
Por Jefferson Santana
Da Página do MST
Entre os dias 16 de fevereiro e 3 de março, aconteceu em Curitiba a quarta edição do Curso de Carnaval promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A atividade é uma realização do coletivo Unidos da Lona Preta em parceria com a escola de samba Leões da Mocidade.
O curso teve como objetivo fortalecer a cultura popular e ampliar o conhecimento sobre a organização do desfile, abrangendo desde a confecção de fantasias até a performance na avenida. Participaram cerca de 20 educandos e educandas.



Teoria, prática musical e produção de adereços animaram a juventude para botar o bloco na rua. Fotos: Ednubia Ghisi, Ana Clara Lazzarin e Murilo Pilatti
As formações aprofundaram o conhecimento da companheirada sobre a história do samba e do carnaval, como oficinas de instrumentos, confecção de fantasias, evolução das escolas de samba, além de outros elementos que tornam o desfile uma manifestação artística e política.
O curso reforçou o compromisso da Unidos da Lona Preta em construir um carnaval engajado, que dialogue com as lutas populares e com a realidade do povo.

Gisele David, dirigente do coletivo de Juventude do MST do Paraná, destacou a importância da iniciativa para a militância do Movimento. “Possibilita para nossa base vivenciar o processo do carnaval. Participamos da produção das fantasias, organização dos carros alegóricos, ensaios com a bateria da Leões da Mocidade e nos envolvemos em várias dinâmicas do carnaval. É uma experiência rica para entendermos mais sobre essa cultura popular”, afirma.



Ensaios garantiram belíssimas apresentações na avenida. Fotos: Ana Clara Garcia Lazzarin e Edivan Carvalho
Lauriane Alexandra de Oliveira Ribas, educanda acampada, considerou a experiência transformadora. “Uma das coisas que mais me marcaram no curso foi a aceitação que sentimos dos outros grupos das baterias, como o da Leões, e a oportunidade de conhecer melhor a história do carnaval em Curitiba. Eu não era envolvida com o carnaval antes, mas agora o samba é vida para mim, e estarei aqui todo ano”, garante.

“O samba é uma forma de luta do povo negro”
A importância histórica do samba curitibano e suas raízes periféricas também foi destacada por Leonardo Jackson de Lima, o Léo Fé, presidente e fundador do Bloco de Samba Boca Negra.
“A Vila Tassi, hoje na região da Vila Capanema, teve um papel importante como representação da comunidade negra e periférica em uma cidade que historicamente se coloca como europeia, desconsiderando essas comunidades”, explica. “Mané da Cuíca, ao fundar a primeira escola de samba daqui, deu protagonismo a essas pessoas e possibilitou que o samba se consolidasse como um encontro cultural nas comunidades”.



O samba tem sua importância na construção da identificação cultural do povo brasileiro, conta a pesquisadora Juliana Barbosa. “O samba teve um papel histórico muito importante de fazer novos laços entre as pessoas escravizadas, que tiveram suas identidades apagadas e suas expressões culturais proibidas. O samba é uma dessas formas de as pessoas se encontrarem, de se identificarem”, relata.
Juliana é professora na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e jurada no Estandarte de Ouro, conhecido como “oscar do samba”, o mais antigo e importante prêmio extra oficial do carnaval do Rio de Janeiro.
“A primeira escola de samba de Curitiba, a Colorado, já vai fazer 80 anos. Ela não está em atividade agora, mas deixou um legado muito grande […] O samba está no lugar que é dele, o carnaval e as escolas de samba ocupam o lugar que eles conquistaram, que essas comunidades conquistaram. Então, por mais que haja políticas e políticos desinteressados nisso, o samba resiste e as escolas de samba também”, comenta.

Povo Sem Terra na rua e nas arquibancadas
No desfile, a Leões da Mocidade encantou o público, levando para a avenida a energia e dedicação dos integrantes do curso. Apesar do rebaixamento para o grupo de acesso, o sentimento entre os participantes foi de dever cumprido.
O aprendizado e a vivência adquiridos ao longo da preparação reforçaram a ideia de que o carnaval vai além da competição: é um espaço de resistência, expressão cultural e construção coletiva.




Simbologia do Movimento esteve em instrumentos e bandeiras nas arquibancadas. Fotos: Ana Clara Garcia Lazzarin e Leonardo Henrique
Uma das grandes novidades deste ano foi a parceria entre a Unidos da Lona Preta e a escola de samba Vai na Fé. No domingo (dia 02/03), a Unidos da Lona Preta desfilou ao lado da estreante no grupo de acesso, marcando o início da escola na avenida.
Essa aliança nasceu a partir das ações de solidariedade na pandemia de Covid-19, quando integrantes das duas organizações se encontram nas doações de alimentos para comunidades periféricas que o MST realizou. A partir desse vínculo, a troca entre os grupos se intensificou, resultando em um desfile conjunto que fortaleceu ainda mais a presença das lutas populares dentro do carnaval.





Música e luta no Carnaval de Curitiba. Fotos: Ana Clara Garcia Lazzarin
Fábio Sidre, presidente da Vai na Fé, destacou a importância desse encontro e relembrou a história de solidariedade que fortificou esse laço.
“Essa caminhada é nossa aí, primeira oportunidade de estar pisando aqui na passarela do samba curitibano. E não podia ser em melhor companhia do que nossos parceiros do MST. Em 2019 e 2020, durante a pandemia, a rapaziada do MST mandou uma carreta com 11 toneladas de comida para a nossa quebrada, região Oeste, Santa Quitéria, Parolin e toda a região da nossa quebrada lá. Garanto que essa aqui é a primeira de muitas caminhadas nossas”, destaca.
A participação da Unidos da Lona Preta no desfile da Vai na Fé não foi apenas simbólica, mas um verdadeiro exemplo de como a cultura e a resistência se encontram na avenida. Foi um momento de reafirmação do samba como espaço de luta e construção coletiva. A parceria entre a Unidos da Lona Preta e Vai na Fé promete continuar crescendo.
A Unidos da Lona Preta segue fortalecendo essa tradição, unindo arte e luta popular. Para quem participou, fica a certeza de que o samba continua é uma poderosa ferramenta de transformação, e que, com organização e resistência, o brilho do carnaval sempre se reinventa.

“Vencer, vencer, vencer: salve o MST”
Em 2024, a Unidos da Lona Preta lançou seu segundo samba enredo. Desta vez, uma homenagem aos 40 anos de luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Em 2021, o coletivo comemorou o centenário de Paulo Freire com uma linda música.
Cada compasso descreve uma parte dessa jornada, de um povo que clama por terra para trabalhar e viver bem, transformando as batidas dos instrumentos musicais em gritos por Reforma Agrária Popular e contra o latifúndio.
Assista ao clipe da Unidos da Lona Preta:
*Editado por Fernanda Alcântara