O artigo Não há solução fora do socialismo, de Jair de Souza, publicado nesta quarta-feira (28) no Brasil 247, tenta transformar a necessidade do socialismo em apêndice da política demagógica de proteção da natureza que o imperialismo tem tratado de impulsionar, pois assim consegue barrar o desenvolvimento de países atrasados, forçados a permanecer eternamente na função de produtores de commodities.

Souza inicia seu texto dizendo crer “ser plausível que, em certas etapas da evolução histórica da humanidade, as atividades de cunho capitalista tenham realmente desempenhado um papel positivo para fazer avançar nossa capacidade produtiva”. Não é preciso abordar a questão de maneira quase envergonhada. O capitalismo representou um grande avanço, elevou as forças produtivas a um grau que até então não se poderia imaginar, isso é um fato.

O capitalismo, ou melhor, a burguesia, também conheceu seu período revolucionário. Com seu desenvolvimento, surgimento dos monopólios e do imperialismo, o capitalismo se tornou uma força reacionária que impede o desenvolvimento humano. É o capitalismo, assim como fez o feudalismo, que está represando as forças produtivas.

Mas não é apenas a burguesia que constitui um fator de atraso. A esquerda pequeno-burguesa – atrelada ideologicamente à burguesia – também tenta conter os avanços, seja lutando contra a exploração de petróleo, construção de hidrelétricas; e, mais recentemente, se levantando contra a utilização da internet e da inteligência artificial.

Medo do futuro

Jair de Souza reproduz o misticismo muito comum em certos círculos intelectuais e na esquerda pequeno-burguesa. Diz o autor:

“Com o passar do tempo, as características que aparentavam ser apropriadas para impulsionar a produção de bens e, com isso, proporcionar uma elevação generalizada das perspectivas de vida passaram a representar uma enorme e aterradora ameaça para a própria sobrevivência do gênero humano como tal, assim como para grande parte das demais formas de vida presentes em nosso planeta.”

Existe uma visão equivocada do que seja a natureza. O surgimento dos seres humanos, desde os seus primórdios, começou um processo de transformação, no início lento, que foi ganhando impulso com o passar do tempo.

Como escreveu Engels em seu Dialética da Natureza, “o homem não é mais do que um pedaço da natureza, da qual ele surgiu e com a qual ele forma uma unidade dialética”.

O ser humano mesmo em seus estágios selvagens, já viviam em uma natureza “artificial”, uma vez que produzia armas, utensílios para guardar alimentos, domesticava animais, aprendeu a plantar e utilizar metais. O impacto na natureza sempre foi proporcional às forças produtivas.

Ao contrário do que pensam os místicos, a evolução da capacidade produtiva será mais benéfica para a natureza. Um exemplo típico é a demanda cada vez menor da necessidade do papel. Hoje, a informação corre em grande medida pelos meios eletrônicos, de modo que o computador, a seu modo, trabalha em prol da preservação de florestas.

Dito isso, não faz sentido que predomine “a sensação de que não haveria limites restritivos para a expansão do processo produtivo com base na exploração dos recursos naturais existentes”. A ideia de se “está conduzindo nosso planeta no rumo de uma catástrofe de proporções inimagináveis que, no ritmo em que está avançando, não está muito longe de se consumar” é uma visão religiosa, apocalíptica, que tem muito mais a ver com o medo da burguesia em antever sua derrocada ante as contradições de seu sistema econômico-social.

O que fazer?

Amedrontado, Souza pergunta: “Como enfrentar um problema desta magnitude?”. A resposta é óbvia, é preciso desenvolver ainda mais as forças produtivas. É um processo dialético. Assim como uma máquina moderna é resultado de uma máquina rudimentar, será necessário queimar muito combustível fóssil até que se chegue a formas mais limpas de produção de energia.

Jair de Souza faz uma confusão ao dizer que “na verdade, o único caminho a trilhar por todos os que aspiram a elevar constantemente suas condições de vida, sem destruir o meio ambiente em que temos de viver, é o que conduz ao socialismo”. Primeiro, o meio ambiente, aqui, é uma ideia genérica e abstrata sobre algo que há muito deixou de existir. Segundo, o caminho que conduz ao socialismo é, por um lado, o próprio esgotamento do capitalismo e incapacidade da burguesia em manter sua dominação, somado com a intervenção consciente das massas, que não querem ser dominadas, para a construção de um mundo sem a divisão de classes.

