A inclusão de Carla Zambelli (PL-SP) na difusão vermelha da Interpol pode ter um efeito mais simbólico do que prático, ao menos por enquanto. Embora a medida seja um passo formal na tentativa de prender a deputada federal, a extradição para o Brasil dependerá de decisões políticas de outros países. Essa é a avaliação do advogado Acácio Moura, especialista em Direito Penal Internacional.

Zambelli fugiu do Brasil semanas após ser condenada pelo Supremo Tribunal Federal a dez anos de prisão no caso da invasão a sistemas do Conselho Nacional de Justiça.

Nesta quarta-feira 4, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal realize os procedimentos necessários para incluir a parlamentar no banco internacional de procurados. A solicitação já chegou à Interpol.

“A extradição também envolve um critério político, que pode pesar na decisão final do Executivo em uma possível extradição. Não há fórmula exata sobre essas decisões”, disse Moura a CartaCapital. 

Os trâmites desse processo são delicados, a começar pela necessidade de um órgão colegiado da Interpol aprovar o pedido da PF. Caberá ao conselho avaliar, por exemplo, se a solicitação tem motivação “política, religiosa, racial ou militar”, o que é proibido pela organização. No caso do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, o pedido das autoridades brasileiras foi barrado por esse entendimento.

Na maioria dos casos, os fugitivos listados na Interpol respondem a crimes como tráfico internacional de drogas, homicídio, abuso de crianças, estupro, entre outros. A chamada difusão vermelha funciona como um alerta: se a solicitação da PF for aceita, todos os países signatários do tratado que criou a organização internacional de polícia passarão a ser notificados sobre a ordem de prisão.

Se Zambelli entrar em outro país, os sistemas de fronteira automaticamente a identificarão como procurada pela Justiça brasileira. Se a nação for signatária da Interpol e mantiver acordos de reciprocidade com o Brasil, a deputada poderá ser detida de forma preventiva.

“Na sequência, o Judiciário local decide sobre a legalidade da prisão e, se houver base, o caso será encaminhado ao Executivo para decidir se entrega ou não [ao país de origem]”, acrescenta Moura, doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa. A princípio, diz ele, o cargo de Zambelli não altera em nada esse trâmite processual.

A bolsonarista informou ter deixado o Brasil para se firmar na Europa e denunciar o que considera abusos do STF. Na decisão desta quarta, Moraes argumenta, por sua vez, que a viagem é uma tentativa de escapar da aplicação da lei.

A equipe de Zambelli informou que ela está na Flórida, nos Estados Unidos, após embarcar em um voo na Argentina. Ela teria passado pela alfândega brasileira pela rota terrestre na Tríplice Fronteira.

Nos pronunciamentos após a fuga, Zambelli declarou que planeja morar na Itália, onde tem cidadania — e, por isso, estaria a salvo de uma ordem de prisão. Para o especialista em Direito Internacional, essa premissa está equivocada.

“Brasil e Itália têm um acordo de extradição mútua, vide o caso de Cesare Battisti. Mesmo sendo naturalizada — e não cidadã nata —, a legislação brasileira e precedentes jurídicos apontam que isso não impede uma possível extradição”, observa Moura.

Ele aponta, contudo, que a afinidade ideológica entre Zambelli e o governo da Itália pode ser um ponto crucial nessa discussão. Chefiado desde 2022 por Giorgia Meloni, líder do partido de ultradireita Irmãos da Itália, o país atravessa um momento político marcado por valores “conservadores”, nacionalismo e discurso anti-imigração.

Como Zambelli, Meloni ganhou destaque com um discurso fortemente ancorado em pautas morais, religiosas e “contra o sistema”. Ambas se apresentam como defensoras da “família tradicional”, são críticas das agendas progressistas e mantêm um discurso de enfrentamento às instituições.

O entendimento do Ministério Público da Itália, por outro lado, pode atrapalhar os planos de Zambelli. Em 2014, a cidadania italiana do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato não era uma “condição suficiente” para impedir que ele fosse extraditado e cumprisse uma pena de prisão no Brasil. Ele havia sido condenado pelo STF a 12 anos e sete meses de prisão, mas viajou à Itália.

Pizzolato argumentou ter sido alvo de perseguição política e apostou na tese de que, por ter nacionalidade italiana, poderia evitar uma extradição. O MP italiano, no entanto, endossou os pedidos das autoridades brasileiras. Depois de uma longa batalha judicial, ele foi deportado para o Brasil, onde cumpriu a pena na Penitenciária da Papuda, em Brasília.

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Last Update: 04/06/2025