Espetáculo Tardio e Inútil
Por Marcelo Zero*
O ataque por drones ucranianos contra aeródromos russos causou grande alarde.
Causou alarde não só pela ousadia, mas também fato de ter atingido bases aéreas russas muito distantes da fronteira da Rússia com a Ucrânia, como a de Murmansk, já na zona Ártica, e a de Irkutsk, em plena Sibéria.
Os ataques teriam realizados por pequenos drones, de curto alcance, que teriam sido transportados por caminhões para dentro de território russo. Seriam os chamados Drones FVP (First Person View), o mesmo tipo de drone que se usa para se fazer imagens aéreas, em uso recreativo.
Embora o ataque tenha produzido grande valor propagandístico, não deverá ter impacto positivo, na posição ucraniana no campo de batalha. Ademais, os danos causados teriam sido exagerados, segundo fontes russas.
Segundo tais fontes, o número de aeronaves seriamente danificadas ou destruídas teria sido de apenas 10; e não 40, como se divulgou. De qualquer moda, deverá ocorrer alguma retaliação russa, agravando o conflito.
Na linha de frente, a situação continua a favorecer os russos. Segundo o site Moon of Alabama, “durante a última semana de maio, as forças russas tomaram 18 assentamentos e mais de 200 quilômetros quadrados. Nas últimas 24 horas, pelo menos outros 3 assentamentos mudaram de mãos. O exército ucraniano não é mais capaz de manter suas linhas de defesa. Sua situação está se deteriorando dia a dia.”
No sábado, “um ataque com míssil russo atingiu um campo de treinamento militar ucraniano. Cerca de 100 soldados morreram ou ficaram feridos. Foi a segunda vez que o campo foi atingido. Outras aglomerações de forças ucranianas já haviam sofrido o mesmo destino. Ainda assim, as forças ucranianas além da linha de frente continuam se agrupando para se tornarem alvos de armas de longo alcance.”
Esse é o problema da Ucrânia: continua a perder homens e território de forma sistemática. Em breve, não terá mais como repor suas perdas humanas ou como tentar recuperar os territórios perdidos. Ações de guerrilha não deverão mudar esse desequilíbrio estratégico e estrutural.
No entanto, uma questão que não ficou esclarecida foi a da participação, ou não, dos EUA no ataque, que fora concebido, em tese, 18 meses antes, ou seja, ainda no governo Biden.
Os EUA alegam não terem sido informados sobre esse ataque a ativos estratégicos (nucleares) russos.
A alegação não parece de todo plausível. Como afirma o ex-agente da CIA Larry Johnson:
Na minha opinião, nenhum desses ataques poderia ter sido planejado e executado sem a assistência, se não o envolvimento direto, de oficiais de inteligência ocidentais e da OTAN. Os drones provavelmente foram ativados por um sinal remoto possibilitado por satélites ocidentais e/ou sistemas como o Starlink. Esses sistemas também desempenharam um papel crítico ao permitir que os drones navegassem até os aeródromos alvos.
Essa afirmação aparentemente tem relação consistente com as informações atuais sobre o estágio de tecnológico geral dos drones da Ucrânia.
O CEO de um fabricante ucraniano de drones declarou, no verão de 2024, que os desenvolvedores ucranianos não conseguiram desenvolver sistemas de visão com rapidez suficiente devido a algoritmos de orientação fracos.
O CEO também observou que a implantação de guerra eletrônica russa ao longo da linha de frente, em vez de perto do alvo, tornou difícil manter a conectividade com os drones após o lançamento.
Um fabricante ucraniano de drones, que vem testando drones com “visão de máquina” há quase dois anos, declarou em maio de 2025 que a tecnologia para esses drones ainda é “crua” e funciona “mediocremente” em drones táticos usados ao longo das linhas de frente.
O desenvolvedor observou que a orientação terminal normalmente funciona em drones de asa fixa que voam distâncias maiores, mas que as forças ucranianas ainda têm dificuldades para colocar quadricópteros com “visão de máquina “ dentro do alcance de um alvo russo no campo de batalha.
O desenvolvedor acrescentou que esses drones também têm problemas de homing ao seguir alvos em movimento e que as câmeras de drones com visão em primeira pessoa (FPV) são incapazes de reconhecer alvos a distâncias de 500 metros.
Se essas informações forem verdadeiras, é verossímil supor que esses drones possam ter contado com a ajuda de sistemas satelitais estadunidenses para chegarem ao alvo.
Independentemente disso, é difícil se acreditar que o ataque, feito em meio às negociações impulsionadas pelos EUA, não tenha sido informado e tido o “ok” da inteligência de Washington.
Como todos se lembram, Trump estava furioso com Putin pelo pouco avanço nas negociações e com os ataques recentes.
Mas é muito pouco provável que o ataque e o recente uso de outras táticas de guerrilha por parte da Ucrânia mudem as condições do cessar-fogo.
A Rússia, evidentemente, não vai renunciar ao território conquistado e à neutralidade da Ucrânia.
Já a Ucrânia, sem a ajuda substancial dos EUA, está numa posição de crescente fragilidade e não se sustentará apenas com a ajuda da Europa, a qual poderá acabar rapidamente, dada à situação econômica do continente europeu.
Aliás, neste próximo dia 6, terminam as concessões tarifárias da UE para a Ucrânia. Serão renovadas? Difícil dizer, face às grandes resistências dos agricultores da europeus.
Goste-se ou não, o fato é que a Ucrânia perdeu a guerra.
E, a cada dia que passa, a situação da Ucrânia se degrada. Se tivesse aceitado o acordo proposto em abril de 2022, a Ucrânia estaria em melhor situação e teria evitado centenas de milhares de mortes. Foi convencida a persistir na guerra, para depois ser abandonada por Trump.
Assim, apesar do grande espetáculo midiático que foi o ataque dos drones, o qual dificilmente se repetirá, Zelensky está numa encalacrada estratégica: se quiser continuar com a guerra, vai continuar a perder homens e território; se estiver disposto a terminá-la, terá de aceitar as condições da Rússia, ou a maioria delas.
Trump e a Europa, ao que tudo indica, não conseguirão salvá-lo.
Essa guerra, que vinha se gestando desde a década de 1990, poderia ter sido evitada, caso as preocupações defensivas da Rússia tivessem sido levadas a sério. Qualquer analista realista e honesto sabe disso.
Agora é tarde.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.