Socialismo não é preservação

Com o domínio das forças produtivas, o ser humano transformará não apenas a Terra, mas sua própria natureza. Em A Cultua do Futuro, Trótski escreveu:

“O homem colocará como objetivo dominar suas próprias emoções, elevar seus instintos à altura da consciência, torná-los transparentes… e assim se elevará a um novo plano — para criar um tipo biológico e social superior, um ‘super-homem’, se quiserem… Ele tentará introduzir harmonia no mundo animal e vegetal, disciplinando-o de acordo com sua própria vontade racional.”

Já em Literatura e Revolução, o organizador do Exército Vermelho vai além:

“O homem socialista dominará a natureza inteira, inclusive com seus ossos e espinhas de peixe, com a mediação da máquina. Designará os lugares onde derrubará montanhas, mudará o curso de rios e regulará oceanos. Os idealistas simplórios podem dizer que tudo isso acabará pelo fastio. Eis por que são simplórios. Pensam eles que todo o globo terrestre se alinhará e se dividirá sem parcelas, que as florestas se transformarão em parques e jardins? Restarão bosques, florestas, faisões e tigres onde o homem decidir deixá-los. E o fará de tal modo que o tigre nem mesmo notará a presença da máquina e continuará a viver como sempre viveu. A máquina não se oporá à terra, ela é um instrumento do homem moderno em todos os campos da vida.”

A natureza humana

Além da natureza, como entendem os ecologistas, Trótski também escreve como o ser humano tratará de si tendo o controle social da forças produtivas:

“O homem, enfim, começará seriamente a harmonizar seu próprio ser. Tentará obter maior precisão, discernimento, economia e, por conseguinte, beleza nos movimentos de seu próprio corpo, no trabalho, no andar, no divertimento. Tentará dominar os processos semiconscientes e inconscientes de seu próprio organismo: respiração, circulação do sangue, digestão, reprodução. E, nos limites inevitáveis, desejará subordiná-los à razão e à vontade. A espécie humana, congelada no Homo sapiens, irá se transformar de forma radical, e se tornará, sob suas próprias mãos, objeto dos mais complexos métodos de seleção artificial e de exercícios psicofísicos.”

Como se vê, as ambições dos socialistas vão muito além de não tirar uma planta do lugar. No final das contas, o ser humano, que é fruto da natureza e de sua interação dialética com a mesma, vai elevá-la a um novo patamar.

Que socialismo?

O final do texto de Jair de Souza causa um certo estranhamento. Depois de dizer que não solução fora do socialismo, faz uma defesa do que vem acontecendo na China, que não é socialista, apesar de dizerem que sim, que seria um socialismo chinês.

Diz o autor: “Conforme nos ensina a experiência chinesa atual, a eliminação completa da atividade empresarial privada não chega a ser uma exigência indispensável neste período de construção das bases de sustentação de um regime socialista”.

O que está dito acima não tem base científica. Não haverá uma “construção das bases”, como se a economia se desenvolvesse e, em um belo dia, toda a riqueza produzida será socializada. A burguesia não vai abrir mão de seus privilégios, não sem lutar.

Diz também o articulista que “é imperativo é que as linhas diretrizes do funcionamento da economia e da vida social em seu conjunto não sejam determinadas pelos capitalistas e para atender seus interesses de classe”. Se os capitalistas fizessem isso, deixariam de ser a classe dominante, o que está fora de questão, para eles.

O socialismo só será possível com a tomada violenta (pois haverá reação) dos principais meios de produção e da expropriação da burguesia. As riquezas socialmente produzidas, deverão ser socialmente destinadas conforme as necessidades.

A esquerda não pode renunciar à sua tarefa revolucionária, a de dirigir o povo para a tomada do poder e instauração de uma ditadura proletária. É apenas isso que poderá construir as bases de sustentação do socialismo.

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Last Update: 02/06/2025