicente Goulart.

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Sobre o pioneirismo de Jango ao estreitar laços com a China já na década de 60, o político do PCdoB salienta a visão de mundo que o pai tinha, principalmente em confronto com o salto civilizacional que os chineses deram desde então, enquanto o Brasil patina entre os golpes e tentativas de golpe que aconteceram ao longo das décadas e permanecem até os dias mais recentes.

“A visão de Jango era abrir o mercado de exportação do Brasil para um país em desenvolvimento como era a China naquela época. O Brasil poderia exportar de alfinetes a tratores agrícolas. O pensamento reacionário e retrógrado das elites brasileiras, assistidas pelas estrelas nos ombros dos militares brasileiros, que queriam subverter a ordem constitucional ao impedir a posse de Jango em 1961, é, de certa forma, guardada a distância temporal, a mesma que vemos persistir ainda hoje, nesse pensamento antinacionalista, entreguista, submisso ao imperialismo, que os manipula com o ‘fantasminha’ do anticomunismo”, analisa.

“A visão de Jango era tão avançada e próspera, que o próprio Nixon [presidente dos EUA], nove anos depois foi à China, estabeleceu relações diplomáticas e comerciais, reconheceu a China Popular e rompeu o reconhecimento de Taiwan. Acho que a ninguém consta que o presidente Nixon fosse comunista por estar na China”, ironiza João Vicente Goulart.

Documentário

A série documental ‘1961’ conta com três episódios:

  • A Renúncia E O Golpe: sobre a saída de Jânio e a tentativa de golpe contra a posse de Jango, que estava na China;
  • Legalidade: acompanha o início da campanha liderada por Brizola para garantir a posse de João Goulart;
  • Jango com Parlamentarismo: traz o retorno de Jango e sua posse depois de 13 dias, a solução parlamentarista e a germinação de um golpe militar no país.

A série do cineasta e produtor cultural Amir Labaki pode ser vista no Globoplay e no Canal Brasil. Na terça (3) aconteceu a pré-estreia na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e na quarta (4) a Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, exibiu o primeiro episódio.  

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Last Update: 06/06/2025