Durante negociações realizadas em Istambul, na Turquia, a delegação da Rússia apresentou um documento à Ucrânia com as condições que considera necessárias para a assinatura de um acordo de paz.
A proposta, descrita em um memorando obtido pela emissora RT, estabelece exigências territoriais, militares e políticas como pré-requisito para o fim do conflito.
O texto está estruturado em três seções principais: critérios para um “acordo final” entre os dois países, medidas voltadas ao estabelecimento de um cessar-fogo e uma “folha de rota” com etapas unilaterais a serem adotadas por Moscou.
No campo territorial, a Rússia solicita que a Ucrânia reconheça oficialmente a soberania russa sobre cinco regiões atualmente em disputa: Donetsk, Lugansk, Kherson, Zaporozhye e Crimeia. Esses territórios foram anexados após referendos organizados pela Rússia em 2014 e 2022. Os pleitos são considerados ilegítimos por Kiev e pela maioria dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
A proposta também exige a retirada total das Forças Armadas ucranianas, bem como de quaisquer milícias, desses territórios.
Outro ponto central é a exigência de neutralidade da Ucrânia no cenário internacional, o que implicaria na renúncia formal à entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Além disso, o país deveria revisar tratados e acordos que contrariem tal condição de neutralidade.
Em relação a armamentos, o documento requer garantias da Ucrânia de que não manterá, adquirirá, permitirá o trânsito ou instalará armamento nuclear em seu território. O país também precisaria assumir um compromisso permanente de desnuclearização.
A proposta apresentada por Moscou determina ainda restrições sobre o tamanho das forças armadas ucranianas, sem especificar quantidades. Adicionalmente, solicita o desmantelamento de grupos armados nacionalistas atualmente integrados às Forças Armadas e à Guarda Nacional da Ucrânia.
No campo social e cultural, o memorando inclui demandas por proteção à população de origem russa na Ucrânia. Entre os pontos citados estão a oficialização da língua russa, a cessação de ações contra a Igreja Ortodoxa Ucraniana vinculada a Moscou e a proibição de propaganda nazista e de grupos de orientação nacionalista.
Outro item da proposta exige que tanto a Rússia quanto a Ucrânia renunciem a qualquer solicitação futura de reparações econômicas decorrentes da guerra, inclusive avaliações financeiras de danos materiais ou institucionais.
Para a implementação de um cessar-fogo, o documento oferece duas alternativas. A primeira prevê a retirada das tropas ucranianas das regiões atualmente sob controle russo, com recuo até uma distância ainda a ser definida da fronteira. Essa operação teria de ser concluída em até 30 dias.
A segunda alternativa, intitulada “pacto de pacote”, envolveria a suspensão da mobilização militar na Ucrânia, o fim do envio de armamentos e informações por países ocidentais e a criação de um centro bilateral de monitoramento do cessar-fogo. Também incluiria a troca de prisioneiros entre as partes.
O documento estabelece que a Ucrânia deverá suspender o estado de guerra e convocar eleições presidenciais e parlamentares. As medidas listadas para essa etapa também teriam de ser executadas no prazo de 30 dias.
A formalização de um tratado de paz definitivo, segundo a proposta russa, dependeria da realização dessas eleições na Ucrânia. Após esse processo, o acordo deveria ser ratificado por meio de uma resolução vinculante do Conselho de Segurança da ONU.
Na semana anterior à divulgação do conteúdo da proposta russa, a agência Reuters revelou os principais pontos da contraproposta da Ucrânia. Kiev rejeita o reconhecimento da anexação das regiões ocupadas pela Rússia e mantém como objetivo estratégico a adesão à Otan. Além disso, exige o pagamento de reparações de guerra por parte do governo russo.
As negociações entre os dois países seguem sem acordo. A apresentação das propostas ocorre em um contexto de impasse militar e diplomático, com crescente envolvimento indireto de potências internacionais e manutenção de confrontos em diferentes frentes de batalha.
O conteúdo do documento russo, embora não tenha sido oficialmente divulgado pelas autoridades de Moscou, confirma a estratégia do Kremlin de condicionar qualquer avanço no processo de paz ao reconhecimento das mudanças territoriais promovidas unilateralmente desde 2014. Por sua vez, a posição ucraniana continua alinhada às resoluções da ONU que reconhecem a integridade territorial da Ucrânia e não admitem a anexação de regiões por força militar.
A continuidade das negociações e a possibilidade de mediação internacional permanecem em aberto, enquanto persistem as divergências sobre os termos considerados aceitáveis por ambas as partes.