Andréa Beltrão em “Lady Tempestade”

“Lady Tempestade” é um impactante relato de coragem e busca por justiça. Com direção de Yara de Novaes e dramaturgia de Sílvia Gomez, o monólogo estrelado por Andréa Beltrão estreou em São Paulo após temporadas esgotadas no Rio de Janeiro, trazendo à cena a luta da advogada Mércia Albuquerque na defesa de presos políticos durante a ditadura.

O universo teatral brasileiro recebeu uma montagem de grande relevância; poucos entre tantos espetáculos em cartaz conseguem unir o pulsar e a nostalgia de forma tão marcante quanto “Lady Tempestade”. A peça, que promete um depoimento histórico feroz, encontra-se, na verdade, em um curioso exercício de autoafirmação, no qual a ironia parece mais uma máscara do que um discurso direto.

Andréa Beltrão brilha no papel de Mércia Albuquerque, pernambucana arretada, ativista e advogada de presos políticos. Não é todo dia que vemos uma peça que homenageia a coragem de personagens perseguidos por uma repressão que, hoje, parece tão urgente de ser lembrada, vide os relatos escabrosos, entre outros, do longa “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, ganhador do nosso primeiro Oscar de filme estrangeiro.

A peça parece querer dialogar com o espectador ou melhor, com quem deseja se lembrar de que direitos e liberdades são frágeis e devem ser preservados a qualquer custo. A crítica social, que poderia ser o grande destaque, fica diluída em maneirismos que mais parecem uma tentativa de suavizar uma mensagem pesada, em vez de aprofundar o tema em si. Ainda assim, há um respeito implícito por tudo aquilo que Mércia simboliza: resistência, coragem e a luta por liberdade.

“Lady Tempestade” funciona, talvez, mais como uma homenagem ao espírito de resistência do que como uma crítica ousada ou inovadora e nos convida a refletir sobre o passado, a resistência e o papel do artista na sociedade, de uma maneira que mescla respeito e uma pitada de ironia. É uma homenagem, sim, àqueles que enfrentaram a censura e a repressão, mas também uma confirmação de que Andréa Beltrão, assim como seus personagens, permanece eternizada na memória cultural brasileira — navegando sempre com um sorriso no rosto, mesmo diante das tempestades mais assustadoras.

Ela falou com o DCM:

DCM – Como Mércia Albuquerque motivou você a aceitar o papel na peça “Lady Tempestade”?

Andréa Beltrão – Para contar a história de Mércia Albuquerque fizemos uma pesquisa grande e quando partimos para a sala de ensaio começamos a trabalhar na peça. Contar a história de Mércia foi a nossa motivação principal.

Passar a limpo os últimos 60 anos no Brasil parece fundamental para que possamos viver em paz com nosso passado. Vide as premiações em Cannes e Los Angeles com Wagner Moura, Walter Salles, Kleber Mendonça e Fernanda Torres. O Brasil precisa continuar a levantar esse tapete e chamar a classe artística para ajudar nessa faxina?

Andréa Beltrão – É excelente ter liberdade para contar as histórias, todas elas. Sejam quais forem. O cinema brasileiro está num momento sensacional. Os filmes “Ainda estou aqui”, “Agente Secreto”, “Manas”, “O último azul”, assim como “Lady Tempestade” no teatro, contam sobre o período da ditadura, mas não só. Para além do relato histórico, são filmes, peças, livros, músicas, muitas coisas, e trazem também a opinião de quem está contando a história. Muitas maneiras de falar e de pensar sobre um assunto, isso é maravilhoso.

Ter seu filho no palco é a oportunidade de mostrar, trabalhando e dividindo seu ofício com uma nova geração, um Brasil que jamais poderia ter sido calado e oprimido. Conte um pouco dessa experiência em família

Estar em cena com Chico Beltrão, meu filho, é emocionante. Temos uma ligação em cena muito segura, quando acertamos ou quando erramos. Estamos juntos executando o nosso trabalho. A idéia de convidar o Chico partiu da Yara de Novaes, que percebeu que teria muita força a presença dele no palco contando a história de Mércia.

“Lady Tempestade” virou filme, já está gravado por completo? Ele vai transportar a mesma linguagem do palco para a tela ou será diferente?

Andréa Beltrão – O filme já está “na lata”, ou seja, filmado. Agora está sendo editado. Baixíssimo orçamento, muito independente.

Mércia morreu no primeiro ano de governo Lula (2003). Não teve a oportunidade de viver o golpe na presidenta Dilma e a malfadada e espúria tentativa de 8 de janeiro de 2023. Na sua leitura, o Brasil tem capacidade de se reinventar? O julgamento em curso dos golpistas vai surtir efeito ou viveremos períodos de nebulosidade novamente?

Aqui no Brasil estivemos à beira do precipício no dia 08 de janeiro de 2023. A extrema-direita está avançando pelo mundo todo. Sou esperançosa e pessimista.

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Last Update: 05/06/2025