
Contas redondas se comemoram. Hoje faz 55 anos que entrei no jornalismo, como estagiário da revista Veja, de Mino Carta. A indicação foi de Luiz Fernando Mercadante para Luiz Garcia, então Secretário de Redação da revista.
Como jornalista, passei por todas as fases do país. Peguei o período de Brasil Grande, da ditadura, beneficiada pelo boom das commodities. Refugiei-me na Editoria de Artes e Espetáculos, como foca de temas musicais.
Alguns anos depois, recusei o cargo de crítico de música, substituindo Tárik de Souza, que voltou para o Rio de Janeiro. Queria combater a ditadura e a música instituíra uma ditadura ao contrário. O padrão da crítica era classificar o artista como “alienado” ou “participante”, seguindo o padrão do Cemitério de Henfil, no Pasquim, que enterrou até a Ligia Fagundes Telles como “alienada”. Era um padrão muito pobre de crítica que descontava nos artistas tudo aquilo que tínhamos engasgado na garganta em relação aos militares – e não podíamos falar.
Se era para combater a ditadura, o caminho era a economia – o fator que mais legitimava o modelo. Aceitei a proposta do Chefe de Reportagem Paulo Totti e fui ser repórter foca de economia, trabalhando com os editores Emilio Matsumoto e Paulo Henrique Amorim.
No microcosmo da Veja, entendi pela primeira vez o mundo complexo das relações jornalista-empresa. Havia o jornalista de política que, de preso político na Universidade, transformou-se em íntimo da ditadura. Ou o de economia, que ajudou a vender a ideia de primeiro criar o bolo para depois dividir. Ou ambos, reunidos, para desancar a produção de Paul Singer e, depois, baratinados, quando receberam uma carta de uma professora emérita da USP, demonstrando sua covardia contra um perseguido político. E o jornalista político atarantado e repetindo, em voz alta, quase como um autômato: “É leitora do Pasquim”.
O Pasquim era nosso refresco, nossa vingança e, em um mundo sem críticas, emergiu a figura dos cartunistas como nossos heróis. Primeiro, a turma do Pasquim, liderada por Jaguar, Millôr e Henfil. Depois, a então jovem guarda paulista, com Laerte, meu colega de ECA, os irmãos Caruso.
Na Economia, foi possível aproveitar o breve período em que Ernesto Geisel abriu as comoprtas, para permitir a crítica ao modelo anterior. Éramos três jovens repórteres denunciando os desmando do período Médici-Delfim. No Estadão, Antonio Machado; na Veja, eu em São Paulo e Otávio Costa no Rio de Janeiro.
Juntos, denunciamos os escândalos do Banco Independência-Decred, do Banco Halles. E aprendi como a denúncia era um bom negócio para as editoras no dia em que propus uma reportagem denunciando as relações de Copersucar – a poderosa cooperativa de açúcar liderada por Jorge Wolney Atalla.
As informações me foram repassadas por Bernardo Kucinski, então correspondente do The Guardian. Conversei com Matsumoto, que foi propor para a direção. Surpreendentemente, veio a autorização de Roberto Civita.
Preparava-me para sair a campo, quando recebi um telefonema da secretária de Atalla, me convocando para uma reunião em seu escritório. Não era propriamente um convite: era uma ameaça.
Aí fiquei sabendo que o Relações Públicas da Abril, cujo primeiro nome era Silvio, convidara Atalla a visitar a empresa. Lá, foi informado da intenção malévola do jovem repórter e de como Civita estava disposto a abrir mão da reportagem. Em troca, fechou um bom contrato de publicidade com a Abril e levou o prestimoso RP para trabalhar na Copersucar. E, agora, me intimava a comparecer ao seu escritório.
Liguei para Brasilia, para a única fonte que conhecia no setor, um especialista em petróleo que era ligado a Geisel. Sua resposta foi desanimadora:
- Atalla é barra pesada.
Morava no mesmo prédio que meus pais. Saí de casa com uma orientação para minha mãe. Se não voltasse que falasse com Aziz Nader, patriarca da colônia libanesa e padrinho de casamento de meus pais, além de pai de meu padrinho de crisma, Fuad Nader.
Da Abril, nada podia se esperar. Quando a ditadura queria prender um jornalista da Veja, o agente ficava esperando no saguão e o próprio Roberto se incumbia de entregar a vítima ao algoz. Ao contrário de Rui Mesquita, que acompanhava seus jornalistas até o DOPS para assegurar que não seriam mortos.
A conversa não deu em nada. Começou com Atalla reclamando de ter sido considerado um açougueiro. E terminou com um conselho típico:
- Batrício nao fode batrício!
Nos anos seguintes, fui redator do caderno de finanças da Veja, aprimorei-me em matemática financeira com o professor Dutra Vieira Sobrinho, ajudei na primeira greve da Abril, passei um bom período com o novo diretor José Roberto Guzzo querendo a minha cabeça, e a redação segurando as pontas. E saí, finalmente, com um convite para ser pauteiro e chefe de reportagem da Economia do Jornal da Tarde.
Apaixonei-me pela nova ferramenta que surgia, os microcomputadores. Juntei meu FGTS, comprei um Dismac, aprendi a programas em Basic e tornei-me especialista em matemática do Sistema Financeiro da Habitação e nos efeitos da inflação sobre os contratos.
Deixei boa herança no JT. Montei o caderno Seu Dinheiro, o Jornal do Carro e, quando percebi a enorme dificuldade em emplacar projetos novos, aceitei o convite da Folha. Lá, montei a seção Dinheiro Vivo, ajudei na montagem do DataFolha, junto com a OAB-SP deflagramos o movimento nacional dos mutuários contra os reajustes do BNH e dos aposentados, contra manobras de Delfim e do Secretário da Receita Francisco Dornelles, para taxar os aposentados.
No auge do meu prestígio na Folha, joguei tudo para o alto denunciando Saulo Ramos, então Consultor Geral da República. E recomecei tudo de novo, com um pequeno programa na TV Gazeta.
Dia desses, pensei na palavra que descreveria minha vida: imprevisibilidade. Cada vez que estava assentando, consolidando a etapa anterior, batia uma baita angústia e uma busca do imprevisível.
Talvez medo de repetir a saga familiar: a crise do meu avô aos 55 anos, do meu pai aos 55 anos, período em que 55 anos era início da velhice. Meu maior medo era chegar aos 55 anos acomodado.
Aos 55 anos rompi com a história anterior, para enfrentar o terrível padrão jornalístico imposto por Roberto Civita e que contaminou todo o jornalismo brasileiro.
Aos 75 anos, continuo com muito receio de me acomodar.
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