
Por Ednubia Ghisi, Karina Ernsen e Gustavo Sousa , do Coletivo de Comunicação da Jornada de Agroecologia
Da Página do MST
A 22ª edição da Jornada de Agroecologia chegou ao fim neste domingo (10), em clima de partilha, celebração e reafirmação do compromisso com a justiça social e o enfrentamento à crise climática. Pelo segundo ano consecutivo, o encontro ocorreu no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná, no bairro Jardim das Américas, em Curitiba. Ao longo dos cinco dias de programação, iniciada na última quarta-feira (6), mais de 30 mil pessoas visitaram os diversos espaços e atividades do maior encontro dedicado à agroecologia do estado.
No ato de encerramento da edição, realizado na manhã deste domingo, Roberto Baggio, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ressaltou a caminhada desde a primeira edição da jornada, em 2003, até a última em 2025. “A Jornada de Agroecologia é uma semente. Essa semente germinou e criou vida. Ela brotou, ela cresceu, gerou frutos e se espalhou”, destacou Baggio. Atualmente, cerca de 60 movimentos populares, organizações, coletivos e instituições de ensino compõem a organização da Jornada.
Para o militante, o encontro vem sendo um espaço de conexões e afetos, entre pessoas de diversas regiões do Paraná e do Brasil. Como uma prévia da próxima edição, o dirigente conta que essas relações são o que fortalecem os organizadores para a realização da 23ª Jornada de Agroecologia, em 2026. “A gente não precisa, não quer e não reconhece essa agricultura capitalista, que é do veneno, do agronegócio, da contaminação e do fogo. Chegará um momento onde a agroecologia será maioria na sociedade”, completou Baggio.
Também participou da celebração Gabriela Bica, chefe de gabinete da Vice-Reitoria da Universidade Federal do Paraná – que tem recebido a Jornada nas últimas seis edições. Para a professora, a Jornada é um “grande movimento de ensino, de pesquisa, de extensão e também de cultura, especialmente cultura popular”. Ao receber o encontro, Gabriela enfatiza que a universidade exercita seu papel social de aproximação também com a comunidade externa e do fortalecimento interinstitucional em prol da agroecologia. “Considero que a Jornada significa um movimento muito positivo para a UFPR e toda a sua comunidade acadêmica, e desejo que essa parceria ainda renda bons frutos”.

A representante da universidade também convidou para que as pessoas do campo busquem se inserir cada vez mais nos espaços da academia, e enfatizou a existência do curso superior em Agroecologia da UFPR, realizado no campus Litoral, em Matinhos “A gente tem que ocupar todos os espaços possíveis, o movimento, a luta, mas também a formação”, disse Gabriela, que é professora neste curso.
Houve também a leitura da carta desta edição, intitulada “Por Vida, Justiça Social e Soberania dos Povos”. O documento apresenta a agroecologia como “caminho para superação do modelo do agronegócio, com foco na produção de alimentos saudáveis, na justiça social e no enfrentamento da crise ambiental e climática”.
Ao fim das falas e agradecimentos, todos se encaminharam da tenda onde se localiza o palco, até o gramado a céu aberto, onde se formou um círculo de pessoas, embaixo do sol. Entre companheiros e companheiras, em volta de sementes crioulas variadas, as pessoas se agacharam em um movimento unido para sentir a terra com as mãos. Neste ato final, o solo foi indicado como um elemento sagrado, pelo qual se deve seguir lutando.

