No último dia 22 de maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciou o bloqueio de R$ 31,1 bilhões do Orçamento federal aprovado para 2025. É o maior corte realizado neste terceiro mandato do governo Lula.

A medida foi tomada pelo governo para enquadrar o Orçamento Federal às regras do Arcabouço Fiscal, o regime de contenção de despesas elaborado pelo governo Lula para substituir o antigo teto de gastos que vigorava desde o governo Temer. Os critérios definidos para a instalação desse arcabouço previam zerar o déficit (arrecadação menos despesas, excetuando os gastos com a dívida aos banqueiros) em 2025 (com uma certa “margem de manobra”).

Levamos tudo ao presidente, que determinou que fosse feito o necessário para fortalecer o arcabouço fiscal. Houve consenso do que fazer entre nós e os ministros”, afirmou Haddad. O corte bilionário anunciado pela equipe econômica do governo Lula e com o aval do próprio se dá através do “contingenciamento” de R$ 20,7 bilhões, um eufemismo utilizado para dar a impressão de que se trata de algo provisório e passível de ser revertido caso a situação fiscal mude, e o bloqueio de outros R$ 10,6 bilhões. Ao final, acabam tendo o mesmo efeito: cortes para assegurar o arcabouço e o pagamento da dívida.

Cinismo

Entre as justificativas apresentadas para o corte bilionário estão os gastos com aposentadorias. “O que está no nosso radar é a questão da Previdência, que ainda é um desafio no Brasil e a questão do BPC”, afirmou Haddad durante a entrevista coletiva. O ministro também informou que o BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos carentes acima de 65 anos e pessoas com deficiência) teve um “custo” de R$ 2,8 bilhões acima do previsto, enquanto que o Plano Safra (que financia o agronegócio) cresceu R$ 4,5 bilhões.

Como se não bastasse, Haddad ainda teve a coragem de responsabilizar a paralisação dos servidores da Receita Federal pela queda da arrecadação. Mas nada foi dito sobre o recente aumento dos juros, imposto pelo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, indicado por Lula, e que impacta a dívida pública em R$ 50 bilhões a cada 1% de elevação.

Tebet ainda tentou justificar os cortes afirmando que, com as despesas “acima das projeções na Previdência”, o governo teve “por obrigação legal colocar um bloqueio no orçamento”. Faltou dizer que a “obrigação legal”, o arcabouço fiscal, foi imposto pelo próprio governo Lula.

O governo ainda não divulgou o detalhamento do que seria cortado em cada área. Porém, não é preciso nenhum exercício de futurologia para saber que serão afetados programas sociais e serviços públicos essenciais já sucateados e penalizados pelo arcabouço fiscal.

Universidades federais em risco

Apenas dois dias antes do anúncio desse corte bilionário, o governo já havia bloqueado R$ 2,5 bilhões das universidades federais. Uma medida denunciada por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e que ameaçam o próprio funcionamento das universidades.

Entenda

Arcabouço fiscal desvia recursos públicos para banqueiros

O novo arcabouço fiscal foi elaborado pelo governo Lula para substituir o teto de gastos que limitava as despesas públicas ao mesmo montante do ano anterior, mais a inflação. Na prática, se trata de um novo teto que, embora mais flexível (já que o antigo teto se provou impraticável), tem o mesmíssimo significado: tirar dinheiro do orçamento para pagar juros aos banqueiros.

Pelas regras do arcabouço, as despesas não podem crescer acima de 70% da alta das receitas, e mesmo dentro disso, limitadas a 2,5% ao ano (acima da inflação). Ou seja, mesmo que o Brasil viva um improvável boom de crescimento, isso não vai se reverter em mais investimentos públicos. Mais do que isso, o arcabouço é incompatível com os atuais pisos constitucionais da Saúde (15%) e da Educação (18%). Sua manutenção, portanto, prevê a desvinculação desses pisos, o sonho dourado de Paulo Guedes, o ministro de Bolsonaro, que não conseguiu implementar, mas que já está sendo tramado nos corredores do Congresso Nacional.

A crise do IOF

Bilionários dizem “não mexam no nosso”, e governo recua

Para compensar a isenção aos bilionários, governo planeja acelerar a entrega de óleo e concessão de exploração de blocos de petróleo

Presidente da Câmara dos deputados, Hugo Motta. Foto Lula Marques/Agência Brasil

Se o anúncio do corte bilionário do orçamento, afetando áreas e programas sociais, foi bem recebido pelo “mercado”, o mesmo não pode ser dito pela divulgação do aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Esse imposto incide sobre operações de crédito, câmbio e previdência privada (acima de R$ 50 mil, na verdade um investimento disfarçado para pagar menos impostos), numa expectativa frustrada de aumentar em R$ 20 bilhões a arrecadação.

