Menos de um mês depois de ser condenada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, Carla Zambelli anunciou a uma rádio bolsonarista, na terça-feira 3, que “deixou o Brasil” sem data para voltar. A revelação levou a Procuradoria-Geral da República a solicitar – e o ministro Alexandre de Moraes determinar – o bloqueio de bens, a prisão preventiva e a inclusão do nome da deputada na lista de difusão vermelha da Interpol. Um movimento tardio.
Zambelli possui cidadania e passaporte italianos. Esse último, espantosamente, não foi confiscado pela Justiça após ela ser sentenciada a dez anos de reclusão por contratar um hacker para invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça. “Sou intocável na Itália”, zombou a parlamentar em entrevista à CNN. Não exatamente. Especialistas apontam precedentes que justificariam a extradição.
Na ocasião, ela confirmou o roteiro de sua fuga. Primeiro, saiu de carro de São Paulo até Foz do Iguaçu. Na sequência, atravessou a fronteira com a Argentina e seguiu até Buenos Aires. De lá, embarcou em um voo para Miami, nos EUA. Foi dessa cidade que Zambelli falou com a emissora de tevê, acrescentando que já estava com voo agendado para Roma.
Tecnicamente, a deputada não era considerada foragida, já que não havia mandado de prisão expedido contra ela no momento em que deixou o País. Em 2023, o ministro Alexandre de Moraes chegou a determinar a retenção de seu passaporte durante as investigações sobre a invasão ao sistema do CNJ, mas o documento foi devolvido. Inicialmente, ela ainda tentou sustentar a história de que viajou em busca de tratamento médico, mas logo depois admitiu ter recorrido à rota argentina para escapar do radar da PF.
Antes de se escafeder, Zambelli ainda teve tempo de se consultar com um especialista em fugas – Allan dos Santos, foragido desde 2021 –, de arrecadar 285 mil reais em uma “vaquinha” com apoiadores, de transferir a titularidade de suas contas nas redes sociais para a mãe e de emancipar o filho de 17 anos. Tudo isso sem levantar suspeitas da PF, da PGR ou do STF. Agora, ela promete seguir os passos de Eduardo Bolsonaro e denunciar a “ditadura brasileira” às lideranças da extrema-direita europeia, a começar pela premier italiana, Giorgia Meloni. O Brasil perde uma detenta e ganha uma nova “exilada”.
Acabou a encenação
Chega ao fim a fase dos depoimentos coreografados na ação penal da trama golpista. Nada de testemunhas chamadas apenas para exaltar os acusados, como fez o governador Tarcísio de Freitas, ao afirmar que Bolsonaro estava “triste e resignado” após a derrota nas eleições de 2022. A partir da segunda-feira 9, será a vez de os réus responderem em juízo. Os interrogatórios no STF começam com Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens do ex-presidente. Em seguida, os demais envolvidos no “núcleo crucial” do golpe – como o almirante Almir Garnier, o general Braga Netto e o próprio Bolsonaro – estarão frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes.
Rio de Janeiro/ A polícia cria um herói
MC Poze do Rodo é ovacionado por multidão ao ser libertado de Bangu

