Tropas russas estão usando pequenos e baratos drones comerciais – pouco maiores que a palma de uma mão adulta aberta –, operados por joystick ou mesmo por aparelho celular para matar civis na Ucrânia. Os aparelhos, equipados com câmeras, localizam e acompanham pessoas comuns, que se deslocam pelas ruas de cidades ucranianas a pé, de carro ou de bicicleta, até lançar sobre elas explosivos ou munições incendiárias.

Imagens captadas por esses drones vêm sendo compartilhadas por militares russos no Telegram, por meio de contas públicas que têm milhares de seguidores, como Dnepr, Habr e Moses. A organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch monitorou essas contas e, em seguida, identificou e entrevistou alguns dos sobreviventes que aparecem nas imagens.

Um dos casos relatados pela organização é o de Anastasia Pavlenko, de 23 anos, mãe de duas crianças, que foi alvo de uma dessas “caçadas humanas” conduzidas por um drone russo, quando se deslocava de bicicleta pelas ruas da cidade portuária de Kherson, no sul da Ucrânia, em 29 de setembro de 2024. Depois ter seguido ela de perto por 300 metros, o drone lançou sobre Anastasia uma carga explosiva. A jovem teve ferimentos no pescoço, nas pernas e nas costelas, mas conseguiu fugir. Ela foi socorrida e operada num hospital da região, mas os médicos não conseguiram remover um fragmento de metal alojado em seu pescoço.

De acordo com a Human Rights Watch, “os operadores de drones russos rastreiam seus alvos com imagens de vídeos de alta resolução, deixando pouca dúvida de que a intenção é matar, mutilar e aterrorizar civis” como Anastasia. O fato de os operadores desses aparelhos terem acesso em tempo real a imagens nítidas de seus alvos faz a organização concluir que “esses ataques constituem crimes de guerra”.

No direito internacional aplicável aos conflitos armados, os civis devem sempre ser poupados de ataques diretos; que só podem ser dirigidos contra combatentes de lado a lado. Em caso de violação a essas normas, contidas principalmente nas Convenções de Genebra de 1949, a Justiça Militar russa seria a primeira encarregada de punir os responsáveis por esses atos fartamente documentados. Havendo omissão, tribunais ucranianos podem julgar os operadores desses aparelhos, caso sejam capturados. Além disso, o Tribunal Penal Internacional – que já emitiu, em março de 2023, um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, pelo crime de guerra de deportação de crianças de áreas ocupadas na Ucrânia – também pode tentar alcançar esses criminosos, embora haja um grande debate sobre o alcance de sua jurisdição.

O fortalecimento dessas instâncias internacionais de responsabilização depende do empenho de todos os países, dentre os quais o Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, convidou Putin para vir ao Rio de Janeiro, na cúpula do G20, em novembro de 2024. Como o Brasil é um dos países signatários do Estatuto de Roma, que senta as bases para o funcionamento do TPI, o país teria a obrigação de deter e entregar Putin, mas não o fez. Além disso, é provável que um novo convite para uma visita ao Rio de Janeiro volte a ser feito a Putin, com vistas à cúpula dos Brics, que ocorre nos dias 6 e 7 de julho.

“Há três semanas, o presidente Lula esteve lado a lado com o presidente Putin assistindo a um desfile das forças armadas em Moscou, as mesmas forças que utilizaram drones para, de maneira intencional, ferir e matar civis na Ucrânia, em ataques que constituem graves violações das leis da guerra”, disse o diretor da HRW no Brasil, César Muñoz, em declaração distribuída à imprensa. “Em vez de ficar ao lado de Putin, o governo Lula deveria condenar os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade russos na Ucrânia e apoiar ativamente os esforços para garantir a responsabilização por esses crimes”, complementou.

Na prática, a pressão internacional à qual Muñoz se refere costuma ser dirigida pelos países apenas contra seus desafetos. O jogo da realpolitik – a política conduzida com base apenas em considerações práticas imediatas, não em imperativos morais – se sobrepõe aos ideais da Justiça Internacional. Prova disso é o fato de que nenhum presidente americano jamais foi molestado por iniciativas como essa, a despeito da farta documentação sobre crimes de guerra cometidos pelos EUA.

Na Ucrânia, a Human Rights Watch documentou “pelo menos 45 ataques deliberados com drones realizados pelas forças russas de junho a dezembro de 2024 contra civis, serviços de saúde e outros serviços essenciais em Kherson”. Só entre maio e dezembro do ano passado, os ataques de drones na cidade portuária do sul da Ucrânia “resultaram em quase 500 feridos civis e 30 mortos”, diz a organização, com base em dados do Comitê Executivo do Conselho Municipal de Kherson.

Crimes de guerra cometidos por esses aparelhos não são, entretanto, exclusividade russa. Em março deste ano, o jornal brasileiro Folha de S.Paulo acompanhou e registrou em vídeo um ataque fatal de drone ucraniano contra um militar russo ferido e já fora de combate. Execuções sumárias como essa são proibidas pelas mesmas Convenções de Genebra que proíbem ataques deliberados contra civis.

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Last Update: 02/06/2025