Qual é o problema disso? Afeta, ainda que minimamente, grandes fundos de investimentos, empresas, o agronegócio e o comércio. Transferências de fundos para o exterior, hoje isentas, passariam a pagar modestos 3,5% de imposto. Mas a burguesia não quer saber, enquanto exige ajuste no lombo da classe trabalhadora, não quer nem falar em aumento de imposto, ainda que ínfimo. E o governo, no primeiro sinal de reclamação dos bilionários, suspendeu o aumento do IOF.

Mesmo assim, representantes do agronegócio, dos bancos, do comércio, entre outros setores, firmaram um manifesto direcionado ao Congresso Nacional para terem certeza que a medida seria barrada pelos parlamentares, sendo prontamente acolhidos pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos).

Não que Haddad e o governo estejam ansiosos para taxar o grande capital, justo o contrário. O problema é que, para sustentar o arcabouço fiscal que serve justamente aos banqueiros, não bastam somente os cortes pelo lado das despesas, o que o governo já vem fazendo. É preciso, ao mesmo tempo, aumentar a arrecadação. E dançando nessa corda bamba, Haddad tentou tirar uma lasquinha dos endinheirados, enquanto arranca bilhões da Saúde e da Educação. Uma medida mais que tímida, que não muda absolutamente em nada a fortuna dos bilionários que, mesmo assim, poderiam repassar qualquer custo aos consumidores. E ainda assim, foi rejeitada e o governo simplesmente abaixou a cabeça.

Governo entrega óleo e petróleo

Com a grita em torno do IOF, o governo parte por uma busca desesperada para achar dinheiro e cumprir a meta fiscal. Uma lista apresentada pelo Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, elenca uma série de medidas para o governo ganhar mais alguns trocados, entre elas, a entrega de óleo e petróleo em áreas ainda não concedidas e próximas a jazidas que já estão funcionando (Mero, Atapu e Tupi). Só isso já garantiria R$ 15 bilhões. Até mesmo um Projeto de Lei já foi enviado ao Congresso no último dia 28 acelerando esse processo de entrega ao capital privado, a fim de aumentar a arrecadação e cumprir a meta fiscal.

Ou seja, para não taxar bilionários, o governo acelera a privatização do petróleo do Pré-Sal, beneficiando banqueiros e capital estrangeiro.

Mobilização

Abaixo o arcabouço fiscal de Lula e dos banqueiros

Os cortes bilionários do governo mostram o verdadeiro caráter deste governo: gere o capitalismo e joga a crise nas costas da classe trabalhadora e da população pobre, tudo para privilegiar banqueiros, grandes empresários e o agronegócio.

Previdência na mira

A ministra Tebet já disse na coletiva que realizou junto a Haddad que o problema, para ela, são os aposentados. Tebet, aliás, já propôs um grande acordo para uma nova reforma da Previdência, entre outras reformas mais “estruturais”, no ínterim entre as eleições de 2026 e a posse do novo governo, seja quem for eleito. Um verdadeiro golpe, já que esses ataques não precisariam ser discutidos na campanha eleitoral.

A atual crise mostra ainda que a burguesia, que consegue tudo o que quer, não se contenta com isso e quer mais, sempre mais. Um setor significativo busca uma alternativa à lá Milei da Argentina, que arrebente por completo os serviços públicos, destrua o que sobrou da Previdência e acelere a entrega do país ao imperialismo. Quanto mais o governo entrega o que a Faria Lima exige, mais se avança na construção desse projeto.

Quem fortalece a extrema direita?

Enquanto isso, os índices de rejeição do governo Lula atingem patamares inéditos, em meio à inflação dos alimentos, a precarização dos empregos e o sucateamento dos serviços públicos. Ou seja, quanto mais se avança nessa política econômica, mais o governo se enfraquece em cima, com a burguesia e seus próprios aliados, e, sobretudo, embaixo, abrindo uma avenida para a extrema direita em 2026 chegar com tudo. Quem defende o apoio ao governo ajuda para isso.

É necessária uma grande mobilização contra esses ataques, para pôr abaixo o arcabouço fiscal e os cortes nas universidades federais. Para e junto a isso, fortalecer uma oposição de esquerda ao governo Lula e à ultradireita que possa ser uma alternativa real à classe trabalhadora e ao povo pobre.

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Last Update: 05/06/2025