A prisão vexatória só aumentou a popularidade do funkeiro carioca – Imagem: José Lucena/TheNews/Estadão Conteúdo
Se a Polícia Civil do Rio de Janeiro pretendia angariar aplausos ao expor MC Poze do Rodo de forma vexatória – algemado, sem camisa e descalço – o tiro saiu pela culatra. Libertado na terça-feira 3 por decisão da Justiça, o funkeiro foi recebido como herói por cerca de 300 fãs, amigos e familiares na porta do Complexo Penitenciário de Bangu. Desde a madrugada, carros de som e vozes afinadas aguardavam sua saída em clima de festa. Ao deixar a cadeia a pé, acompanhado dos advogados, o cantor foi ovacionado – mesmo após policiais tentarem dispersar a multidão com cassetetes, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.
Marlon Brendon Coelho Couto da Silva, nome de batismo do artista, é acusado de envolvimento com o crime organizado. Segundo a Polícia Civil, seus shows em comunidades cariocas seriam financiados pelo Comando Vermelho, com o objetivo de promover a facção e impulsionar a venda de drogas. Os bailes teriam presença ostensiva de traficantes armados de fuzis e as letras de suas músicas fariam “apologia do crime” – acusação recorrente contra rappers e funkeiros que retratam a realidade das favelas em suas canções. No caso de Poze, pesa ainda o fato de sua esposa, a influenciadora Viviane Noronha, estar sob investigação por supostamente integrar o “núcleo financeiro” do CV, responsável por lavar 250 milhões de reais do tráfico de drogas e armas.
Ao conceder o habeas corpus, o desembargador Peterson Barroso Simão considerou desproporcional a prisão de Poze e criticou a condução do caso. Ele apontou “indícios que comprometem o procedimento regular da polícia” e mencionou o uso de algemas e a exposição midiática do suspeito como elementos que devem ser apurados. Destacou ainda que o cantor já havia sido investigado em processo semelhante, no qual foi absolvido em duas instâncias. A liberdade foi condicionada a medidas cautelares, como a proibição de manter contato com outros investigados, restrição de acesso a determinados locais e comparecimento periódico à Justiça.
No despacho, o magistrado acrescentou: “É preciso prender os chefes, aqueles que pegam em armas e negociam drogas. O alvo não deve ser o mais fraco, e sim os comandantes da facção temerosa, abusada e violenta”.
Cheiro de armação
Além da esposa de MC Poze do Rodo, a polícia fluminense apontou como suspeito de integrar o “núcleo financeiro” do Comando Vermelho o egípcio Mohamed Ahmed Elsayed Ahmed Ibrahim, que já foi investigado pelo FBI no passado por suposta ligação com a Al-Qaeda. À época, a apuração não deu em nada: Mohamed foi retirado da lista de foragidos em 2019, após prestar depoimento aos agentes norte-americanos. A revelação soa conveniente demais: surge poucas semanas depois de o governo Trump propor – e o Brasil recusar – a classificação de facções como o CV e o PCC como “organizações terroristas”. Desde então, bolsonaristas andam ansiosos para transformar o País no novo front da guerra ao terror dos EUA.
Lava Jato/ Toga pendurada
O CNJ condena o juiz Marcelo Bretas à aposentadoria compulsória

O magistrado ganhou tempo para reforçar os treinos na academia – Imagem: Redes Sociais
Marcelo Bretas terá tempo de sobra para se dedicar aos treinos na academia e ao ofício de coach, atividades que já conciliava com a toga desde os tempos da Lava Jato. Na terça-feira 3, o Conselho Nacional de Justiça decidiu por unanimidade aposentá-lo compulsoriamente, a maior punição administrativa prevista para um juiz. Enquanto esteve à frente dos processos da operação no Rio de Janeiro, o magistrado cometeu uma série de abusos: negociou delações – prerrogativa exclusiva do Ministério Público –, compartilhou informações sigilosas com um advogado e atuou para favorecer o então candidato Wilson Witzel nas eleições de 2018, ao antecipar o depoimento de um delator para prejudicar o adversário Eduardo Paes.
“É um conjunto de práticas inquisitivas e abuso de autoritarismo estatal que subverte a lógica do processo penal e que objetivava dar pouca ou nenhuma margem ao direito de defesa”, observou José Rotondano, relator de três processos administrativos contra o juiz da Lava Jato. “Todo o contexto faz parecer que havia um esquema extrajudicial armado em torno de produzir um determinado resultado de prejudicar pessoas e políticos”, acrescentou Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal. Afastado desde 2023, Bretas agora se aposenta com salário proporcional ao tempo de serviço. Ele ingressou na magistratura em 1997.
Chico passa bem
O cantor e compositor Chico Buarque, de 80 anos, passou por uma cirurgia no crânio na manhã da terça-feira 3, no Hospital Copa Star, Zona Sul do Rio de Janeiro. A operação foi realizada pelo neurocirurgião Paulo Niemeyer, com acompanhamento do clínico geral Antonio José Carneiro, para tratar um quadro de hidrocefalia – acúmulo de líquido nos ventrículos cerebrais. “Foi um procedimento simples, rápido, realizado esta manhã, para diminuir a pressão intracraniana. Chico já está de volta ao quarto e está ótimo. Fica em observação por um tempinho e deve ter alta em breve”, informou a assessoria do artista, esclarecendo que a intervenção estava programada. Dias antes, o cantor fez uma aparição-surpresa no show do amigo Gilberto Gil, que anunciou uma turnê de despedida dos grandes palcos neste ano.
Gaza/ Tiros contra famintos
Exército de Israel abre fogo contra palestinos À espera de comida

