
Por Ana Oliveira e Felipe Borges
Pragmatismo Político
A morte da jovem Luana Campos Carneiro, de 25 anos, abalou o município de Figueira, no Norte Pioneiro do Paraná. Internada em estado grave após uma tentativa de suicídio, Luana não resistiu e faleceu na última quinta-feira (28). Segundo relatos de pessoas próximas, a jovem havia perdido cerca de R$ 140 mil no conhecido “Jogo do Tigrinho”, uma plataforma de apostas online com aparência lúdica, mas funcionamento devastador.
Luana teria recebido recentemente o valor como parte de uma herança. Aos poucos, investiu tudo no jogo — um tipo de caça-níquel digital que se disfarça sob estética infantilizada, mas vicia com rapidez e eficiência. “Ela se viu sem o dinheiro e com dívidas. Ficou desesperada e acabou acontecendo o pior. É algo muito triste, era uma pessoa de bom coração e muito linda, com a vida toda pela frente”, disse, sob anonimato, uma amiga da jovem à reportagem.
O corpo de Luana foi velado sob forte comoção. A tragédia reacendeu um debate cada vez mais urgente no Brasil: o crescimento alarmante dos casos de vício em jogos de azar online, especialmente entre jovens de baixa ou média renda.
Um drama que se repete
A morte de Luana não é isolada. Em agosto deste ano, Lourival Guarnieri, de 52 anos, também tirou a própria vida em Santana do Itararé, a cerca de 120 km de Figueira. Ex-funcionário público, acumulou mais de R$ 100 mil em dívidas com apostas.
Sua esposa, Arlete de Lourdes Azevedo, contou à Folha do Norte Pioneiro que o jogo surgiu como distração após um problema de saúde. “No começo, ele até ganhou algum dinheiro, o que fez com que se envolvesse cada vez mais. Depois, vieram as dívidas”, relatou.
Segundo ela, Lourival chegou a prometer que iria parar, mas não conseguiu. “Acredito que ele estava preocupado em esconder da família que não tinha parado ou que tinha mais dívidas.”
Outro caso, ainda mais brutal, aconteceu em março deste ano, em Bandeirantes: um homem matou a ex-companheira e a enteada de 15 anos após o término do relacionamento, motivado por perdas financeiras em jogos de aposta. A mulher havia rompido após descobrir a extensão das dívidas do ex-parceiro com apostas online.
A armadilha digital dos jogos de azar
O “Jogo do Tigrinho”, apesar do nome inofensivo e da estética colorida, segue a lógica dos cassinos: ganhos aleatórios, perdas frequentes e a promessa enganosa de que insistir leva ao acerto. No Brasil, esse tipo de jogo opera em um limbo legal, com servidores hospedados no exterior e influenciadores digitais sendo pagos para promovê-los como oportunidades de lucro fácil.
O psicólogo Douglas Borges, especialista em vício em jogos, alerta que esses aplicativos são pensados para explorar o sistema de recompensa cerebral. “Eles oferecem pequenas vitórias, criando uma ilusão de controle. Isso desencadeia um ciclo de dependência. A pessoa joga mais para recuperar o que perdeu ou porque acredita que está perto de um grande prêmio.”
Da euforia ao desespero
O especialista explica que os casos extremos, como o de Luana, decorrem da perda total de controle emocional e financeiro. “A pessoa começa a sentir culpa, vergonha e medo das consequências. Quando somado a quadros como depressão ou ansiedade, o desfecho pode ser trágico.”
Douglas também orienta familiares e amigos a estarem atentos a mudanças no comportamento: isolamento, irritabilidade, excesso de sigilo sobre dinheiro, atrasos em contas, pedidos inesperados de ajuda financeira e negligência com atividades rotineiras. “É essencial oferecer apoio e buscar ajuda profissional o quanto antes”, afirma.
Legislação e omissão
A popularização de jogos como o “Tigrinho” também evidencia a omissão do poder público diante do vício digital disfarçado de entretenimento. Influenciadores com milhões de seguidores continuam promovendo esses aplicativos, muitas vezes sem qualquer transparência sobre os riscos envolvidos. As perdas não são apenas financeiras — são emocionais, sociais e, cada vez mais, irreversíveis.
Se você está enfrentando sofrimento psíquico ou pensando em tirar a própria vida, procure ajuda. O CVV (Centro de Valorização da Vida) oferece apoio gratuito, 24 horas por dia, pelo número 188 ou pelo site cvv.org.br.
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