No último sábado (1), o colunista Aquiles Lins publicou no Brasil 247 o artigo intitulado Apologia ao crime é ver Collor em casa, Bolsonaro solto e Moro sequer denunciado. Apesar de seu tom aparentemente progressista, o texto embarca para posições profundamente reacionárias ao defender a aplicação do Artigo 287 do Código Penal e a PEC da Segurança Pública como respostas ao problema da criminalidade.
O autor já começa dizendo que “a apologia ao crime, tipificada no Artigo 287 do Código Penal Brasileiro, significa defender, elogiar ou incentivar um crime ou um criminoso em público”. Ao tratar como normal a existência e aplicação de uma lei que criminaliza opiniões, incompatível com a Constituição Federal, invalida qualquer defesa de MC Poze do Rodo.
É como se a existência de uma lei bastasse para justificar a sua aplicação. Ora, durante a escravidão, era crime elogiar um escravo rebelde. Na ditadura, ser contra o regime também era crime. A mera legalidade não é critério de justiça.
Hoje, defender a Palestina pode ser enquadrado como “ódio”. Criticar o STF é “atentado” contra o Estado de Direito. Dessa forma, a censura se alastra: nas redes, nos estádios, nas escolas, nas ruas, nas eleições.
Na sequência afirma que “com base nesta lei a Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu MC Poze do Rodo. Poze é um jovem negro, oriundo de favela, que está sendo acusado de ligação com a facção criminosa Comando Vermelho”. Assim, Lins defende a exata excrescência que permitiu o espetáculo policial e da imprensa em sua prisão, ou seja, as liberdades de expressão e artística, os direitos que deveriam ser defendidas, são ignoradas por completo.
Depois, busca fazer uma demagogia identitária ao dizer “expuseram o corpo negro de Poze cheio de tatuagens numa medida inócua…” Em seguida, porém, escreve o seguinte:
“O problema do crime organizado não será solucionado prendendo um funkeiro de comunidade que canta sua realidade. Mas sim com uma ação estruturada e coordenada entre os estados e a união, como está propondo o governo federal com a PEC da Segurança Pública.”
Ou seja, depois de criticar a prisão, legitima as operações policiais nas favelas — as mesmas que assassinaram dezenas de jovens nas chacinas do Jacarezinho, na Operação Escudo e na Operação Verão. Propõe como saída uma política que vai aprofundar a violência nas favelas e ampliar o genocídio da juventude negra. Que tipo de preocupação com os corpos negros é essa?
Os exemplos citados pelo colunista — Collor, Moro, Bolsonaro — não têm qualquer relação com a liberdade de expressão. Collor foi preso ilegalmente antes do trânsito em julgado. Moro cometeu crime de lesa-pátria ao pilhar a Petrobrás na Lava Jato e jamais será punido pela justiça burguesa. Rachadinhas são outra questão.
As falas de Bolsonaro no parlamento, contudo, mesmo bárbaras, não são um crime, especialmente à luz do direito consagrado pela constituição à imunidade parlamentar, uma conquista civilizatória presente na maioria dos códigos constitucionais civilizados do mundo. Da forma como coloca o colunista, o golpe de Estado parece até menor em comparação com a exaltação de um torturador.
É um absurdo como o colunista busca comparar situações incompatíveis. Parece ter sido tomado pela sanha repressiva que penetrou nos setores ditos progressistas, só pensa em prisão.
A política da vez é defender prisão para todos os inimigos e adversários, mesmo que não haja crime e mesmo que a suposta “justiça” venha das mãos dos golpistas do Mensalão, da Lava-jato e do golpe de estado de 2016. Não há qualquer defesa daquilo que realmente é importante: os direitos democráticos, que foram suprimidos no desenvolvimento dessas operações e que estão em jogo neste momento.