Estivadores do porto de Marselha-Fos anunciaram nesta quinta-feira (5) que estão bloqueando um contêiner com peças de metralhadoras que seriam embarcadas com destino ao porto de Haifa, em Israel. As peças foram fabricadas pela empresa francesa Eurolinks, sediada em Marselha. Em meio à guerra na Faixa de Gaza, o assunto é particularmente sensível.
A informação foi divulgada nesta quarta-feira (4) pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), sindicato ligado aos trabalhadores portuários e ao pessoal do golfo de Fos. Segundo comunicado publicado pela CGT nas redes sociais, os estivadores identificaram um contêiner com “peças de metralhadoras” e se recusam a carregá-lo no navio israelense.
O sindicato francês afirma ter sido alertado por diversas redes de que 19 paletes de “elos” fabricados pela Eurolinks seriam embarcados na tarde desta quinta-feira, saindo do porto de Marselha-Fos com destino ao porto de Haifa, em Israel.
CGT se recusa a “participar do genocídio” em Gaza
Poucas horas após as revelações, o sindicato dos estivadores de Fos-sur-Mer publicou um comunicado anunciando que a carga havia sido retida no porto. Após informar seus empregadores e as autoridades competentes, “conseguimos localizar o contêiner carregado com elos fabricados pela Eurolinks”, afirmou a CGT de Marselha no texto.
A venda — ou mesmo o envio indireto — de armamentos franceses para Israel vem gerando forte contestação na sociedade francesa, especialmente desde a intensificação da ofensiva israelense em Gaza após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023.
1. A dimensão humanitária do conflito
Organizações de direitos humanos, ONGs e parte da opinião pública denunciam o alto número de civis palestinos mortos em Gaza. A suspeita de que armamentos franceses possam estar sendo usados — direta ou indiretamente — por Israel alimenta críticas contra o governo francês, acusado por alguns de “cumplicidade” ou “silêncio diplomático”.
2. A tradição de engajamento sindical e operário
Sindicatos como a CGT, com forte presença em portos como o de Marselha-Fos, historicamente se posicionam contra o envio de armas a zonas de guerra ou regimes considerados opressores. A recusa dos estivadores em carregar o contêiner expressa essa tradição de solidariedade internacionalista.
3. A controvérsia sobre a “reexportação”
O governo francês afirma que peças como os “elos” produzidos pela Eurolinks são reexportadas a partir de Israel e não utilizadas diretamente pelo Exército israelense. Porém, essa justificativa é vista por críticos como ambígua ou insuficiente, já que a IMI (empresa israelense que recebe o material) é um dos principais fornecedores de armamento às Forças de Defesa de Israel.
4. A forte divisão interna na sociedade francesa
A França abriga a maior comunidade judaica da Europa e uma grande população de origem árabe e muçulmana. Isso torna o conflito israelo-palestino um tema extremamente sensível, capaz de gerar tensões sociais, manifestações e até incidentes de ordem pública no território francês.
14 toneladas de peças para metralhadoras
Segundo revelações dos sites investigativos Disclose (França) e The Ditch (Irlanda), um cargueiro da companhia israelense Zim faria escala em Fos-sur-Mer nesta quinta-feira, 5 de junho, para embarcar discretamente 19 paletes — cerca de 14 toneladas — de peças para metralhadoras. As peças, chamadas de “elos”, são utilizadas para conectar munições em armamentos automáticos.
Essas encomendas teriam sido feitas pela Israel Military Industries (IMI), subsidiária da empresa Elbit Systems, uma das maiores fornecedoras de armamentos do país e que se apresenta como “fornecedora exclusiva das Forças de Defesa de Israel (Tsahal)”. A empresa abastece o exército israelense com munições de pequeno e grande calibre.
Terceira remessa desde o início de 2025
De acordo com a investigação, esta é a terceira remessa semelhante enviada de Fos para Haifa em 2025.
Na primeira, em 3 de abril, o cargueiro Contship Era transportou 26 paletes, quase 20 toneladas, também destinadas à IMI. A segunda ocorreu em 22 de maio, com o envio de dois milhões de elos: metade do tipo M9 (para armamentos pesados) e metade M27.
O presidente da Eurolinks, Jean-Luc Bonelli, foi contatado diversas vezes por jornalistas da Disclose, mas não respondeu.
Procurado pelo site Franceinfo, o Ministério das Forças Armadas da França declarou que os equipamentos não são utilizados diretamente por Israel, mas apenas reexportados a partir do país.
Apoio de parlamentares e partidos de esquerda
Vários representantes de partidos de esquerda manifestaram apoio e solidariedade aos estivadores de Marselha nas redes sociais.
“Quero saudar a coragem deles, é um ato histórico de resistência pela paz”, escreveu no X Samia Ghali, vice-prefeita de Marselha. O senador comunista do departamento de Bouches-du-Rhône, Jérémy Bacchi, também elogiou a decisão dos trabalhadores de “recusar o carregamento das peças de metralhadora destinadas ao Exército israelense”.
O apoio foi reforçado por membros locais do partido França Insubmissa, como Manuel Bompard e Raphaël Arnault, além do próprio chefe da sigla, Jean-Luc Mélenchon, que pediu um “embargo imediato às armas do genocídio”.
Um ato público de apoio aos estivadores está previsto para esta quinta-feira, às 18h, na praça Joliette, em Marselha.
(Com agências)