
O escritor judeu-estadunidense Nathan Thrall, vencedor do Prêmio Pulitzer 2024 por “Um dia na vida de Abed Salama”, analisou o genocídio em Gaza a partir de sua pesquisa para o livro, que narra a tragédia de um acidente de ônibus com crianças palestinas na Cisjordânia. Thrall, que vive em Israel há duas décadas, afirmou em entrevista ao Globo que a segregação dos palestinos criou um processo de desumanização “completamente generalizado” na sociedade israelense.
O episódio que inspirou o livro, em que jovens israelenses celebraram nas redes sociais a morte das crianças no acidente, revela para Thrall uma radicalização geracional. “Eles viviam em um período de relativa calma, sem lembrar dos piores períodos que as gerações mais velhas viveram”, explicou. “A desumanização não depende da segregação, mas a segregação a torna mais fácil”, emendou.
Sobre a ocupação israelense na Cisjordânia, Thrall destacou que conhecia teoricamente o sistema de controle antes de escrever o livro, mas foi ao conviver com famílias palestinas que compreendeu seu impacto profundo. “Esse sistema afeta qual emprego elas podem ter, para onde podem ir, com quem vão se casar, se podem cursar faculdade”, relatou. “São detalhes íntimos que mostram como o sistema permeia cada aspecto de suas vidas”.
Questionado sobre possíveis paralelos entre a ocupação da Cisjordânia e os planos atuais para Gaza, Thrall foi categórico: “Não resta dúvida. O que vemos hoje é uma aceleração de velhas práticas”.

Ele citou que Israel confiscou mais terras na Cisjordânia no ano após o estopim do massacre, em 7 de outubro de 2023, do que nos 20 anos anteriores somados, e que até figuras da centro-esquerda como Benny Gantz falam abertamente em “transferir” palestinos. Um termo para apaziguar a definição certa que seria expulsar os palestinos de suas casas.
Sobre os Acordos de Oslo, Thrall compartilha a crítica de muitos palestinos retratados em seu livro: “Oslo não ofereceu sequer a promessa de um Estado palestino. Israel foi cuidadoso em nunca dizer que levaria a um Estado palestino”. Ele citou Yitzhak Rabin dizendo que imaginava “menos que um Estado para os palestinos”, e compara a situação atual aos bantustões do apartheid sul-africano.
Quanto à coexistência, Thrall observou diferentes perspectivas entre os palestinos: alguns defendem dois Estados, outros um Estado único democrático chamado Palestina, e há também quem deseje simplesmente o desaparecimento do outro lado, uma visão que, segundo ele, encontra paralelo no espectro israelense.
O livro de Thrall, recém-lançado no Brasil pela editora Zahar, oferece um olhar humano sobre o conflito por meio da história de Abed Salama, pai de uma das crianças mortas no acidente. A obra combina reportagem aprofundada com análise política, mostrando como as estruturas de ocupação moldam o cotidiano palestino em seus aspectos mais íntimos.