A solidariedade ao povo palestino esteve presente em diversos momentos da Jornada, e também marcou o encerramento, com uma grande faixa, música e um chamado para a denúncia permanente contra o genocídio cometido pelo governo de Israel. Mais de 60 mil pessoas já foram assassinadas na Faixa de Gaza, entre elas milhares de crianças, mulheres e idosos. De forma simbólica, o gramado da UFPR recebeu o plantio de uma muda de oliveira, árvore sagrada para os palestinos, e de uma araucária, símbolo do bioma Mata Atlântica, com sinal da união entre os povos por meio da terra.
A partilha de sementes, ramas e mudas simbolizou a semeadura e o enraizamento permanente da agroecologia. A banda Filhos da Mãe Terra e o tradicional bloco de carnaval Garibaldis e Sacis foram as últimas apresentações culturais da Jornada, e garantiram a animação do quinto dia de encontro.
Números que expressam um encontro massivo e popular
A Feira da Agrobiodiversidade reuniu mais de 100 feirantes e mais de 100 coletivos e empreendimentos da Economia Solidária, indígenas e cooperativas e associações da Reforma Agrária, sendo a maioria do Paraná, e representações do Rio Grande do Sul. O movimento foi intenso durante os cinco dias, com consumidores interessados na diversidade de alimentos in natura e/ou processados, orgânicos e agroecológicos, no artesanato, brechós, livros e inúmeros itens da economia solidária.
A Culinária da Terra trouxe comida típica e refeições para todos os gostos, com 40 opções de pratos preparados com ingredientes agroecológicos, produzidos por assentados, quilombolas e agricultores familiares.


No encerramento do último dia da Jornada, possibilitou que cada participante pudesse levar uma porção de sementes, mudas e ramas. Ao todo, foram partilhadas 8 mil mudas, doadas pelo Instituto Água e Terra do Paraná (IAT) e pela Itaipu Binacional, além de 600 quilos de sementes crioulas, ramas e raízes doados pelos camponeses que vieram do interior, e pela Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural (Assesoar).
A cultura se expressou na feira, na comida, nas calçadas e no palco principal da Jornada. Foram mais de 20 shows e apresentações culturais, passando pelo rap, samba, moda de viola, sertanejo, com artistas locais e nacionais. Ao todo, mais de 200 artistas locais e nacionais estiveram nesta edição.

O espaço da Saúde Popular garantiu apoio e cuidado para centenas de pessoas, ao longo de todos os dias da Jornada. Com benzimento, auriculoterapia, massoterapia, reflexologia podal, ventosaterapia e orientações sobre fitoterapia e uso de ervas medicinais, foram mais de 750 atendimentos.

Para enriquecer a experiência dos visitantes e reforçar a mensagem de luta e resistência, a 22ª Jornada contou com o Túnel do Tempo. A atração resgatou a memória de luta e resistência do país. Nesta edição, a exposição trouxe quatro eixos com períodos históricos do país, que passam do pré-colonialismo à atualidade e chegam ao projeto popular de sociedade, justo e democrático. A exposição recebeu aproximadamente 2.500 visitantes.
Para realizar cada edição da Jornada, 19 equipes de trabalho atuaram de forma sincronizada. Foram mais de 600 pessoas envolvidas, entre camponeses/as, estudantes, militantes de movimentos populares e apoiadores da agroecologia. A Ciranda Gralha Azul garantiu o cuidado e as atividades pedagógicas e lúdicas para 35 crianças, filhas e integrantes das equipes de trabalho.

Conferências, seminários e oficinas
Além de poder ver de perto e consumir os frutos da Agroecologia na Feira da Agrobiodiversidade e na Culinária da Terra, a Jornada realizou mais de 50 seminários, oficinas e conferências de reflexão e prática em torno do tema.
Um dos pontos centrais da 22ª Jornada foi a conferência “Projeto Popular para O Brasil e a Casa Comum“, realizada na manhã de sábado (9). Com um auditório lotado, o evento contou com a participação do teólogo Leonardo Boff; Makota Celinha, da coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileira (Cenarab); de João Pedro Stédile, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); e da vice-reitora da UFPR, Camila Fachin.

