Enquanto setores da esquerda institucional concentram esforços para pressionar o Congresso, a direita avança com propostas que aprofundam a retirada de direitos trabalhistas. Nos corredores do Congresso Nacional e nas redes sociais ganha força uma proposta de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) articulada pela Frente Parlamentar do Comércio e Serviços como resposta à luta pelo fim da escala 6×1.
Apresentada pelo deputado federal Maurício Marcon (Podemos), a PEC já conta com 142 das 171 assinaturas necessárias para tramitar. Seu conteúdo altera o artigo 7º da Constituição, permitindo contratações por um modelo “flexível”, no qual o trabalhador recebe apenas pelas horas efetivamente trabalhadas.
Sob o nome enganoso de ‘PEC da Livre Negociação’, a proposta prevê que o trabalhador “escolha” entre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou uma jornada definida por contrato individual — ou seja, diretamente com o patrão, sem a proteção dos acordos coletivos.
Mas essa suposta liberdade é, na prática, a extinção de direitos históricos como o final de semana remunerado, o risco de trabalhar todos os dias da semana sem descanso, e a imposição de jornadas exaustivas em um mês e nenhuma garantia de salário no mês seguinte. É o trabalhador refém das necessidades do capital, submetido a uma lógica de exploração sem limite.
PEC da Alforria ou da Escravidão?
Apelidada pelos seus defensores de PEC da Alforria, a proposta escancara um projeto de escravidão moderna, um regime no qual o patrão tem poder total para impor condições de trabalho, enquanto o trabalhador perde direitos e não consegue negociar em pé de igualdade.
Como justificativa, o deputado Maurício Marcon, que já estava famoso pelas declarações xenófobas sobre nordestinos e nortenhos não entenderem de política, afirma:
Eu defendo a LIBERDADE, quem quiser trabalhar 7 dias por semana, como muitos vão para a Austrália ou para os EUA fazer, que tenha esse direito e quem quiser um trabalho no 5×2, 4×3 ou 0x7 que possa também fazer essa escolha”, pois “cada um cuida da sua vida e o Estado para de atrapalhar quem quer trabalhar e produzir ou quem quer folgar mais do que trabalhar.
Piada de mau gosto
Essa “liberdade de escolha” só beneficia os grandes conglomerados do comércio e serviços — setores extremamente concentrados nas mãos de poucos: Carrefour, Assaí, RaiaDrogasil, Pão de Açúcar, por exemplo, juntos faturaram R$ 239 bilhões em 2023. Também gigantes como Amazon e Mercado Livre se beneficiariam, podendo contratar quando houver demanda e descartar os trabalhadores no mês seguinte.
No Brasil, onde 82% dos trabalhadores do comércio e serviços em escala 6×1 ganham menos de 2 salários mínimos, segundo estudo do Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), que mostram também que entre mulheres negras, esse número chega a 90%, a suposta “liberdade” de trabalhar menos horas e receber ainda menos é uma farsa cruel.
A negociação individual entre patrão e trabalhador não é justa: quem tem fome e precisa pagar contas não pode dizer “não” às exigências do empregador. Recusar horas ou folgas significa perder o emprego e, sob esse modelo, o patrão pode demitir a qualquer momento, sem pagar direitos como aviso prévio, 13º ou multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
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O espelho da precarização mundial
Essa proposta não é novidade. É uma cópia de modelos precários já aplicados em outros países:
No Reino Unido, o contrato “zero hora” (Zero-Hours Contract) não garante sequer a quantidade mínima de horas. O trabalhador é chamado somente quando há demanda e pode passar o mês inteiro sem receber um centavo. Nos Estados Unidos, modelo reivindicado como exemplo para os proponentes da PEC, o contrato “at-will” permite a demissão a qualquer momento, sem justa causa e sem aviso prévio. O salário só é pago, evidentemente, pelo tempo efetivamente trabalhado.
No Brasil, com um gigante exército de desempregados e alta informalidade, o terreno está pronto para a uberização total. A PEC é a pá de cal: transforma o trabalho intermitente e os contratos individuais em regra, extinguindo direitos universais e precarizando ainda mais a vida de quem trabalha.
Um ataque sem precedentes a luta coletiva
O objetivo da patronal é evidente; querem desmontar os direitos trabalhistas e desarticular a luta coletiva. A lógica da PEC é a mesma do contrato Pessoa Jurídica (PJ): pode até haver um aumento no salário inicial, mas, no longo prazo, a perda de direitos, como férias, 13º, FGTS e horas extras, reduz a renda real.
Ao impor a negociação individual, a PEC enfraquece os sindicatos e as negociações coletivas. Se a categoria conquista reajustes, benefícios ou direitos, nada disso valerá para quem está sob contrato individual. A longo prazo, pode rebaixar ainda mais os salários e direitos, uma vez que não há mais universalidade de direitos como base mínima de contratação.
Para mulheres, negros e jovens, maioria nos contratos precarizados, a situação é ainda pior. Sem direitos coletivos assegurados, a vulnerabilidade é total.
A esquerda da ordem alimenta a lógica perversa do Congresso
Enquanto a direita avança com essa proposta de destruição de direitos, setores da esquerda institucional jogam as forças nas negociações no Congresso. O movimento Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), desde que a PEC foi protocolada em 25 de fevereiro, concentrou suas forças em pressionar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Hugo Motta, para pautar a PEC do fim da escala 6×1. Erika Hilton (PSOL-SP) chegou a defender que o rebaixamento da pauta pode ser necessário para que a PEC seja mais palatável à direita e empresários, deixando de lado a luta pela redução da jornada ou pela semana 4×3. Esse aceno para “negociar” com a direita, contudo, teve resultado inverso.
Enquanto a esquerda da ordem faz concessões, a direita propõe flexibilização total e a extinção da proteção legal aos trabalhadores. Lula, por sua vez, apesar de discursos contra a escala 6×1, não tomou nenhuma medida concreta — reforçando a narrativa de que o inimigo central é o Congresso e desarmando as manifestações e a luta nos locais de trabalho. Para o governo, se trata de uma pauta a serviço da sua estratégia puramente eleitoral em 2026.

Militância do PSTU participa do ato público pelo fim da escala 6×1 em Belém, capital do Pará | Foto: Roberto Aguiar/Opinião Socialista
Reduzir a jornada já para trabalhar menos e trabalhar todos!
Por isso, continuamos afirmando: o fim da escala 6×1 não basta! É preciso lutar pela redução da jornada de trabalho, sem redução de salários e direitos.
A conciliação com os interesses da patronal é impossível, essa luta precisa ser construída com independência de classe, pois enfrenta diretamente os interesses dos grandes capitalistas e seus lucros.
Lula, que enquanto faz discursos contra a escala 6×1 sustenta seu governo em acordos com a direita, acaba por deixa a porteira aberta para retrocessos como a PEC da escravidão. O mesmo se deu com o PL da Devastação, que transitou enquanto o PT apertava as mãos do agronegócio. A conciliação de classes desse governo ao invés de combater a ultradireita, tem a fortalecido.
Somente a organização da classe trabalhadora nas ruas, nos locais de trabalho e de estudo pode barrar a PEC da escravidão e avançar na redução da jornada de trabalho.