Nesses dois anos que nos separam daquele 8 de Janeiro até aqui, uma verdadeira enxurrada de provas e evidências vieram à tona mostrando a organização, e a implementação, de um plano golpista. Tanto que 2024 foi encerrado com a prisão de Braga Netto, na primeira vez que um general de 4 estrelas vai para a cadeia na Nova República.
Se já era difícil argumentar que o 8 de janeiro de 2023 não passou de um ato espontâneo de quebra-quebra, como passou a argumentar a extrema direita diante do fracasso do plano, hoje essa versão é ainda mais desmoralizada. Não só o 8J foi arquitetado e organizado por setores da cúpula das Forças Armadas, com a ajuda e financiamento de setores da burguesia como o agro, como ele foi um capítulo numa sequência de planejamentos e tentativas de perpetuar a extrema direita no poder, para instaurar, na prática, uma ditadura no país. Até mesmo o assassinato de Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, foi aventado e, por pouco, não foi concretizado.
Governo Lula não combate golpistas e a extrema direita até o fim
A defesa até o final das liberdades democráticas contra os golpistas e a derrota pra valer da extrema direita só pode ser feita contra a ordem vigente. Mas isso exige independência e mobilização da classe trabalhadora, em oposição à esquerda ao governo Lula, à sua política econômica, ambiental e de colaboração de classes em defesa desse regime e do status quo que prende e arrebenta indígenas, pobres e negros nas periferias, mata de trabalhar a juventude, enquanto mantém lucros e dividendos indecentes de bilionários e os privilégios de militares, juízes e deputados.
É preciso exigir nenhuma anistia aos golpistas, de verdade. Isso não se faz terceirizando ao Judiciário e à Polícia Federal essa tarefa, sem levantar a voz para acabar com o Artigo 142 da Constituição, utilizado ao bel prazer pelas Forças Armadas para se arvorarem a “poder moderador”. Sem desmilitarizar as PM’s, proibir a existência e a proliferação de escolas militares e sem fazer uma verdadeira devassa e faxina na cúpula das Forças Armadas, acabando com todos seus privilégios e proibindo que sigam defendendo, ensinando e comemorando o golpe militar de 64, como se a ditadura não tivesse existido.
As bases sociais para o ressurgimento da ultradireita se encontram na desagregação social produzida pela crise do sistema capitalista, e a profunda decadência do nosso país cada vez mais subalterno às potências imperialistas (EUA, União Europeia e China), especializando-se na produção de commodities agrícolas e minerais, mantendo a população trabalhadora majoritariamente no desemprego ou no emprego precário e subemprego, e os empregados com jornadas extenuantes e baixos salários. Enquanto as multinacionais e fundos de investimentos rapinam o país e o agronegócio, os banqueiros e os grandes empresários privatizam os serviços públicos aumentando tarifas e rebaixando sua qualidade, para lucrar e lucrar. Está aí a ENEL e tantas outras empresas da mesma laia roubando o povo brasileiro, com a ajuda de governadores de direita e de esquerda, e com a ajuda do Governo Federal e financiamento do BNDES.
Os capitalistas querem superar a crise do sistema jogando-a mais uma vez sobre os ombros da classe trabalhadora e da juventude, aumentando a exploração e a opressão para elevar seus lucros e acumular capital. E a extrema direita surge para desviar o olhar dos trabalhadores dos seus verdadeiros inimigos, buscando fazer do pobre, do negro, das mulheres, das LGBTIs+, e dos imigrantes os culpados e bodes expiatórios.
Se é verdade que o “mercado” ou a maioria da burguesia, quer um ajuste fiscal ainda maior, é verdade também que o ajuste fiscal que fez e faz o governo Lula sobre a classe trabalhadora não é pequeno, como não são pequenas as bilionárias isenções fiscais que concede ao agro, grandes empresários e banqueiros. O governo Lula mantém intacta a política econômica capitalista, que reproduz a eterna desigualdade e injustiça no nosso país, que aprofunda sua decadência e que, por isso mesmo, cada dia aumenta mais a violência e os mecanismos de repressão e criminalização da pobreza e das lutas e movimentos sociais.
