O uso de drones está revolucionando a forma como as guerras são travadas. Assim como, no passado, o balão, o avião e o submarino mudaram o jeito de condução de operações militares, agora é a vez de esses pequenos veículos não tripulados e operados a distância alterarem profundamente o curso dos conflitos.

A efetividade dessas máquinas miniaturizadas ficou clara no domingo 1º, quando a Ucrânia lançou um enxame de drones do tipo quadricóptero FPV, sigla em inglês para “visão em primeira pessoa”, contra caças e bombardeiros estratégicos russos que estavam estacionados em solo, alguns a mais de 4 mil quilômetros da fronteira. Os drones ucranianos foram lançados a partir de caminhões que transportavam contêineres com tetos falsos, nos quais tinham sido fornecidos itens desses pequenos equipamentos, alguns dos quais com, no máximo, 40 centímetros de diâmetro e ­custo de 400 dólares por unidade.

“A regulamentação dos drones e dos sensores, feita com tecnologia de código aberto, faz com que os ataques de longo alcance sejam agora uma mercadoria disponível para quase todos os países e também para atores não estatais. Basta ter alguns milhões de dólares e o desejo de esticar a mão para atacar o seu oponente”, resumiu ao jornal norte-americano The New York Times Mick Ryan, general da reserva do Lowy Institute, centro de pesquisa criado em Sydney, em 2003, dedicado a análises políticas e militares.

A tendência não se prolifera apenas nas Forças Armadas regulares, mas também entre grupos armados organizados. Os rebeldes houtis do Iêmen lançaram, em setembro de 2019, dois ataques com drones contra instalações petrolíferas da Aramco, em Abqaiq e Khurais. A ação envolveu, provavelmente, uma dezena de drones, mas resultou no corte de 6% da capacidade mundial de produção de óleo bruto, o que fez o preço do produto subir 15% quatro meses depois.

Os cartéis de tráfico de drogas igualmente recorrem a esse novo método. Em janeiro de 2024, integrantes da La ­Familia Michoacana, do México, usaram drones para lançar explosivos contra os inimigos da facção Los Tlacos­. Cinco indivíduos foram carbonizados na cidade de Buenavista, no estado de ­Guerrero, de acordo com denúncia da Minerva Bello, ONG local de direitos humanos. Um ano mais tarde, em janeiro de 2025, cartéis mexicanos ordenaram ataques com drones contra agentes e postos de fronteira na divisa com os Estados Unidos. O governo mexicano anunciou o envio de 10 mil integrantes da Guarda Nacional para a fronteira norte-americana. Do lado oposto, Washington determinou a mobilização das Forças Armadas nesse contexto. O temido ataque transfronteiriço prometido pelos “drones dos cartéis” não chegou a acontecer, mas a mobilização dos efetivos de segurança dos dois países revelou um risco real.

Um dos fatores que tornam os drones atraentes é seu baixo custo. Alguns modelos podem ser comprados em qualquer loja de bugigangas eletrônicas. Basta um clipe de plástico para acoplar substâncias explosivas ou incendiárias. Os aparelhos são operados tanto por ­joystick quanto pelo celular. Outro elemento atrativo é a furtividade. Essas máquinas são discretas quando comparadas a qualquer outra aeronave disponível para a mesma função. Como o operador fica distante da cena, não há risco de vida. Além disso, como as guerras também são feitas de batalhas informacionais, os drones que captam e geram imagens em alta definição produzem um material de propaganda que faz sucesso nas redes sociais, colaborando para o esforço de guerra de quem os opera.

Aparelhos baratos, simples e pequenos mudaram os combates

A miniaturização e o barateamento são os passos mais recentes de uma indústria que floresceu nos anos 1990, com modelos mais robustos, como o norte-americano Predator. Esses aviões não tripulados chegam a carregar poderosos mísseis Hellfire de 45 quilos, guiados por mira a laser, com enorme poder de destruição, como verificado em numerosos ataques documentados no Afeganistão, Paquistão, Iêmen, Síria, Iraque, ­Djibuti, Líbia e Somália nas últimas três décadas. A impessoalidade das operações é outro fator que tende a aumentar o número de mortos em conflitos. O terceiro ano da guerra na Ucrânia é considerado o mais letal até agora. Esse aumento coincide com a explosão do uso de drones pelos dois lados. Fontes ucranianas dizem que mais de 70% das baixas no campo de batalha foram causadas por esse tipo de equipamento.

Embora os drones aéreos tenham se tornado mais conhecidos, existem máquinas que operam em ambientes submarinos e terrestres com as mesmas características. Algumas são manejadas a distância, enquanto outras têm um grau de autonomia quase total, exigindo intervenção humana apenas no momento crítico do disparo letal. Muitos se orientam com autonomia por GPS e selecionam seus alvos a partir de recursos de Inteligência Artificial, com base em parâmetros geográficos, de calor humano, sensores de movimento, tipo físico, reconhecimento facial ou padrões de comportamento.

Como se trata de um setor estratégico e sensível da indústria bélica, é difícil saber quais dos protótipos mais futuristas têm sido utilizados nos campos de batalha. Há modelos israelenses, entre eles o Elbit’s Lanius UAS, que pesa 1,25 quilo e tem o tamanho aproximado de uma pomba. O drone voa com o auxílio de quatro pequenas hélices e se desloca a uma velocidade máxima de 72 quilômetros por hora. Segundo a Elbit Systems, “o computador pode executar um plano de voo completo – decolagem, navegação e reconhecimento – sem intervenção do usuário”. O Lanius é normalmente lançado em bando: várias daquelas pequenas “pombas” entram em locais confinados, como um edifício. A máquina faz uma varredura ótica da construção, “entendendo” quais são seus pontos de entrada e saída. O veículo desloca-se sozinho entre cômodos e corredores. Se há uma porta fechada, ele assume um modo tocaia – aterrissa no chão e hiberna, em silêncio. Quando se defronta com alguém que abre a porta, ele explode.

A crescente automação e autonomia dessas peças traz consigo novos dilemas a respeito da robotização da guerra e do nível de controle sobre essas máquinas. Entre os especialistas de direito, surgem questões complexas sobre quem deve ser responsabilizado por um crime de guerra contra uma máquina com elevado grau de autonomia, se o programador, o operador, o fabricante, ou todos eles. •

Publicado na edição n° 1365 de CartaCapital, em 11 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Soldados remotos’

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Last Update: 05/06/2025