A nomeação de Vanessa Claro Lopes como membro externo do Comitê de Auditoria e Riscos Estatutários (CAE) da Eletrobras, estatal privatizada durante o governo de Jair Bolsonaro, levanta alertas sobre possíveis conflitos de interesse em seu histórico profissional.

Presente no conselho fiscal de empresas como Comgás e Cosan, Vanessa registra passagem pela Afya Educacional, empresa ligada à Crescera Capital, gestora fundada por Paulo Guedes, figura central na privatização da própria Eletrobras.

Além disso, Vanessa Claro Lopes foi eleita para integrar o Conselho Fiscal da Gerdau, cargo que ocupou entre 2016 e 2017, com apoio exclusivo do banco BTG Pactual.

BTG na Gerdau na mira da CVM

Em 2019, Vanessa foi um dos nomes envolvidos em uma investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a atuação do BTG Pactual na Gerdau.

O banco, que havia emprestado R$ 1,8 bilhão à siderúrgica pouco antes, usou ações sob sua gestão para indicar representantes ao conselho fiscal da empresa como se fosse um acionista minoritário comum.

Vanessa foi eleita como representante dos acionistas minoritários com 34.209.522 votos, exatamente a posição acionária do BTG Pactual, em uma sugestão de que sua candidatura foi apoiada exclusivamente pelo banco.

A CVM questionou que, ao mesmo tempo em que o BTG era um acionista relevante da siderúrgica, também era credor da Gerdau – ou seja, tinha interesse financeiro direto no desempenho da empresa e, ao apoiar a eleição de um nome para o conselho fiscal, passou a influenciar diretamente a governança da companhia.

“A participação do BTG na eleição foi decisiva para a escolha da senhora Vanessa Claro Lopes, eleita apenas com os votos do banco, sem que qualquer outro acionista minoritário manifestasse sua preferência”, afirmou a CVM, à época, segundo o Valor, que teve acesso parcial às informações do processo que encontram-se em parecer da Procuradoria Federal Especializada junto à CVM (PFE-CVM).

O BTG Pactual foi cofundado por Paulo Guedes, que se desligou formalmente do banco antes de assumir o Ministério da Economia no governo Bolsonaro, em 2019. No entanto, manteve vínculos com fundos ligados à sua antiga gestora, como a Crescera Capital.

Guedes foi o principal articulador do programa de desestatizações ao longo do governo Bolsonaro, o que incluía a modelagem da privatização da própria Eletrobras — processo que agora pode ser fiscalizado por um comitê do qual participa uma ex-integrante de empresa ligada à sua rede de influência.

A ligação de Vanessa Claro Lopes com empresas associadas ao BTG e à Crescera evidencia um risco estrutural de conflito de interesse pois, em tese, informações estratégicas debatidas em conselhos e comitês podem beneficiar grupos com interesses diretos na agenda econômica e nas privatizações.

Ligação com fundo criado por Paulo Guedes

Outro ponto sensível no currículo de Vanessa é sua passagem pelo conselho da Afya Educacional, empresa que teve como principal investidor a Crescera Capital — uma gestora de private equity com raízes no mercado financeiro fundado por Paulo Guedes.

A Crescera surgiu em 2008 da fusão entre a BR Investimentos (criada por Guedes), Mercatto e Trapezus, inicialmente sob o nome Bozano Investimentos. Mesmo após assumir o Ministério da Economia, no governo Bolsonaro, Guedes manteve vínculos indiretos com a gestora.

Segundo revelou a revista piauí, o economista era dono de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas que investia em fundos brasileiros geridos pela Bozano. Enquanto promovia políticas de desestatização e abria espaço para o capital privado, Guedes tinha patrimônio aplicado em fundos que podiam se beneficiar dessas decisões.

Já sob nova marca, a Crescera foi ao mercado em 2021 com objetivo de captar US$ 500 milhões para um novo fundo de private equity, com foco em saúde, educação e infraestrutura. E é nesse ambiente que se insere a Afya Educacional, onde Vanessa atuou no conselho.

