O prazer da leitura em encontrar as palavras que na vida nos escapam
por Maíra Vasconcelos
A busca feita durante a leitura de uma novela ou de um conto, quem diz o quê, quem falou isso ou aquilo. Como foi dito, com quais palavras, em qual momento e por quê. Enfim, poder precisar as vozes e palavras que ecoam em um texto, é algo que a literatura pode conseguir delimitar e entregar ao leitor, se é de intenção do escritor. E o contrário de tudo isso é o que acontece com o uso da linguagem no dia a dia.
Entre aquilo que o autor deseja expressar e o que o leitor consegue acumular, existe sempre um espaço onde entram muitas perguntas. São muitas as dúvidas que um texto literário nos permite. Tenta-se esgotá-lo e, ainda assim, será que o autor quis dizer isso mesmo? Não ficou nada sem ser visto? E aquele personagem que aparece do nada e fala duas coisinhas?
Mas esse exercício permitido em cada leitura, na vida cotidiana se torna impossível. Falamos, e o outro pode escutar tudo menos aquilo que realmente quisemos dizer. Mas, aquilo que queríamos dizer também foi tragado, em parte, pela própria natureza traidora da linguagem. Falamos e a nossa própria fala nos trai constantemente.
No texto, as palavras estão em seu devido lugar, ainda quando em narrativas desestruturadas, ainda quando em estado de poesia. Ainda quando. Todo leitor é alguém em busca do prazer pela palavra no lugar certo. Já no dia a dia, a desordem das palavras dialogadas torna imprescindível as boas intenções de cada qual. E, ainda assim, a complexidade da fala nos traga, frequentemente.
Por isso, talvez seja fácil identificar os desvios a um diálogo infrutífero. O difícil é interromper o seu sentido de ruína. Talvez seja fácil perceber as intenções postas a destruir um diálogo que poderia ter sido amigável ou apenas comum. O difícil é dar volta nessa intenção menor e fazê-la cair por terra.
Ter em frente a um outro falante e fazer disso uma situação prazerosa, ou, ao menos, cuidar as palavras antes que elas sejam destruídas por qualquer razão individual. E, ainda assim, tentar dialogar. Isso que é como atuar. Como se fosse possível estar de acordo até mesmo com as próprias palavras.
Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).