Apenas na terça-feira 3, a Cruz Vermelha reportou 27 mortes – Imagem: STR/AFP
Pelo terceiro dia consecutivo, tropas israelenses abriram fogo próximo a um ponto de distribuição de ajuda humanitária em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Somente na terça-feira 3, a Cruz Vermelha reportou a morte de 27 palestinos. Israel voltou a falar em “tiros de advertência”. Desde domingo 1º, mais de 60 pessoas morreram em episódios semelhantes, segundo equipes de saúde que atuam no território – Tel-Aviv nega ter atingido civis.
A crise agrava-se com o colapso da distribuição de alimentos, agora sob responsabilidade da recém-criada Gaza Humanitarian Foundation, organização privada apoiada por EUA e Israel, que opera em apenas quatro locais. Antes do bloqueio de 78 dias imposto pelo premier israelense, Benjamin Netanyahu, o sistema coordenado pela ONU mantinha cerca de 400 pontos. A fome atinge níveis sem precedentes.
“Exatamente por conta do que o povo judeu sofreu em sua história, o governo de Israel deveria ter bom senso e humanismo no trato com o povo palestino”, protestou Lula, em uma coletiva em Brasília. No fim de maio, Netanyahu condicionou o fim da guerra a um controverso plano de deslocamento forçado de palestinos para nações árabes, defendido pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
Coreia do Sul/ Novo rumo
Eleito presidente, o progressista Lee Jae-myung promete retomar diálogo com os vizinhos do Norte

Será o fim do alinhamento automático do país aos EUA? – Imagem: Redes Sociais
Ex-operário de fábrica, o advogado Lee Jae-myung, de 61 anos, foi eleito presidente da Coreia do Sul na terça-feira 3. Candidato do oposicionista Partido Democrático, de centro-esquerda, Lee venceu com 49,4% dos votos válidos, contra 41,1% de Kim Moon-soo, do governista Partido do Poder do Povo. A participação nas urnas foi de 79,4%, a maior em 28 anos, segundo a Comissão Nacional Eleitoral.
A derrota do governo reflete o profundo desgaste causado pela tentativa de autogolpe do então presidente Yoon Suk-yeol, que em dezembro passado decretou lei marcial e suspendeu a Assembleia Nacional, mergulhando o país em uma crise institucional. No discurso de vitória, Lee disse que sua prioridade será “superar a insurreição e assegurar que nunca mais haja um golpe militar com armas e espadas voltadas contra o povo”. O novo presidente também prometeu buscar diálogo com a Coreia do Norte e reaproximação com a China, sinalizando uma mudança de rumo na política externa sul-coreana, após anos de alinhamento automático com os EUA.
Lua de fel
Donald Trump perdeu um auxiliar e ganhou um opositor. Dias depois de deixar o comando do Departamento de Eficiência Governamental, conhecido pela sigla Doge, o bilionário Elon Musk passou a criticar abertamente o megaprojeto de lei orçamentária que o presidente tenta aprovar no Congresso, classificado como uma “abominação repugnante”. O texto prevê a prorrogação dos créditos fiscais adotados no primeiro mandato do republicano, o que, segundo analistas, pode aumentar o déficit federal em até 4 trilhões de dólares na próxima década. “Sinto muito, mas já não aguento mais”, publicou Musk em sua rede X, na terça-feira 3. “Esse projeto escandaloso e eleitoreiro sobrecarregará os americanos com uma dívida esmagadoramente insustentável.” O empresário era um dos conselheiros mais próximos de Trump, mas a lua de mel não tardou a desandar.
Holanda/ De volta ao impasse

Schoof classificou a decisão de Wilders como “irresponsável” – Imagem: Remko de Waal/AFP e Laurens Van Potten/AFP
O primeiro-ministro da Holanda, Dick Schoof, anunciou sua renúncia na terça-feira 3, poucas horas após o líder da ultradireita Geert Wilders retirar seu partido, o PVV (Partido pela Liberdade), da coalizão de governo. Até a realização de novas eleições parlamentares, ainda sem data marcada, um gabinete interino assume o comando do país. Saem os ministros ligados à legenda extremista, permanecem os titulares indicados pelas demais siglas.
Apelidado de “Trump holandês” e conhecido pelo discurso islamofóbico e xenófobo, Wilders liderou o PVV na vitória nas eleições de 2023, conquistando 37 das 150 cadeiras do Parlamento. Incapaz de governar sozinho, aceitou formar uma coalizão com outros partidos de direita, sob a condição de não ocupar o cargo de premier. A ruptura deu-se após divergências sobre políticas de imigração. “Nenhuma assinatura dos nossos planos sobre asilo. Nenhum ajuste ao acordo da coalizão. O PVV deixa a coalizão”, publicou Wilders. Ao renunciar, Schoof classificou a decisão do ex-aliado como “irresponsável e desnecessária”.
Publicado na edição n° 1365 de CartaCapital, em 11 de junho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’