A conversa se concentrou nos caminhos para a superação da crise climática e social, tanto no Brasil quanto no cenário global, reforçando o compromisso da Jornada em cuidar da “casa comum”. Esta discussão é fundamental e aponta a agroecologia como uma alternativa necessária frente aos modelos exploratórios da natureza, os quais, segundo a perspectiva apresentada por especialistas como o professor Andrei Cornetta, estão enraizados no colonialismo e no capitalismo, e são insustentáveis para uma solução dentro do sistema capitalista atual. Cornetta, em sua participação, alertou que o modelo exploratório da natureza inviabiliza soluções e aponta a agroecologia como a alternativa.
A extinção humana é um dos perigos da crise no sistema capitalista, pois afeta a economia, o meio ambiente, o estado burguês e os valores da sociedade. Stédile afirma que não vamos ganhar as massas com discursos, mas pela arte e cultura. ”O povo entende as ideias pelo sentimento e chegamos nisso pela arte. O encontro discutiu a gestão justa e sustentável da água e sua conexão direta com a transição agroecológica e que deve ser protegida como fonte de vida e direito fundamental. O debate refletiu a preocupação com a justiça hídrica e ambiental, intrínseca à proposta agroecológica.
A realização do Plebiscito Popular foi divulgada e debatida em vários momentos da Jornada, sendo considerada fundamental para fomentar o debate sobre a realidade brasileira. Organizado em todo o Brasil e por diversos movimentos e coletivos, o plebiscito consulta sobre redução das jornadas de trabalho, com o fim da escala 6×1, e a taxação dos super ricos e redução de impostos para os trabalhadores.
Mecanização para a produção agroecológica deve ser política pública
Além das atividades na capital, a edição deste ano trouxe como novidade um dia de campo no Assentamento Contestado, na Lapa. O encontro reuniu cerca de 500 pessoas para um intercâmbio de experiências e exposição de tecnologias agroecológicas desenvolvidas por meio da Cooperação Brasil-China. “É urgente, mecanização pra agroecologia tem que ser política pública”, garantiu a dirigente nacional do MST, Débora Nunes, durante uma conferência sobre mecanização e produção de bioinsumos para ampliação da agroecologia.

Houve demonstrações simultâneas de máquinas agrícolas para fruticultura, com equipamentos para manejo em sistemas agroflorestais; Bioinsumos, com destaque para a aplicação via drone; Olericultura – semeadora de hortaliças e transplantadora de mudas; Sistema de Plantio Direto de Hortaliças; e máquinas voltadas à mecanização de culturas anuais. De forma simultânea, foi realizado um seminário “Vigilância Popular em Saúde do Campo e Agroecologia”, com o professor-doutor Fernando Carneiro, da FioCruz do Ceará.
Nesta edição, a Jornada também realizou uma grande marcha pelo centro da capital, e recebeu uma homenagem na Assembleia Legislativa do Paraná, do dia da abertura do encontro.
Este ano, a Jornada contou com o apoio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
A Jornada é realizada pela Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP) com o patrocínio do Sebrae, Itaipu Binacional, Fundação Banco do Brasil e Governo Federal.
Resumo da 22ª Jornada de Agroecologia em dados:
– Público de mais de 30 mil pessoas
– Mais de 600 pessoas nas equipes de trabalho
– Mais de 250 feirantes e mais de 100 coletivos e empreendimentos da Economia Solidária, indígenas e cooperativas e associações da Reforma Agrária, na Feira da Agrobiodiversidade
– Mais de 1.000 tipos de sementes crioulas
– Mais de 200 tipos de alimentos da Reforma Agrária e agricultura familiar
– Mais 40 opções de pratos no Culinária da Terra
– Mais de 20 shows e mais de 200 artistas locais e nacionais
– Mais de 50 seminários, oficinas e conferências
– 750 atendimentos e 7 tipos de práticas integrativas no Espaço da Saúde Popular
– 2.500 visitantes no Túnel do Tempo
– 8 mil mudas e 600 quilos de sementes crioulas, ramas e raízes partilhados
– 35 crianças participantes da Ciranda Gralha Azul
*Editado por Fernanda Alcântara