Reescrever a história sob a ótica daquelas que tiveram seus passos apagados. Enaltecer a ancestralidade e constituir um novo idioma guiado pela linguagem do respeito, afeto, segurança, poder e dignidade. Essa é uma das principais premissas que marca o Julho das Pretas. No período são comemorados dois dados importantes para o movimento negro: o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela.
O período, explica Sandra Sena, historiadora, secretária executiva da Frente Parlamentar Mista Antirracismo no Congresso Nacional, coordenadora da TV Elas por Elas das Mulheres Petistas, e militante do movimento negro e feminista popular, representa o reconhecimento a luta histórica das mulheres negras pela dignidade, educação, saúde, moradia e uma completa transformação do Brasil, mas representa também a reafirmação de quão importante é a organização das mulheres negras pela justiça e pelo fim de todas as desigualdades sociais.
“Este é um mês que marca nossas presenças nos espaços políticos e na disputa por uma sociedade justa. Nossas contribuições são fundamentais para o país. E por fim, e não menos importante, é um tempo de denúncia das violências que atingem nossas vozes, nossos corpos e nossas histórias. O Julho das Pretas é memória, é luta e é projeto”, afirma uma pernambucana criada em Alagoas.
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha foi criado em 1992 quando, em Santo Domingo, República Dominicana, realizou-se o 1º encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas.
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A atividade, além de propor a união entre essas mulheres, também visava denunciar o racismo e o machismo enfrentados por mulheres negras, não só nas Américas, mas também ao redor do globo. Um dado foi reconhecido pela ONU ainda em 1992.
Já no Brasil, o 25 de julho é comemorado como o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola que deu visibilidade ao papel da mulher negra na história. Tereza foi uma mulher que revolucionou a política numa época em que os escravizados lutavam por sua vida. Ela liderou, no século 18, por duas décadas, o Quilombo do Quariterê, localizado no Mato Grosso e que hoje pertence a Rondônia.
De acordo com a Revista AzMina, o quilombo tinha parlamento, sistema de defesa e trocas comerciais. Tudo isso em pleno período escravocrata. Tereza passou a liderança do quilombo após a morte de seu companheiro, José Piolho, e comandou uma comunidade com mais de 100 pessoas negras e indígenas, seguindo documentos da época. Durante a liderança, ela impulsionou a produção de algodão, tecidos e alimentos.
Chama a atenção o poder de liderança de Tereza, que chefiou um quilombo, e tristemente, hoje, quase não há mulheres negras em espaços de poder e decisão no Brasil.
Mesmo representando 28% da população, apenas 2% do Congresso é formado por mulheres pretas. O racismo deixa claro que não é interessante lembrar que uma mulher preta já esteve no comando em uma época extremamente violenta.
Questionada sobre qual a importância do Julho das Pretas para as mulheres do movimento negro do PT, a historiadora destaca que é necessário ressaltar que o Partido é fundado pelos movimentos sociais, e consequentemente, pelas mulheres negras:
“Não há como falar na conquista de políticas de combate ao racismo, de igualdade racial e igualdade de gênero no Brasil, sem falar das mulheres negras que construíram e ainda constroem o PT, e também constroem o conjunto do Movimento Negro, do movimento feminista e dos movimentos sociais. Posso dizer com toda certeza, que o projeto de vida das mulheres negras petistas é uma transformação do mundo, e por isso elas estão em todos os espaços de construção coletiva.”
Nesse sentido, o Julho das Pretas, defende Sandra, é um momento estratégico e simbólico: “É quando reafirmamos nossa presença dentro do Partido e reivindicamos nosso protagonismo na formulação de políticas públicas e no enfrentamento das desigualdades. Somos mulheres que constroem o PT desde as bases, que disputam projeto político, que organizam territórios e que levam para o partido as urgências do povo negro.”
Ela pontua ainda que a acompanhamento do Brasil passa pela mão e pelas vozes das mulheres negras. “Já cantamos essa bola há tempos. As transformações sociais no Brasil só serão possíveis se forem lideradas pelas mãos e vozes das mulheres, especialmente as mulheres negras, indígenas e periféricas, urbanas e rurais. Fomos nós que sustentamos a vida nos momentos mais difíceis, e somos nós que temos propostas concretas para transformar as estruturas, nós temos um projeto de democracia, desde o Quilombo dos Palmares como nossa companheira Lélia Gonzalez. Uma política feita pelas mulheres é coletiva, solidária e centrada no cuidado com a vida”, defende.
Sobre as principais estratégias para inserir, cada vez mais, as companheiras pretas nos debates políticos e estratégicos do país e do partido, a coordenadora da TV Elas por Elas afirma que esse processo deve ser iniciado com a garantia de uma formação política transversalizada com raça, classe e gênero, além de discutir as questões etárias e regionais.
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“Além disso, é preciso estruturar condições reais de participação: creche, transporte, acesso à comunicação, renda. Para todos nós, também é importante ocuparmos os espaços de direção partidária e institucional com paridade racial. Não podemos mais aceitar que a presença de mulheres negras nos espaços estratégicos seja uma cota. Tratamos isso como prioridade política”, explica.
Enquanto historiadora, Sandra ressalta que as mulheres negras latino-americanas e caribenhas têm sido fundamentais na construção de um novo mundo. “Denunciamos constantemente o colonialismo que ainda persiste fortemente nas estruturas de nossa sociedade. Mas atuamos principalmente na construção de alternativas concretas baseadas na ancestralidade, na solidariedade entre os povos e no bem viver. O 25 de Julho reforça que somos muitos, diversos, e estamos conectados por uma história de resistência comum.”
Ela destaca ainda que o Julho das Pretas ajuda a ampliar as vozes dessas mulheres. “Não é possível pensar democracia sem encarar o racismo de frente. E isso começa com reconhecimento político, com peças históricas e com construção coletiva. Nossa agenda é inegociável: queremos educação, moradia, terra, liberdade, dignidade. E queremos isso agora”, finaliza.
As mulheres negras, mesmo sendo a base da pirâmide, que sustentam esse continente, seguem invisibilizadas, subjugadas e silenciadas. São elas as que menos acessam políticas públicas, e as que mais sentem os impactos da violência e da fome. Ainda assim, seguem organizadas, em movimento, criando estratégias para existir com dignidade.
Da Redação do Elas por Elas, com informações de AzMina