É necessário, portanto, também lutar contra essa ordem e os ataques do Governo Lula e de todos os governos, que a perpetuam. É preciso seguir lutando pelo fim da escala 6×1, impulsionando a mobilização independente dos trabalhadores contra sanguessugas, como o Zaffari (grupo de supermercados do Rio Grande do Sul) que pratica uma escala ilegal de 10×1 e ainda tem a “justiça” ao seu lado para proibir manifestações (leia mais aqui). E, para piorar, conta com a ajuda de um sindicato de comerciários pelego, uma burocracia sindical capaz de fazer um acordo com o grupo empresarial para implementar uma escala de trabalho que deveria ser anulada, pois nem a famigerada reforma trabalhista legaliza esse absurdo. O “negociado prevalecer sobre o legislado” dá em superexploração garantida nas mãos de uma burocracia sindical que faz tempo que não sabe nem o que é mobilização.
Nestes dois anos da tentativa golpista, fazer da sua lembrança uma defesa da ordem atual, da conciliação com Arthur Lira e com a cúpula reacionária das Forças Armadas, a defesa do Arcabouço Fiscal e das leis que criminalizam os movimentos sociais, terceirizar para o STF a punição pela metade dos golpistas, e esquecer os indígenas, quilombolas e sem-terras massacrados pelo agro, é manter ainda aqui as mesmas condições que permitiram o ressurgimento da extrema direita.
Ato do governo defende a ordem atual e preserva a direita
Para relembrar o 8J, Lula vai participar de um ato convocado pela Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo em Brasília, enquanto prepara uma reforma ministerial para ampliar as alianças com o Centrão e parte da base bolsonarista. Como mantém, até hoje, José Múcio, nome de confiança do bolsonarismo, à frente do Ministério da Defesa. A única função que Múcio desempenhou neste dois anos foi a de passar pano para golpista e a extrema direita.
A classe trabalhadora deve defender “nenhuma anistia aos golpistas”, a investigação e a prisão de todos, a começar pela família Bolsonaro, mas também uma devassa na cúpula das Forças Armadas, o fim do artigo 142 e de todos os privilégios à cúpula das Forças Armadas.
Precisa também, porém, ganhar independência do governo para defender seus interesses e, inclusive, para combater a direita, porque atrelada ao governo será refém dos capitalistas e incapaz de se mobilizar.
A esquerda governista, que em nome de supostamente “combater o fascismo” ou “combater o golpismo”, mantém-se atrelada ao governo e à defesa da ordem atual, de fato atua no sentido de bloquear a possibilidade de organização e mobilização independente da classe trabalhadora contra uma ordem injusta, burguesa e cada vez com menos liberdades democráticas.
É até curioso ver que a capacidade de mobilização, e a força da classe trabalhadora brasileira, eram muito maiores quando o PT não governava o país com a burguesia e para a burguesia. O governo do PT de coalizão ampla com a burguesia é uma camisa de força contra a mobilização e a organização independente da classe, contra a própria consciência de classe. É fator fundamental de desmobilização, desorganização e, em momentos chaves, de desmoralização.
A classe trabalhadora só poderá derrotar até o final a direita e conquistar uma vida digna, se mudar essa sociedade, a atual ordem vigente, e isso só poderá ser feito com mobilização contra os 0,1% (as 250 maiores empresas e bancos) que controlam toda a economia do país, os governos, incluindo o de Lula, o Congresso e o judiciário.
Para garantir de verdade nenhuma anistia a quem tentou dar um golpe, o caminho é o da independência de classe, da mobilização e organização da classe trabalhadora e da juventude contra essa ordem atual, que reproduz golpistas. É, portanto, o caminho de construir uma oposição de esquerda, de classe e socialista ao governo Lula, sem deixar de combater a oposição de direita, pelo contrário, até para combatê-la também de forma consequente.