A mão pesada da Justiça brasileira caiu nesta semana sobre um comediante: o humorista Leo Lins foi condenado a cumprir oito anos de prisão em regime fechado e a pagar uma multa de R$ 1,4 milhão e uma indenização de R$ 303,6 mil a título de “danos morais coletivos”. O destino desse dinheiro, informação não divulgada, seriam entidades de defesa de direitos das minorias afetadas pelo Stand-Up Comedy do artista, cuja filmagem, antes de ser excluída do YouTube, angariou três milhões de visualizações.

O crime de Leo Lins foi contar suas piadas, que, segundo a imprensa burguesa, os identitários e o Judiciário, são “ataques contra minorias”. Não à toa, na CNN Brasil, o fato é descrito nestes termos: “No vídeo […] alvo de investigações sobre preconceito e discriminação, o humorista faz uma série de piadas contra negros, idosos, obesos, soropositivos, homossexuais, povos originários, nordestinos, evangélicos, judeus, além de pessoas com deficiência”. O jornalista inova ao criar a expressão “piada contra alguém”. Antigamente se dizia “piada de português”, piada disto ou daquilo, não “contra”.  Da mesma forma, críticas passaram a ser chamadas de “ataques”. Tudo isso contribui para o clima de criminalização das relações sociais. Somos todos criminosos em potencial.

A imprensa burguesa geralmente se limita a noticiar que alguém “cometeu ato preconceituoso”, incorporando ao relato da notícia o atributo da condenação. Com algum empenho, conseguimos descobrir qual foi exatamente o ato considerado criminoso – no caso, as perigosas piadas, que hoje rivalizam com o Mein Kampf, de Adolf, obra de circulação proibida muito antes da fúria canceladora aportar por aqui.

Bem, um dos “ataques” de Leo Lins diz respeito a uma comparação que ele fez entre a cidade de Jacareí, onde ele apresentava seu espetáculo, e uma cabeleireira transexual. Lembrando que a cidade surgiu como um povoado denominado Nossa Senhora da Conceição da Paraíba e teve o nome mudado para Jacareí, disse que o mesmo se dera com a pessoa que nasceu Jurandir e virou Babalu, apelido da referida cabeleireira, cujo nome é Whitney Martins. Estaria, assim, cometendo um crime de “transfobia” – esse suposto crime não está inscrito em legislação, mas foi incorporado por analogia ao crime de injúria racial.

A lei da injúria racial, aprovada logo no início do atual governo Lula, dá um passo além da Lei Afonso Arinos, contra o racismo. Sua preocupação é tipificar a ofensa por meio de palavras, que seria mais grave que atos concretos de discriminação racial. Mais ainda: “os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”. Esse tipo de legislação trata a sociedade como alunos de um colégio interno: escreveu, não leu, o pau comeu.

Mas resta saber a quem interessa trancar o humorista por oito anos em uma prisão. Estaria o seu público, todos aqueles que riram de suas piadas ou que pagaram para ouvi-las, imunes à condenação? Segundo a legislação identitária, ele estaria praticando “discurso de ódio”, ou seja, estaria incitando a população a oprimir as minorias. Será? Como comprovar uma coisa dessas? O problema é que, no código identitário, ninguém precisa provar nada – não admira que o Judiciário tenha abraçado essa perspectiva, que, ao fim e ao cabo, lhe confere ainda mais poderes para punir à vontade, sob justificativas cada vez mais fluidas. Uma velha máxima latina dizia “Ridendo castigat mores”, ou seja, rindo se corrigem os costumes. Segundo os antigos, a sátira refletia as mazelas da sociedade e, ao apontá-las, fazia pensar; na lei identitária, a sátira produz as mazelas.

Esse caso, como muitos outros que envolvem censura, tem uma espécie de “efeito pedagógico”. É uma punição exemplar, cuja consequência é calar todas as pessoas. Sob risco de ser filmado e de produzir prova contra si mesmo, quem se atreverá a contar uma reles piada no churrascão descontraído do fim de semana? Cria-se o clima de terror. Melhor calar; de preferência, melhor nem pensar, pois quem pensa quer falar.

Essa mesma lei tem dado o argumento para coibir qualquer crítica ao estado sionista de “Israel” e ao massacre que vem perpetrando em Gaza. Alega-se “antissemitismo”, ou seja, criticar o genocídio na Palestina é, paradoxalmente, ser racista, segundo o uso que se tem feito dessa mesma lei que criminaliza piadas. O pretexto para a aprovação desse texto era a proteção da população negra, o que animou a esquerda pequeno-burguesa, mas foi um Congresso direitista que a aprovou. Por que será?

Calar pessoas é o mote da semana. O STF retomou o julgamento do processo que discute o artigo 19 do Marco Civil da Internet, segundo o qual é necessário haver ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo ofensivo ou ilícito para que haja responsabilização de provedores e plataformas de internet e de redes sociais.  Também volta a julgar o recurso que discute o dever de fiscalização das empresas que hospedam sites na internet para a retirada de “conteúdo sensível” do ar sem a necessidade de ordem judicial.

Não por acaso, a Rede Globo exibiu no seu principal telejornal, na véspera da retomada do julgamento no STF, uma matéria em que mostrava a internet cheia de golpes, de anúncios mentirosos, de formas de enganar os incautos – e concluía, com a ajuda de uma “especialista”, que decisão judicial demora muito e que, por esse motivo, não seria a forma adequada de impedir os crimes. Bastaria, então, uma denúncia de qualquer pessoa para que a plataforma se visse demandada a retirar do ar a publicação, sob pena de ser ela própria responsabilizada criminalmente.

Embora, malandramente, a reportagem da Rede Globo não se dê ao trabalho de mostrar os outros aspectos da questão, fazendo jus ao seu padrão Globo de manipulação, na prática, as “injúrias” de todo tipo é que serão denunciadas. Como falar é crime no Brasil desde que alguém não goste daquilo que foi dito, já podemos antever a censura prévia que as redes teriam de fazer para não arcarem com multas milionárias, cujo destino é incerto e pouco sabido. Além disso, ao mesmo tempo, investe-se pesado na autocensura com punições exemplares como a do humorista. E ainda há gente na esquerda que se contenta com essa “defesa da democracia”, que logo vai mostrar a que interesses, de fato, serve.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 05/06/2025