Embora a ligação entre Vanessa e Guedes não seja direta, sua trajetória ajuda a mapear um ecossistema de influência em que a executiva está inserida — um círculo onde se entrelaçam grandes operações financeiras, políticas públicas e privatizações.

Comitê da Lojas Americanas

A executiva também faz parte do Comitê de Auditoria e Risco da Lojas Americanas entre 2017 e 2022 — justamente os anos em que se acumulou um dos maiores rombos contábeis da história do país: mais de R$ 20 bilhões em fraudes e manipulações que passaram despercebidas (ou foram ignoradas) pelos mecanismos internos de controle.

Em janeiro de 2023, Vanessa foi chamada para compor o comitê independente encarregado de apurar os fatos, mas pediu desligamento do cargo em março. Segundo a Americanas, devido à dificuldade em conciliar a função com outros compromissos profissionais.

À época, o dono da GTF Capital alertou que “o conflito dela é porque, teoricamente, como membro do Conselho de Administração e Comitê de Auditoria, ela não seria em tese ‘independente’ de fato”, dando a entender que Vanessa poderia estar envolvida nas inconsistências contábeis ou por negligência.

Outro ponto relevante é a passagem da executiva pela Price WaterHouseCopers (PWC), auditora independente na Americanas desde outubro de 2019 – e que, ao aprovar as contas da empresa, se tornou uma das principais suspeitas de ser cúmplice da fraude contábil. Posteriormente, a empresa de auditoria foi substituída pela BDO.

Escolha para conselho da Eletrobras

Agora, Vanessa ocupa uma cadeira de membro externo no Comitê de Auditoria da Eletrobras, órgão responsável por acompanhar auditorias internas e externas, revisar demonstrações financeiras e monitorar riscos.

A estatal foi privatizada em 2022 por meio de uma operação que permitiu a investidores privados assumir o controle da companhia mesmo com apenas cerca de 1% das ações ordinárias — entre eles, novamente, o grupo 3G. A reestruturação promovida durante o governo Bolsonaro limitou o poder de voto da União a 10%, mesmo ela ainda detendo cerca de 43% das ações ordinárias.

Ou seja: os mesmos grupos que estiveram no centro do colapso da Americanas voltam a ocupar posições-chave em outra empresa estratégica. E, mais uma vez, com mecanismos de fiscalização sob suspeita.

Linha tênue: transparência e influência

Por definição, membros externos são escolhidos por sua suposta independência. Mas quando circulam entre conselhos de empresas envolvidas em escândalos, fundos com interesses no setor público e bancos investigados por conflito de interesse, essa independência é posta em xeque.

Para o economista Nathan Caixeta, o caso escancara um conflito estrutural de interesses entre a agenda privatista do governo da época e os mecanismos de controle que deveriam garantir a integridade dos processos.

“O ministro da Fazenda [Paulo Guedes, à época] é chefe do secretário do Tesouro. O Tesouro detém parte das ações da Eletrobras e tem o voto majoritário para eleger o conselho, tanto interno quanto externo. Portanto, é o principal interessado na divulgação de resultados financeiros, nos procedimentos internos e nas operações contábeis. É muito grave, porque há um conflito de interesses evidente aí”, afirmou.

Segundo ele, o caso fere os princípios de compliance exigidos pela Lei das Estatais. “É colocar alguém em uma posição-chave que pode manipular os números a seu favor. Isso é extremamente delicado, especialmente quando se trata da avaliação de uma privatização. Pode ser utilizado como arma política”.

Desta forma, a nomeação de Vanessa Lopes não pode ser vista como um ponto fora da curva, mas como parte de um padrão que revela a captura dos espaços de controle por grupos que operam entre o setor financeiro e o Estado.

E, em meio a privatizações aceleradas e estruturas frágeis de fiscalização, é esse padrão, para além dos nomes, que precisa ser discutido.

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Last Update: 06/06/2025